A comunicação sobre a saúde de Lula da Silva foi uma trapalhada do começo ao fim. Ao que parece, o ruído e amadorismo nos informes têm explicação em atritos internos no próprio governo, e comprometeram a credibilidade das mensagens de tal maneira que, mesmo agora que a crise passou, permanecem dúvidas sobre o estado do chefe do Executivo e a confiabilidade do que diz o governo. 

Do início: o presidente passou por cirurgia para drenagem de um hematoma intracraniano, na madrugada da terça-feira, 10, no Hospital Sírio-Libanês. A Secretaria de Comunicação, comandada por Paulo Pimenta, divulgou relatórios médicos que diziam apenas que Lula se recuperava conforme o esperado. Na tarde da quarta-feira, 11, vazou a notícia de que o presidente teve novos sangramentos no cérebro e passaria por outro procedimento. O fato pegou a todos de surpresa, até os ministros mais próximos do presidente, causando a suspeita de que Lula pudesse estar em estado grave.

É claro que o bem-estar do presidente é de foro íntimo; mas também é assunto de interesse público, em especial no Brasil, onde um há trauma que jamais foi bem resolvido. Em 1985, a equipe médica do presidente eleito Tancredo Neves mentiu aos brasileiros durante sua longa internação. A versão oficial era de que Tancredo tratava uma diverticulite, mas, posteriormente, se descobriu que tratava-se de um tumor, e os médicos esconderam até mesmo a palavra “câncer” em prontuários. (Luís Mir conta tudo sobre o episódio no excelente livro “O Paciente: O Caso Tancredo Neves”.) 

Uma das razões que forçou Joe Biden a desistir da corrida presidencial americana em 2024 foi a suspeita de que sua saúde e cognição estavam fragilizadas pela idade, o que prejudicou sua viabilidade eleitoral. E se, em 2025, Biden confirmar o declínio cognitivo — em uma democracia, o povo não deveria ter acesso a todas as informações para tomar uma decisão informada?

De volta a Lula. Somente após Mônica Bérgamo publicar na Folha de S.Paulo que o presidente precisaria passar por nova drenagem, o Dr. Roberto Kalil deu uma entrevista tumultuada e improvisada afirmando que Lula estava bem. Segundo Malu Gaspar, no O Globo, o próprio presidente não sabia que seu cateterismo era secreto; ele pensou que tudo havia sido informado ao público. 

Ainda na quinta-feira, 12, na porta do Sírio-Libanês, Roberto Kalil deu nova entrevista coletiva, a mando do presidente e da primeira-dama segundo ele mesmo. A coletiva, com ar de “remendo”, teve trechos contestados. Enquanto Dr. Kalil disse que “o procedimento é relativamente simples”, outros médicos afirmaram que o cateterismo em artéria cerebral é formalmente definido como de alta complexidade — afinal, é uma cirurgia realizado em sala de hemodinâmica. 

Talvez a diretriz de tentar diminuir a tensão tenha vindo “de cima”, de Lula e Janja, mas, naquela entrevista, o médico atuou como assessor de imprensa e sua palavra perdeu credibilidade. Agora, o médico que diz que não há risco algum de sequela neurológica, mas há quem duvide. Diversas razões para o questionamento foram dadas; não se trata de conspiração. A incerteza é legítima, e tratar quem contesta como maluco é outra prova de comunicação amadora.

Tudo poderia ter sido evitado se a comunicação tivesse ficado a cargo do o órgão responsável, a Secom. Mas Paulo Pimenta já foi desautorizado publicamente por Janja diversas vezes. O secretário de comunicação, inclusive, é demissionário — o presidente já tinha decidido dispensá-lo há algumas semanas, justamente pelos atritos com a primeira-dama.