Ameaça de Israel a jornalistas pode ser tática diversionista. E é um grande equívoco
12 novembro 2023 às 00h21
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Na quinta-feira, 9, integrantes do governo de Israel denunciaram que repórteres que divulgaram os ataques do Hamas em Israel — que resultou em centenas de mortes de pessoas que não participavam de nenhuma guerra —, remetendo imagens a grupos internacionais de comunicação (Associated Press, Reuters, CNN, “New York Times”), são cúmplices dos terroristas.
Israel não estaria mais próximo da verdade se optasse por culpabilizar suas forças Armadas e o Mossad, que não alertaram a população, em nenhum momento, sobre o que poderia acontecer? O alerta não chegou nem mesmo quando os fatos estavam acontecendo. As forças de segurança do dito país mais seguro do mundo — seria praticamente uma “bolha” — falharam de maneira clamorosa. O destempero contra jornalistas, apresentados praticamente como terroristas, será uma maneira de esconder a incompetência dos órgãos protetivos de Israel?
Chegará o dia em que o governo de Israel terá de fazer autocrítica — ante uma falha tão gigantesca que acabou por levar à morte tantas pessoas. Fica-se com a impressão de que a vingança excessiva que está ocorrendo na Faixa de Gaza — parece evidente que não se está “caçando” apenas terroristas do Hamas, e sim se procedendo a uma vendeta contra um povo — resulta, digamos assim, de uma espécie de justificativa para o erro gritante dos militares e espiões israelenses.
Integrante do Gabinete de Guerra de Israel, Benny Gantz disse, no X, que “os jornalistas que sabiam do massacre, e escolheram permanecer como espectadores ociosos enquanto crianças eram massacradas, não são diferentes dos terroristas e deveriam ser tratados como tal”.
De fato, tropas israelenses já mataram ao menos 35 jornalistas — quase todos palestinos (quatro repórteres de Israel foram mortos pelo Hamas). Estariam sendo tratados como “terroristas”? É provável que não. Porque, atirando de longa distância, por mais que se tenha “boa” informação, não dá para identificar que fulano e sicrano são jornalistas. Exceto, claro, se estiverem bombardeando locais onde estão reunidos jornalistas — o que não parece o caso.
Até agora, Israel não explicou por quais motivos seus serviços de segurança e espionagem falharam. Talvez não tenha como explicar. A origem do problema pode ter sido excesso de autoconfiança e o fato de ter subestimado o inimigo, que realmente era e é mais fraco.
Os jornalistas que reportaram o massacre, alertando Israel e o mundo, não fizeram a sua parte? Tudo indica que sim. Eles certamente não tinham como pegar metralhadores e fuzis para defender as pessoas. Mais do que o governo de Israel, eles denunciaram ao mundo a brutalidade do terrorismo do Hamas.
O que o representante de Israel nas Nações Unidos, Danny Damon, disse é quase inacreditável: “A agência de segurança interna de Israel anunciou que eliminará todos os participantes do massacre de 7 de outubro. Os ‘fotojornalistas’ que participaram da gravação da agressão serão acrescentados a essa lista”.
É certo que Israel, por mais poderoso que seja, não tem condições de matar todos os membros do Hamas que participaram do massacre em território judeu. Muitos deles talvez já estejam fora do país — quiçá no Qatar, no Líbano ou no Irã. Mas os jornalistas que contaram a tragédia de 7 de outubro são, talvez, facilmente mapeados — o que torna ainda mais grave o que disse Danny Damon. Espera-se, até, que sua fala tenha mais a ver com raiva do que com qualquer outra coisa e não envolva nenhuma “racionalidade” bélica de Estado.
O massacre de palestinos — e não apenas de terroristas do Hamas (que é, de fato, uma organização terrorista bancada pelo Irã) — vai cessar quando? A matança só vai parar se os Estados Unidos, do alto de seu poderio, gritar para o governo de Israel: “Chega!” Então, o mundo tem de pressionar mais os Estados Unidos do democrata Joe Biden do que o Israel do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Posição da AP, CNN, Reuters e Times
A ONG HonestReporting, pró-Israel, afirma que imagens do massacre organizado pelo Hamas produzidas pelo fotojornalista Hassan Eslaiah foram divulgadas pela CNN e pela Associated Press. O repórter teria filmado terroristas palestinos atacando tanques israelenses. A mesma ONG garante que o freelancer segurou uma granada, o que teria aparecido num vídeo. Neste vídeo terroristas palestinos avançam rumo a Israel.
Netanyahu cobrou esclarecimentos da AP, da Reuters, da CNN e do “Times”.
A Associated Press esclarece que começou a receber conteúdo de freelancers uma hora depois do início dos ataques do Hamas. Não tinha, portanto, informação prévia do que iria acontecer. “Nenhum funcionário da AP estava na fronteira no momento dos ataques. Nenhum funcionário da AP atravessou a fronteira em nenhum momento. Quando aceitamos fotos freelances, tomamos medidas importantes para verificar a autenticidade das imagens e se elas mostram o que é suposto.”
O correto, neste momento, é Israel permitir que jornalistas de todo o mundo entrem na Faixa de Gaza — sob proteção (ninguém quer entrar lá para ser fuzilado) — para que possam mostrar o que realmente está ocorrendo. Reportar o massacre com precisão — a matança — pode não ser do interesse de Israel, mas é dos demais países.
A CNN informa que rompeu relações com Hassan Eslaiah (que parece ter se comportado mais como militante do que como repórter) e ressalta que não tinha informações prévias do ataque do Hamas. “Embora neste momento não tenhamos encontrado motivos para duvidar da precisão jornalística do trabalho que ele fez para nós, decidimos suspender todos os laços com ele”, afirma, em comunicado, a rede americana.
Na manhã de 7 de outubro, há pouco mais de um mês, a Reuters afirma ter comprado fotografias de fotógrafos freelancers da Faixa de Gaza.
O “Times” deu a resposta mais dura a Israel. Ao informar que não tinha conhecimento prévio dos ataques, o jornal americano — fundado por judeus — disse que a acusação israelense é “falsa e ultrajante”.
A tática de Israel é diversionista, no sentido de tentar desmoralizar, desde já, o que a imprensa está dizendo — condenando a matança na Faixa da Gaza (de velhos, adultos e crianças inocentes) — e vai dizer no futuro. Porque a ação de Israel no território palestino, de tão brutal, será uma mancha na história de um povo tão audaz e resistente
Minha posição pessoal é contra o terrorismo do Hamas e a favor de Israel (sempre escrevi sobre os judeus do Holocausto, criticando o nazismo de Adolf Hitler e aliados), mas totalmente contra a matança de palestinos pelas tropas israelenses. A guerra dos judeus deve ser contra o Hamas — não contra o povo palestino. “Eliminar” um povo, mesmo que seja parte deste povo, é um crime contra a humanidade. É imperdoável.