O leitor Paulo Fernandes envia uma pergunta — “Até quando a imprensa vai suspender o senso crítico em relação ao presidente eleito Lula da Silva”? — e cobra uma resposta.

A pergunta é, de fato, pertinente. Dado o governo errático do presidente Jair Bolsonaro (PL), à sua falta de humanismo e excesso de espírito golpista — mantendo as instituições, como o Supremo Tribunal Federal, sob tensão —, parte significativa da Imprensa aderiu a Lula da Silva, do PT, antes e durante a campanha eleitoral.

Não se tratava nem de eleger Lula da Silva, e sim de arrancar Bolsonaro do poder. Retirado o líder da direita da Presidência da República, o que deve significar o fim das ameaças golpistas, qual será a nova missão da Imprensa?

A rigor, não se poder sugerir que toda a Imprensa suspendeu o senso crítico. Jornais e revistas têm criticado Lula da Silva por sua adesão quase irrestrita a algumas teses caras ao Centrão — e não apenas a esta federação informal de partidos — e, ecoando o chamado mercado, apontado que uma possível gastança desmedida pode paralisar o governo e, também, o país.

Observe-se que o afrouxamento na Lei das Estatais (a quarentena para ocupar cargos passa de três anos para um mês e abre-se a possibilidade de se gastar mais dinheiro público com publicidade), que conta com o apoio do PT de Lula, tem sido criticado pela imprensa.

Pintura de Igor Morski

De qualquer forma, apesar das críticas, permanece um clima de lua de mel entre Lula da Silva e a Imprensa. O motivo é simples: o petista ainda não assumiu o governo e o que há até agora, obviamente, são cartas de intenções. Porque muito do que se está dizendo, no momento, terá de ser adaptado ante a crueza da realidade. Dependendo do quadro econômico (interno e externo), que não é nada positivo, o desenvolvimentista Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, se tornará, pelo menos por algum tempo, monetarista.

Lula da Silva tem 77 anos e terminará o governo com 81. Por certo, este será seu último governo. Sendo assim, o petista, porque quer seu nome na história como um grande realizador, aquele que ajustou o país, pacificando-o, e reduziu a pobreza, que está em ascensão de novo, vai “gastar”, e muito. Seu governo não será, portanto, de cortes de gastos, e sim de investimentos.

A escolha de Fernando Haddad, que estava em baixa por ter perdido o governo de São Paulo, é instrutiva, mas não é percebida com a devida nitidez pela imprensa patropi. O economista foi escolhido porque, na prática, o ministro da Fazenda não será ele, e sim Lula da Silva. Henrique Meirelles, se assumisse o cargo, dada sua personalidade forte e estatura internacional, poderia contestar o presidente e uma provável demissão abalaria o mercado (espécie de deus meio visível e meio invisível).

Não se pode exceder e sugerir que Fernando Haddad será praticamente o chefe de gabinete do real ministro da Fazenda, Lula da Silva. Mas não há dúvida de que foi escolhido para ser mero operador da gastança planejada pelo presidente petista.

Pintura de Wolfgang Lettl

Voltando ao leitor Paulo Fernandes, que se apresenta como de “centro-direita não ortodoxo” — vá lá saber o que é isto —, acrescentaria que não há governos e vidas perfeitos. Então, a partir de certo momento, talvez do terceiro ou sexto mês, o governo de Lula da Silva será criticado com mais acidez e um certo mau humor. Jornalistas parecem avaliar que são “melhores” — talvez benquistos pelos leitores — quanto mais mal-humorados.

No Brasil, às vezes a imprensa quer ser o sorriso do poder e a cárie da sociedade. É possível que, passada a lua de mel — uma maneira de dizer “adeus” a Bolsonaro —, a Imprensa volte a ser o sorriso da sociedade e a cárie do poder. Porém, é bem possível que, nos próximos quatro anos, dada a “presença” do “fantasma” Bolsonaro — a possibilidade de uma volta em 2026 —, a Imprensa seja mais cautelosa com Lula da Silva. Se ajudar a piorar a imagem de seu governo pode colaborar para o retorno daquele que os bem-pensantes da esquerda, do centro e da centro-direita não querem: o Capitão-Mito.

Ser mais cautelosa não significa o mesmo que “acrítica”. A Imprensa será crítica, com certeza, mas não tanto quanto foi em relação a Bolsonaro.