A mídia tem como deixar Neymar e suas namoradas em paz? Talvez sim. Talvez não

25 junho 2023 às 00h00

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O cidadão Neymar da Silva Santos Júnior, nascido em Mogi das Cruzes, São Paulo, tem 31 anos e 1,75m. É um adulto e chegou à idade da razão, digamos.
Atacante do Paris Saint-Germain, clube francês, Neymar não é nenhum Leopold Bloom — o cidadão comum de um romance incomum, “Ulisses” (Objetiva, 888 páginas, tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro), do irlandês James Joyce, que certamente não tinha nenhuma paixão por futebol. O jogador paulista, homem do mundo, é um indivíduo incomum. Porque, artista da bola e mágico dos pés, é “galáctico”.

A vida de Neymar é (ou era), por assim dizer, o futebol. Aos 11 anos, depois de uma passagem pela Portuguesa Santista, chegou ao Santos, numa trajetória semelhante à de Pelé, o rei do esporte bretão.
Menino, entrando na adolescência, começou a brilhar no Santos — que, antevendo o nascimento de um novo Edson Arantes do Nascimento, o cercou de todos os cuidados. Aos 15 anos, Neymar já recebia mensalmente 10 mil reais.
Garoto, foi alçado ao time titular do Santos, tornando-se, de imediato, seu principal jogador. Além de jogar bonito, de mesmerizar as torcidas, inclusive as dos times adversários, Neymar fazia gols. Logo, era o melhor jogador do Brasil.

Em 2011, aos 19 anos, na pós-adolescência, se tornou pai do garoto Davi Lucca, hoje com 11 anos. Neymar presta-lhe toda a assistência, assim como à mãe, com a qual não tem relacionamento afetivo.
O mundo voltou os olhos — cobiçosos — para Neymar e os clubes europeus fizeram propostas irrecusáveis. Em 2013, acabou contratado pelo Barcelona, um dos melhores times da Espanha, ao lado do Real Madri, e da Europa.
No Barça, jogando ao lado do craque argentino Lionel Messi, brilhou e encantou as torcidas da terra de Cervantes e Javier Marías. Com muito dinheiro nas contas bancárias — é multimilionário —, jovem e bonito, Neymar deu seguimento à tradição do latin lover.

Namorador, adepto da boa vida — bebidas, festas, música etc. —, passou a ser considerado indisciplinado. Entretanto, em campo, jogava (e, quando quer, ainda joga) acima da média dos parças. No time da Catalunha só tinha um rival — Messi. Este foi mais longe porque, disciplinado, sempre esteve em forma e focado.
Messi é contido; Neymar, dionisíaco. Pode ser diferente? Talvez não. O jovem está aproveitando a vida, quer dizer, sua juventude — que, sendo uma só, passa, e rápido. Fica-se na torcida para que não encerre a carreira tão cedo e não se transforme num segundo Ronaldinho Gaúcho.
O novo quase-rei de Paris
Em 2017, o PSG, da terra de Virginie Despentes e Emmanuel Carrère (filhos rebeldes de Flaubert e Proust), conquistou o passe de Neymar. Pagando pelo atacante 220 milhões de euros. Uma fortuna das Arábias, diriam, quem sabe, os escritores egípcio Naguib Mahfouz e libanês Elias Khoury.

Paris se apaixonou por Neymar, assim como Hemingway havia se apaixonado, em tempos idos, por Paris. Entretanto, além da festa em campo, o brasileiro passou a apreciar aquela festa que é tida e havida como festa. Por vezes, em campo, se irrita com a torcida e com jogadores adversários e até companheiros de equipe, o que cria certa animosidade com os franceses.
Com salário mensal de 23 milhões de reais (55 milhões de dólares no ano), pago regiamente pelo PSG, Neymar não esconde que aprecia la dolce vita.
Com tanto dinheiro, podendo gastar à vontade — seu pai, Neymar da Silva Santos, aplica bem a fortuna do prodígio (ele entende de finanças, pois estudou a respeito) —, Neymar transformou sua vida numa festa permanente. Quem faria diferente? Ah, Messi. Mas, este, é um caso à parte. É um cidadão exemplar, mas talvez, como indivíduo, seja tão chato quanto a poesia concreta (os poetas concretistas, triste sina, ficarão na história da literatura patropi como críticos e tradutores; ah, Haroldo de Campos tem buenas cosas).

Neymar tem fome de viver. Quer viver. Porque sabe, de maneira intuitiva, que a velhice, como sugeriu Philip Roth no romance “Homem Comum” (Companhia das Letras, 136 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto), é um verdadeiro massacre. A juventude deve ser aproveitada enquanto é. Quando existe. Depois de certa idade, os melhores amigos do ser humano não são os cachorros e os gatos, e sim os médicos.
Ah, sim, é um atleta. Mas está realmente jogando mal para um homem que fará 32 anos em fevereiro de 2024? Não. Cobra-se muito, no futebol, daqueles que são craques. Os medianos ficam na sombra, protegidos pelo relativo anonimato. De Neymar, cobra-se em excesso (queremos que seja deus, mas ele quer ser apenas semideus). O que se quer dele é que seja um santo, como, oh desdita, Messi.
Mas um Neymar santo jogaria tão bem quanto joga o jovem que ama a vida, as belas mulheres? Talvez não. Lembro-me de Ganso, o ex-jogador do Santos que, com seu jeitão blasé, pôs a imprensa aos seus pés. Era (ou é) um santo, ou pelo menos um beato? Não se sabe. Ganso não virou pato, é certo, mas não confirmou o que a imprensa esperava de seus pés e cérebro.

O latin lover que escandaliza a mídia
Por que diabos estou falando de Neymar se deveria falar de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cecília Meirelles, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Adélia Prado (aquela que o governador de Minas Gerais, Romeu von Jeca Zema, não conhecia, e agora conhece, mas apenas de nome)?
Porque notei que, na semana passada, a imprensa patropi, inclusive a séria — como o venerável “O Globo”, com destaque na sua capa, na internet, às vezes com três manchetes no mesmo dia —, abriu espaço para falar, mais uma vez, dos romances de Neymar (o prazer do jogador diz alguma coisa sobre o desprazer de quem o critica?).
Os romances de Neymar são tratados como “escândalos”. Porque, se examinados como notícia “séria”, como debate sobre costumes — a respeito, por exemplo, do conservadorismo do jornalismo (mais moderno e aberto nas palavras do que nos atos) —, não rendem audiência.
Há, no momento, um “desespero” na imprensa patropi. A audiência caiu? Por quê? Não se sabe exatamente. Diz-se, à boca pequena, que as mudanças no algoritmo (ou algoritmos) exigem tempo para adaptação dos jornais e revistas às novas regras da “ditadura” do Google.

Comenta-se, nos bastidores, que o Google estaria retaliando a imprensa, que, ao pressionar contra a divulgação de fake news, estaria tentando reduzir sua força e, ao mesmo tempo, exigindo mais dinheiro, e não as migalhas atuais. Porque o Google, assim como as redes sociais — como Facebook, Twitter e Instagram (o leitor sabia que o “Insta”, somos íntimos, gera uma fofoca das boas, mas quase não rende acesso para os jornais? O acesso maior vem da entrada direta dos leitores nos sites e por intermédio do Google) —, absorve as publicações trabalhadas pela mídia séria, mas não paga praticamente nada pela quase pirataria.
Retomemos a meada do fio. Quase tudo que Neymar faz é notícia. Porque ele próprio se divulga nas redes sociais, até com certo profissionalismo. Mas também porque as pessoas que se relacionam com ele se encarregam de divulgar as imagens conectadas no Instagram e outras redes.
Neymar namorou a bela atriz Bruna Marquezine. Mas o amor-namoro não terminou em casamento tradicional. Foi eterno enquanto durou, diria Vinicius de Morais, o bardo que, por vezes, era músico e, até, cantor. E, claro, mui bueno compositor.

Atriz e jogador, por serem estrelas, eram divulgados em quase todos os lugares — jornais, revistas, blogs, portais, redes sociais etc. Até quem não queria — e não quer — saber sobre eles era, de alguma maneira, obrigado a se informar, tal o volume de “informações”. Sozinhos, eram famosos; juntos, estrelas de primeira grandeza. Quem não gosta de Sirius?
Se o amor pode ser perene para alguns, é provisório para muitos. Em “A Sonata a Kreutzer” (Editora 34, 120 páginas, tradução de Boris Schnaiderman), o escritor russo Liev Tolstói escreve: “Dizer que a gente vai amar uma pessoa a vida toda é como dizer que uma vela continuará a queimar enquanto vivermos”. É isto, como dizem os jovens, com sua linguagem tão concisa quanto visceral.
Agora, Neymar namora com a modelo Bruna Biancardi, de 29 anos, ainda não uma balzaca, mas beirando a idade da razão. Ela está grávida do craque. Parecem apaixonados. Ou pelo menos vivamente interessados um no outro.
Porém, Neymar não resiste à diversidade da beleza feminina e, recentemente, teve um caso, dos mais rápidos, com a coach Fernanda Campos. Bonita e hábil com as palavras, a influenciadora digital contou a história do affair (alegou, inclusive, que o quase-parisiense teria tentado cassar sua palavra, e talvez seja verdade), e o jogador teve de admitir a traição.
Por que se condena tanto a infidelidade masculina e, sobretudo, feminina? Porque, mesmo modernos, vivemos de acordo com modelos tradicionais de relacionamento. Entretanto, por vezes, dizemos uma coisa e fazemos outra bem diferente. O conservadorismo comportamental do brasileiro talvez seja mais forma do que conteúdo.
Fica-se com a impressão — e pode ser apenas impressão — que a imprensa está mais incomodada com a infidelidade de Neymar do que sua própria namorada, Bruna Biancardi. Os dois formam um casal, estão sempre juntos, mas não são casados, e isto, por certo, também escandaliza os puristas. Pode até ser uma nova espécie de casamento, mas não é nada convencional.
Há algum tempo, houve um escândalo na vida de Neymar, mas que acabou, em tese, resolvido. Ajustaram alguma coisa. Oxalá a mídia deixe Neymar namorar em paz. Ah, não há como, pois ele está sempre se divulgando e os que estão com ele se divulgam ainda mais. Pois é: este é o admirável mundo novo. E não há outro.
Mas os que admiram o jogador Neymar, aquele que brilha em campo, torcem, como torcedores mesmo, para que não se transforme num novo Robinho, aquele que a Itália quer a extradição sob acusação de que estuprou uma jovem.