Estamos em 2029 e o governo Lula 4 tomou rumos estranhos. Conseguiu apoio no Legislativo para mudar para mais a composição do Supremo Tribunal Federal (STF), nomeou cinco ex-advogados do PT como ministros da Suprema Corte e, salvaguardado pelo apoio de militares de esquerda, dissolveu o Congresso Nacional. Há agora só um partido no País: ele mesmo, o PT. Em um estúdio clandestino, num ato de resistência da imprensa ao novo regime de exceção, o jornalista Mino Carta entrevista seu colega Luis Nassif e ambos condenam as ações do presidente.

É obviamente um cenário futurista inviável por todos os motivos possíveis – embora o mais irreal do parágrafo anterior talvez seja encontrar esquerdistas no Alto-Comando das Forças Armadas.

Mas, assim como ver Carta e Nassif, dois jornalistas abertamente de esquerda, condenando ações do PT – embora, diga-se, saibam ser críticos a ações do governo que considerem equivocadas –, se desse improvável 2029 voltássemos vinte anos no tempo para nos ater às figuras de Reinaldo Azevedo e Marco Antônio Villa, dois ícones do antipetismo, rebateriam acusações de terem se vendido ao PT.

Azevedo, o “Tio Rei”, como ficou conhecido pelos anos de interação nas redes sociais e no rádio, na época de faculdade chegou a ser trotskista. Como jornalista, deixou os arroubos de esquerda e, mais se tornou décadas depois o criador do termo “petralha” – uma junção de “petista” e “metralha” (em alusão aos Irmãos Metralha, o trio de personagens criminosos criado por Walt Disney) –, substantivo com que nomeou dois livros que escreveu (O País dos Petralhas, volumes 1, de 2008, e 2, de 2012).

Assim como ele, Villa foi um dos críticos mais contundentes de Lula e dos governos do PT. Apoiou incondicionalmente o impeachment de Dilma Rousseff e durante anos “adjetivou negativamente”, para usar um eufemismo, o atual presidente. Entre as inúmeras (em qualidade e quantidade) expressões que despejou contra o petista estão “psicopata”, “chefe de quadrilha”, “bandido”, “corrupto”, “ladrão”. Tanto fez que petistas moveram queixas-crime contra o historiador, que, também autor de vários livros, escreveu muitos deles com temas críticos ao partido e a seus líderes.

Reinaldo começou a mudar seu rumo como comentarista político em 2014, quando surge a Operação Lava Jato. Nos anos seguintes, embora contestando as ações do então juiz Sergio Moro, não viu golpe na deposição de Dilma – opinião que reformulou nos últimos anos. Desde a campanha presidencial de 2018 se colocou contra Jair Bolsonaro (PL) de forma veemente, embora negasse ter apoiado a candidatura antagônica, de Fernando Haddad (PT). Desde o início do mandato, acentuando-se durante a pandemia, Azevedo se pôs na linha de frente do enfrentamento do bolsonarismo entre os profissionais de imprensa, em seu programa na BandNews (O É da Coisa, que vai ao ar a partir das 18 horas, de segunda a sexta) e também em sua coluna no portal UOL.

Além de suas participações no Jornal da Cultura, Marco Antônio Villa fez em seu canal no YouTube (hoje com mais de 700 mil inscritos) uma ostensiva campanha anti-Bolsonaro – a quem costuma se dirigir como “mandrião”, alguém que não gosta de trabalhar. A mesma virulência que usou contra o PT foi utilizada, em escala mais ampla, contra o governo de extrema direita, especialmente em relação ao tino golpista de seu líder. Mas o professor foi mais além: chegou a se candidatar a deputado federal por São Paulo e ficou como primeiro suplente do Cidadania, com 95.745 votos. No segundo turno, chegou a declarar voto em Lula, dentro do conceito da “frente ampla”.

Se ambos estavam na tropa de choque contra o bolsonarismo, entre si havia rusgas. Trabalharam na Jovem Pan e o clima chegou a ser pesado entre os dois. Um dos motivos era a Lava Jato: Reinaldo já fazia intensa campanha contra Moro e os procuradores e Villa era árduo defensor da operação.

A quebra do gelo aconteceu em um reencontro promovido de forma virtual, no canal do YouTube de Villa. A convite do historiador, Reinaldo foi entrevistado por ele e ouviu:

— Nós tivemos discordâncias, especialmente no período da Jovem Pan. Quero deixar registrado publicamente que as análises que ele tinha naquela conjuntura sobre a Lava Jato estavam absolutamente corretas (…) [Reinaldo] estava vendo questões lá na frente que eu não estava vendo. Eu estava entusiasmado até ingenuamente com o combate à corrupção. Queria deixar registrado que eu estava absolutamente equivocado (…) Reinaldo naquele momento apontou questões que muitos de nós só vimos meses ou anos depois.

Reinaldo, que entrevistou Lula com exclusividade por duas vezes em menos de dois anos – a primeira em abril de 2021 e a segunda em fevereiro –, também falou sobre suas mudanças: “Eu me dou o direito de mudar de ideia. Cobram de mim que eu tenha com o PT a mesma dureza que eu tive no passado. Se as circunstâncias se tornarem as mesmas, isso até pode acontecer. Mas tenho de considerar o momento que a gente vive hoje.”

A militância de esquerda, em sua maioria, ainda não engoliu os novos “companheiros”. Foram, realmente, anos de textos e comentários muito duros, ferozes e raivosos até. Hoje chamados de “vendidos” pela militância contrária, Reinaldo Azevedo e Marco Villa mostram que a política é a arte do possível até para quem a analisa.

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