“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações”
Nelson Cavaquinho, em Juízo Final

“Todo torcedor sabe que o Vila Nova é um time trágico”. A frase é do mais lírico dos vilanovenses, o professor, comunicador e crítico de cinema Lisandro Nogueira. Fazer um vídeo-desagravo e postá-lo nas redes sociais foi a forma que ele encontrou para desabafar após aquele que foi o mais doloroso “não acesso” do clube goiano à Série A: neste sábado, 25, seu time do coração só precisava de uma vitória simples contra o já rebaixado ABC, mas perdeu por 3 a 2.

O roteiro da tragédia anunciada acompanha os colorados há muitos anos. Na verdade, há décadas. Em 1997, quando a Série B ainda era disputada com um quadrangular em sua fase final, os torcedores lotaram o Serra Dourada em uma manhã de domingo. Se o time vencesse o América Mineiro, praticamente garantiria a chegada à elite do futebol brasileiro. Derrota de 2 a 0 diante de 50 mil testemunhas.

Dois anos depois, no mesmo formato, novamente o Tigrão chegaria à fase decisiva, liderado por Túlio Maravilha, que então se declarava vilanovense, após ter sido formado no arquirrival Goiás – um dos três adversários no quadrangular, ao lado de Santa Cruz e Bahia. Nos dois clássicos, duas derrotas por 1 a 0, mesmo jogando de igual para igual ou até melhor. Um jogo de compadres no Serra Dourada – quando o empate é um resultado bom para ambos – marcou o fim do campeonato entre Goiás e Santa Cruz, com um 0 a 0 vergonhoso, mas pragmático, já que subiram os dois.

Em 2008, o mesmo Túlio, já veterano, brilhava novamente com a camisa alvirrubra na Segundona. Ao mesmo tempo, era candidato a vereador em Goiânia. Já estava perto das eleições quando o Vila Nova teve um jogo decisivo contra o Paraná e o artilheiro perdeu um pênalti que faria diferença. O mesmo aconteceria rodadas depois, diante do Barueri, com Túlio já eleito.

Mas, de fato, nunca como agora o clube havia chegado na última rodada dependendo apenas de si mesmo para conseguir o inédito acesso à Série A. Essa oportunidade de ouro veio tendo do outro lado do campo o lanterna ABC de Natal, na capital potiguar. Teve torcedor que fez de tudo para ver in loco o time do coração alcançar o sonho: um vendeu o automóvel, outro pediu demissão do trabalho, um terceiro providenciou o fretamento de um avião de carreira em forma de rateio. Muitos foram de carro por 3 mil quilômetros de estrada, outros pagaram a viagem com as economias que lhes restavam. Tudo para estar presente no que seria o grande dia da história colorada.

Mas não foi assim. O futebol é uma atividade ilógica, ingrata e cínica. Rafael Donato, o capitão do time e um dos destaques da Série B deste ano, fez um gol contra ainda aos 13 minutos. Depois, aos 41, errou novamente e colaborou para mais um gol, de Thonny Anderson – que ainda faria mais um, de pênalti. Quando tudo estava mais difícil ou já praticamente acabado, quem fez os dois gols do Vila? Exatamente ele, o zagueiro Donato.

Se em Goiás, a rivalidade dividia os desejos, no resto do Brasil, quem acompanhava a rodada fazia figuinha pelo simpático time do Centro-Oeste que ainda não fora iniciado na 1ª divisão. O resultado final, o revés por 3 a 2, deixou um rastro de lágrimas também no Onésio Brasileiro Alvarenga, o velho OBA, estádio-casa do Vila, onde milhares de torcedores se aglomeraram no intuito de comemorar o acesso que não veio.

Foguetes que se ouviram após a partida eram disparados pelos rivais, que também emitiam, à guisa de zoação, o icônico e mundialmente conhecido grito de “Viiiiiiilaaaa!”.

O que fazer depois de tal baque? O que todo torcedor faz sempre quando a missão fracassa: recolher seus cacos e se remontar.

Se a perda das chances das vezes anteriores foi frustrante, a deste ano foi especialmente dramática. Não só pelo último episódio, mas porque, quando ninguém esperava, o Tigrão esteve no alto da tabela durante grande parte do início do campeonato; quando não se esperava, ele despencou na classificação; quando não mais se esperava, começou uma intrépida reação e chegou vivíssimo na reta de chegada; e, quando menos se esperava, o Vila tropeçou no último degrau.

O que fazer depois de tal baque? O que todo torcedor faz sempre quando a missão fracassa: recolher seus cacos e se remontar. Como ensina mestre Lisandro, no mesmo vídeo: “Nessas horas, a gente encaixa as perdas e segue em frente. Um poema de José Miguel Wisnik diz: ‘Surfar sobre a dor, até o fim. E, se meu mundo cair, que eu aprenda a levitar’. A realidade se impõe. Esta é a realidade. Diante da realidade, a gente assume, vê a perda e segue em frente. Vila Nova, para sempre e mais um dia.”

As derrotas, vistas dessa forma, são mais dignas, embora isso em nada se assemelhe a uma conformação. São 38 anos esperando a Série A e, no ano que vem, novamente o professor Lisandro, o cantor Thiago Brava, a torcedora-símbolo Nega Brechó e meus amigos Fabrício Rodrigues e Gerson Neto estarão no meio da multidão vermelha, prontos para novas emoções, tentando o final feliz.

É disso que se faz o futebol. Porque, como diz Nelson Cavaquinho, “o sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações”. No caminho iluminado, segue a turba festiva, porque não sabe quando, mas sabe que o dia da redenção vai chegar.

Em tempo: o Atlético Goianiense voltou à Série A depois de ficar um ano apenas na Segundona; e o Goiás está bem perto de cair depois de uma sequência de dois anos na elite.