Confira sugestão de 34 livros pra presentear os pais não apenas no Dia dos Pais

05 agosto 2023 às 06h54

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*Matéria originalmente publicada em 06 agosto 2016
Listas são sempre provisórias, substituíveis, incompletas e idiossincráticas. E, claro, são feitas para serem contestadas, refutadas e ampliadas. Leitores costumam dizer: “Falta acrescentar a obra ‘x’” ou “é absurdo ignorar a obra ‘y’”. Estão cobertos de razão. Relacionar livros, ainda mais “só” 34, é uma forma de provocar polêmica. Minha escolha, desta vez, menciona mais livros publicados recentemente e alguns que, embora importantes, não figuram nos cânones oficiais — caso da prosa de William Kennedy (autor de excelentes romances do chamado ciclo de Albany) e Elizabeth Bowden (deixei de lado William Trevor, irlandês do balacobaco). Por favor: não dê “Harry Potter” para seus pais. Pais, sabem os bons filhos, não são recicladores de lixo. Se quer presenteá-los com literatura infantil ou infanto-juvenil, então optem por Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga e José Lins do Rego (que adoro). Mark Twain permanece moderníssimo.
Histórias Secretas — Os Bastidores dos 40 Anos de Playboy no Brasil — vários autores
A censura impediu que a “Playboy” nascesse com este título, então a Editora Abril optou por “Revista do Homem”, em 1975. Em 1978, em tempos mais abertos, passou a ser “Playboy”. Chegou a vender, com a capa da “Feiticeira”, Joana Prado, 1,25 milhão de exemplares. Mas uma publicação como “Playboy” não conta tudo em suas páginas. O livro resgata histórias interessantes contadas por Carlos Costa, Carlos Maranhão, Edson Aran, Humberto Werneck, J. R. Duran, Marcos Emílio Gomes, Nirlando Beirão, Ricardo Setti, Ruy Castro, Thales Guaracy, entre outros. Panda Books, 255 páginas.
Hotel Florida — Verdade, Amor e Morte na Guerra Civil Espanhola — Amanda Vaill
Trata-se da Guerra Civil Espanhola contada a partir de como atuaram três casais da área jornalística: Hemingway e Martha Gellhorn, Robert Capa e Gerda Taro, e Arturo Barea e Ilsa Kulcsar. A batalha na terra de Cervantes “tornou-se uma espécie de ponto de ignição histórica”, mas o livro “não é”, sustenta a autora, “uma história da” luta. Ao contrário do que diz Amanda Vaill, é. Não é, porém, uma história tradicional. É uma grande e bela narrativa. Além dos seis personagens citados, outros grandes nomes são mencionados, como os decentes John Dos Passos e George Orwell. Objetiva, 493 páginas, tradução de Ivo Korytowski.
Entre a Lagoa e o Mar —Reminiscências Fernando Pedreira
Fernando Pedreira, ex-diretor de redação do “Estadão” e um de seus principais articulistas, chama suas memórias de “reminiscências”. Na verdade, são memórias mesmo. Sobretudo, além das grandes histórias que conta — até as micros histórias familiares são interessantes —, o texto é delicioso, lembrando tanto o francês Proust quanto o brasileiro Pedro Nava. Entremeando histórias de sua família com as do país, do jornalismo e da política, o jornalista mostra-se um escritor de primeira linha. “O Estado de S. Paulo” fez uma resenha anódina. Entendi o motivo ao ler o livro: Ruy Mesquita, um dos condestáveis do jornal, não é muito bem apresentado. É uma obra de imaginação de um repórter atento aos fatos. Imperdível até nas idiossincrasias. Detalhe: o goiano Domingos Velasco foi companheiro de jornadas políticas do pai do jornalista. Bem-Te-Vi, 409 páginas.
Por Dentro da Casa Branca As Histórias Privadas da Residência Mais Famosa do Mundo — Kate Andersen Brower
O maior adversário de Trump não é Hillary Clinton — é um pato, sim, o Donald. Mas, se não trata do “pato”, o livro conta as histórias não oficiais de como se vive na Casa Branca. Pura bisbilhotice? Por vezes, sim. No geral, as histórias são de interesse geral. A jornalista entrevistou quem trabalha com e para os presidentes. O resultado é mais humano do que sensacionalista (e nós sabemos que certo sensacionalismo é o sal da vida). Há glamour, e a obra não o destrói, mas há também crises devastadoras, inclusive no plano pessoal. Ao saber do caso de Bill Clinton com Monica Levinsky, Hillary saiu do sério (embora o ex-presidente bonitão seja um mulherengo inveterado). Planeta, 335 páginas, tradução de Marcelo Levy.
Fascismo de Esquerda: A História Secreta do Esquerdismo Americano” — Jonah Goldberg
O leitor brasileiro de esquerda ou de centro-esquerda por certo acredita que o republicano cada vez mais “putativo” Donald Trump é a desgraça da Humanidade, ou ao menos dos Estados Unidos, e Hillary Clinton é a embaixadora de Deus na Terra ou, ao menos, nos Estados Unidos. Pois Jonah Goldberg, editor da “National Review” e ex-redator da “New Yorker”, apresenta nuances raramente vistas nos tristes trópicos (a Globo News só falta pedir ao papa Francisco para canonizar a durona mulher de Bill Clinton). O autor assinala: “Ela é uma figura representativa, o membro mais importante de uma coorte generacional [seria geracional?] de liberais de elite que (inconscientemente, é claro) trouxeram temas fascistas para o liberalismo predominante. Especificamente, ela e sua coorte incorporam o lado maternal do fascismo — e essa é uma das razões de ele não ser reconhecido como tal. (…) Hillary e seus amigos” são “os mais importantes proponentes e exemplares do fascismo liberal de nosso tempo”. Para saber mais, só lendo o livro. Então, mãos à obra, se a cortina das ilusões deixar. Record, 545 páginas, tradução de Maria Lucia de Oliveira.
Os Cantos de Maldoror — Lautréamont
Ninguém fez tanto pela obra de Lautréamont (o uruguaio Isidore Ducasse, 1846-1870) no Brasil quando o poeta Claudio Willer, que traduziu e explicou sua obra e vida com rara excelência (vide “Os Cantos de Maldoror”, Iluminuras, 352 páginas). Trata-se de um trabalho, amoroso e competente, incontornável. Ruy Câmara é autor do livro “Cantos de Outono — Romance da Vida de Lautréamont” (Record, 400 páginas). Vale ler a tradução de Joaquim Brasil Fontes. No prefácio, um ensaio, Raul Antelo anota: “Cortázar é, em muitos pontos, herdeiro efetivo de Lautréamont, como quando, em seu conto ‘O outro céu”, o céu do outro mundo, ou mesmo em ‘O Jogo da Amarelinha’, faz bascular o mundo do cá e o mundo do lá”. Vale uma zapeada, de preferência lendo as duas traduções. Unicamp, 323 páginas.
A Morte no Coração — Elizabeth Bowen
A irlandesa Elizabeth Bowen é uma escritora notável, mas tem rivais (verdadeiros muros de Berlim), se se pode dizer assim, de primeira linha, como George Eliot, Virginia Woolf, Iris Murdoch, Muriel Spark e Edna O’Brien. Resulta que é pouca conhecida no Brasil. Vale a pena ler uma prosadora (também crítica) de qualidade, mas ignorada pelos cânones. “A Morte do Coração” é um romance notável (a edição é portuguesa; no Brasil, há o romance “Eva Trout”). Conta a história da jovem Portia Quayle, e sua inadequação à vida, ou à hipocrisia da vida em sociedade. Trecho: “As ilusões são uma forma de arte e é a arte que nos faz viver. Afinal, é à emoção que nós guardamos fidelidade; é assim que conseguimos recriá-la noutro lugar”. Era admirada por la Woolf. Livros do Brasil, 371 páginas, tradução de Isabel Braga.
Audie Murphy — De Soldado Norte-Americano Mais Condecorado na Segunda Guerra a Astro de Hollywood — David A. Smith
Leitores apaixonados pela história da Segunda Guerra Mundial e pelo cinema vão esbaldar-se com esta biografia do soldado e ator Audie Murphy. Militar notável, voltou dos campos de batalha arrasado, com “‘transtorno de estresse pós-traumático’, do qual sofria de modo devastador”. O “distúrbio o afetaria pelo resto da vida” (viveu apenas 45 anos). O historiador Max Hastings disse que o herói de guerra era “uma confusão psicológica de dimensões épicas”. Mesmo em crise, conquistou o mundo do cinema com extrema rapidez. Tornou-se uma “celebridade instantânea” e fez vários filmes, muitos de faroeste. Grua, 221 páginas, tradução de Adriana de Oliveira.
Tu És Pedro — Uma Biografia de Pedro Ludovico Teixeira — Hélio Rocha
O jornalista Hélio Rocha lança as bases, quem sabe, para uma biografia exaustiva do político Pedro Ludovico, que, quando interventor em Goiás, fundou Goiânia — a cidade que, mais tarde, serviu, guardadas as proporções, de modelo para Brasília — e modernizou o Estado. Bem escrito e pesquisado, o livro apresenta os dados básicos e interpretações pertinentes sobre o maior político da história do Estado. É precisa e não é laudatória. Kelps, 571 páginas.
Lava Jato — O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação Que Abalou o Brasil — Vladimir Netto
De cara, digo logo: é, disparado, o melhor livro sobre a Operação Lava Jato — os demais são perfumes do Paraguai, o maior Estado “chinês” da América Latina. O leitor dirá, como eu, ao iniciar a leitura: “Orra, meu! Se a Lava Jato não foi concluída, como é que um repórter pode pretender apresentar um livro praticamente ‘conclusivo’?” Mas não: o autor não pretende apresentar a versão definitiva, porque, de fato, não é possível — a Lava Jato, como os romances de Joseph Conrad, vai de vento em popa (seria na popa?). Mas o que Vladimir Netto mostra, com fartura de dados, é que, ao contrário do pessimismo geral (cansado do juveniilismo, tornei-me um velhiceticista), a operação, mesmo não concluída, já deu certo. Há condenados, há presos e alguns dos criminosos devolveram milhões ao Erário. Caso raríssimo. Record, 383 páginas.
Ironweed — William Kennedy
William Kennedy, que deveria ser nobelizável, é autor de uma série de romances excepcionais — o chamado “ciclo de Albany”. Os livros podem ser lidos de maneira independente, mas ganha o leitor que puder ler a sequência de romances, que começou como trilogia e se tornou ciclo. O autor inspira-se em Faulkner para levar personagens de um para outros romances, desenvolvendo os personagens que às vezes são apenas enunciados numa das obras. “Ironweed” (a tradução da Francisco Alves prefere “Vernônia”) é inescapável, até porque rendeu um Pulitzer ao autor e, adaptado por Hector Babenco, tornou-se um filme de sucesso, com Meryl Steep e Jack Nicholson. Na contracapa, o escritor Marçal Aquino comete um erro: “Ironweed” não é o segundo romance do ciclo de Albany — é o terceiro. Os primeiros são “A Lenda de Legs” e “O Grande Jogo de Billy Phelan”. Saul Bellow era o principal “avalista” de sua literatura, também admirada por Harold Bloom e Jonathan Franzen. Cosac Naify, 268 páginas, tradução (precisa) de Sergio Flakman.
A Guerra Não Tem Rosto de Mulher — Svetlana Aleksiévitch
A ucraniana (que se considera bielorrussa) Svetlana Aleksiévitch é um fenômeno (ia escrevendo “raro”, mas talvez seja redundante). Faz jornalismo como se fosse escritora, narra histórias como os grandes historiadores franceses (George Duby e Jacques le Goff). O que faz é o seguinte: colhe histórias do povo, dando escassa atenção às vozes das autoridades, e publica-as em capítulos. São histórias orais matizadas pela qualidade literária e jornalística da autora. A guerra é, em larga medida, uma atividade masculina — daí ignorar-se a participação das mulheres. No caso da União Soviética, as mulheres participaram ativamente — e sofreram muito, de várias formas. É o que mostra a obra de Svetlana, pela voz das próprias mulheres. Mas não se trata de obra feminista, esclareça-se logo e de uma vez. Companhia das Letras, 390 páginas, tradução de Cecília Rosas.
Vidas, Lutas e Sonhos — Tarzan de Castro
Com quase 80 anos, Tarzan de Castro é um homem de extrema lucidez. Ao escrever suas memórias, dos tempos em que era comunista, poderia ter apresentado uma interpretação ufanista ou ajustes de contas triunfalistas com a história e ex-aliados. Pelo contrário, escreveu um livro sereno e, sim, divertido. Não renega suas lutas e as de seus companheiros, mas não é um contador de “vantagens” e tampouco avalia que a compreensão da história da esquerda, entre as décadas de 1960 e 1970, era precisa — o caminho e a fé. É um balanço crítico, mas não de renegado. Tudo indica que ainda parece acreditar em socialismo, desde que democrático, o que, a certos ouvidos — ao meu, por exemplo — soa como uma contradição. Socialismo e democracia são incompatíveis, entendendo-se que a socialdemocracia, que seria uma experiência próxima do tal “socialismo democrático”, é vista como uma experiência capitalista (um contraponto do capitalismo ao socialismo, por assim dizer). Kelps, 357 páginas.
A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil — Tiago Cordeiro
O papa argentino Francisco, muito mais notável que Messi e Maradona juntos, é jesuíta, uma das ordens católicas mais disciplinadas (e educadoras), de uma racionalidade impressionante para religiosos (a religião não é necessariamente avessa à razão). O livro (que não trata do atual papa), vazado numa linguagem simples, com certo brilho, relata como atuaram os jesuítas no Brasil — de maneira meritória, por vezes. Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e o gigante Antônio Vieira são alguns dos jesuítas mapeados pela obra, que merecia ser um pouco mais espichada e detalhada. Planeta, 239 páginas.
Uma Visita Guiada ao Ulysses de James Joyce — Caetano Galindo
A prosa de James Joyce é para profissionais? Sua literatura é mesmo complexa, mas pode ser lida e entendida, sobretudo se o leitor buscar guias seguros, como Richard Ellmann (autor de uma biografia extraordinária do irlandês), Anthony Burgess e, mais recentemente, Caetano W. Galindo. Este, mais do que um tradutor consagrado da prosa enviesada (os bons escritores raramente são muito claros, mesmo quando precisos) do autor de “Ulysses”, é excelente explicador de suas complicações, que, analisadas de maneira didática (sem a chatice do didatismo), se não tornam ainda mais luminosas. Engana-se quem pensa que, para entender Joyce, é preciso simplificá-lo ou banalizá-lo. Caetano Galindo torna-o mais simples, compreensível, sem deixar de anotar sua complexidade. Companhia das Letras, 375 páginas.
O Irlandês — Os Crimes de Frank Sheeran — Charles Brandt
Há livros muito bons sobre a máfia. O de Charles Brandt é um deles e, por isso, se tornará filme de Martin Scorsese, com Robert de Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel — sem dúvida, um quinteto de primeira linha. A obra conta a história de Frank “O Irlandês” Sheeran, implacável pistoleiro da máfia, e Jimmy Hoffa. Sheeran e Hoffa eram amigos, mas, instigado pelo poderoso chefão Russell “McGee” Bufalino, o pistoleiro participou da conspiração para matar o líder dos caminhoneiros. O sindicalista começou a dizer que “iria varrer a Máfia do sindicato”. Mas “foi o próprio Jimmy quem trouxe a assim chamada Máfia para o sindicato, franqueando-lhe acesso ao fundo de pensão”. Seoman, 310 páginas, tradução de Drago.
Humilhado — Como a Era da Internet Mudou o Julgamento Público — Jon Ronson
As redes sociais são excelentes meios de comunicação. As pessoas podem tanto obter quanto produzir informações. Muitos problemas são resolvidos — ou ao menos discutidos — a partir de discussões do Facebook e do Twitter. Mas há um problema que as redes, ambiente anárquico, dificilmente vão resolver, porque os indivíduos estão no comando, libertados de tudo ou quase tudo: o chamado bullying digital. As redes são livres e, portanto, as pessoas podem dizer o que querem e por isso algumas começam a ser penalizadas judicialmente. Jon Ronson mostra como é fácil destruir a reputação e a vida de pessoas e como é difícil restaurar a imagem daquelas que foram destroçadas. Best Seller, 304 páginas, tradução de Mariana Kohnert.
Tenentes — A Guerra Civil Brasileira — Pedro Dória
Pedro Dória é um jornalista que escreve sobre a história brasileira sem fazer gracinhas e sem a sisudez de certos pesquisadores. É um narrador (um autêntico prosador) dos melhores. Os tenentes começaram suas guerras antes de 1930, mas chegaram ao poder com Getúlio Vargas, com a Revolução de 30. Depois, voltando da guerra e aliando-se aos que ficaram no Brasil, derrubaram o ditador-chefe do Estado Novo. O sucessor de Vargas foi o general Eurico Gaspar Dutra, paradoxalmente apoiado pelo Velho gaúcho. Em seguida, os tenentes (ou parte deles) — o tenentismo —, açulados em parte pela vivandeira Carlos Lacerda, atacaram Juscelino Kubitschek e ficaram satisfeitos ma non tropo com o “uísquezofrênico” Jânio Quadros. Em 1964, derrubaram o novo Vargas, João Goulart, e finalmente chegaram ao poder para deixá-lo 21 anos. Record, 252 páginas.
Trópicos Utópicos — Uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória — Eduardo Giannetti
Para compreender o Brasil, país mais complexo do que parece, é preciso ler “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Júnior, “Formação Econômica do Brasil”, de Celso Furtado, “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, e “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro. São bíblias incontornáveis — o que não quer dizer que contêm a verdade totalizante sobre o país. O mais recente livro do economista-filósofo Eduardo Giannetti, embora menos pretensioso do que os demais, inscreve-se entre as obras que pensam o Brasil. Uma de suas conclusões é: o país deu mais certo do que errado. O que não é o mesmo que dizer que deu inteiramente certo (algum país deu?). Companhia das Letras, 216 páginas.
A Detração — Breve Ensaio Sobre o Maldizer — Leandro Karnal
Falar mal é, possivelmente, a maior arte humana, se arte é. Falar mal de maneira orgânica, articulada, é uma arte, por vezes, refinada. O professor de história da Unicamp escreve um opúsculo interessantíssimo, diria Mário de Andrade, no qual diz que “a detração não é, necessariamente, uma mentira. Pode ser verdadeira ou falsa. O que marca a detração é a intenção de atacar, de diminuir, de jogar lama no alvo do meu veneno. (…) Falar e ouvir o mal é uma delícia; desde que não sejamos o alvo. Essa é a espécie à qual pertencemos”. Unisinos, 102 páginas.
A Baronesa do Jazz — A Vida de Nica, a Rothschild Rebelde — Hannah Rothschild
Nica Rothschild deixou a família bilionária — marido e filhos (na verdade, não os abandonou) — para se tornar uma filantropa do jazz. “Um dia, em 1951, sem aviso, ela abriu mão de tudo e foi morar para Nova Iorque [mantenho o texto da edição portuguesa, a que tenho em mãos], trocando os amigos de classe alta por um grupo de brilhantes músicos negros itinerantes”. A música “Round Midnight”, de Thelonious Monk, despertou-a para o jazz. No mundo do jazz, era conhecida, mas sua história só se tornou pública, de maneira ampla, com o livro de sua parente Hannah Rothschild. Objetiva, 264 páginas.

Duplo Autorretrato Com Espelho — Kathleen McCracken
A poesia da canadense Kathleen McCracken ganhou uma bela edição bilíngue no Brasil, com organização de Beatriz Kopschitz Bastos e tradução precisa de José Roberto O’Shea. Leia o poema “O coração do meu pai”: “Ele não estava lá quando eu nasci/eu não estava lá quando ele morreu//a nossa dupla de retardatários/nas nossas entradas e saídas.//Assim foi mas quando se trata/de papéis falados//chamadas de longa distância, conversas/no escuro das sequoias//improvisos inventados em cima da hora/raramente errávamos o alvo//nossos idiomas diferentes/enquadrados em equivalência://kokoro, corazon/coração dos corações.//Eu tenho um pássaro dentro do peito/para combinar com o animal arrítmico dele/criatura-flauta de asa selvagem/flutuando num voo elétrico//o mesmo pássaro descendeu/falou e pousou//no instante da minha chegada/na hora da partida dele”. Ex Machina, 207 páginas.
Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos — A Vida de Philip K. Dick — Emanuel Carrère
Pode-se dizer que, com Philip K. Dick, a ficção científica ficou mais, digamos, moderna e arejada. Menos técnica e mais estranha e espantosamente humana. Não à toa o cinema o descobriu e o filme “Blade Runner” contribuiu para consagrá-lo e torná-lo objeto de devoção. Sua vida conturbada e complexa ganhou duas biografias, igualmente de qualidade. “A Vida de Philip K. Dick — O Homem Que Lembrava o Futuro” (Seoman, 272 páginas, tradução de Ludimila Hashimoto), de Anthony Peake, é mais tradicional. O escritor francês Emanuel Carrère é autor de um texto mais ficcionalizado, mas, ainda assim, preciso. Aleph, 357 páginas, tradução de Daniel Lühmann.
A Ditadura Acabada — Elio Gaspari
Leitores que se interessam pela história recente do Brasil não podem passar ao largo do livro de Elio Gaspari. Depois de vasculhar os primeiros governos militares, até o de Ernesto Geisel, o jornalista examina a gestão conturbada e, até, avacalhada de João Figueiredo. Porém, mesmo aos trancos e barrancos, o general contribuiu para a manutenção do projeto da Abertura formulado por Geisel e Golbery do Couto e Silva. É seu grande mérito. Mas, em termos econômicos, seu governo foi um fracasso. Um dado curioso apresentado por Gaspari, a partir de uma pesquisa de um autor americano: homens da ditadura ocuparam os principais postos do governo de José Sarney. Pode ser impressão, mas o livro parece menos “escravo” dos arquivos de Golbery. Intrínseca, 448 páginas.
F de Falcão — Helen MacDonald
Quando o pai morre (“Soube que meu pai tinha morrido. Eu estava no chão. Minhas pernas cederam, dobraram”), a escritora britânica Helen MacDonald, deprimida, torna-se, num primeiro momento, improdutiva. A falcoaria, atividade que sempre a empolgou, salva-o, sobretudo o novo falcão que adquire, Mabel. O livro não é um romance, mas é escrito quase como se fosse, numa prosa fluente. À primeira vista, como sugere o título e sobretudo o início da história, é a uma obra detalhada sobre falcões, como o “maravilhoso” açor. É sobre isto, claro. É sobretudo sobre a vida, sobre sua complexidade, que inclui a dificuldade do luto. Mas o que prende os leitores é a ótima escrita da autora. A história é envolvente e, de repente, toma conta do leitor. Intrínseca, 285 páginas, tradução de Maria Carmelita Dias.
Cachorros de Palha — Reflexões Sobre Humanos e Outros Animais — John Gray
O filósofo John Gray desagrada a esquerda e a direita com seu pensamento corrosivo sobre determinados temas. Como se sabe, todos os homens, inclusive os religiosos, mataram Deus e se tornaram deuses na Terra, submetendo, e por vezes matando, todos os demais animais. “A destruição do mundo natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da ‘civilização ocidental’ ou de quaisquer falhas em instituições humanas. É a consequência do sucesso evolucionário de um primata excepcionalmente rapace. Ao longo de toda a história e pré-história, o avanço humano coincidiu com a devastação ecológica. (…) ‘Humanidade’ não existe. Existem apenas humanos, impulsionados por necessidades e ilusões conflitivas e sujeitos a todo tipo de condições debilitantes da vontade e do julgamento”. Os que adoram cachorros, gatos e outros animais, para além do humano, encontram subsídios fartos para suas lutas neste belo e percuciente livro. Record, 255 páginas, tradução de Maria Lucia de Oliveira.
A Sexta Extinção — Uma História Não Natural — Elizabeth Kolbert
O subtítulo do livro diz tudo: a sexta extinção não é um fenômeno natural. Não tem a ver com mudança climática, com aquecimento global. Nada disso. O que Elizabeth Kolbert (ganhou o Pulitzer de 2015 pela obra) mostra é que o elemento que está provocando a sexta extinção, num passo acelerado, é um animal que anda sobre duas pernas, fala e arrota que é o único que produz cultura. É o Deus dos outros animais e, por isso, está contribuindo, de maneira direta ou indireta, para extinguir muitos deles. A pesquisa da colaboradora da “New Yorker” é extraordinária e nos deixa muito mal. Nós somos mortíferos. Matamos. Matamos. Matamos. Por ou sem necessidade. Desta lista, arrisco a dizer que é um dos imperdíveis. Intrínseca, 334 páginas, tradução de Mauro Pinheiro.
De Tlatelolco a Ayotzinapa — Las Violencias del Estado — Sergio Aguayo
Sergio Aguayo escreveu um livro que, por vezes, parece que conta a história do Brasil. O professor de Harvard diz que “os presidente mexicanos não têm se preocupado em entender a história e a lógica do crime organizado”. São mais reativos do que proativos e “têm sido indiferentes ao custo humano” da violência. O crime organizado, sublinha, constituiu um Estado paralelo, que desafia e pauta o Estado oficial. O que a sociedade precisa fazer? Nada de constituir milícias. “À sociedade compete organizar-se para exigir que o Estado recupere o controle perdido sobre o uso da força e a submeta à legalidade. Ninguém nos presenteará com a legalidade perdida. Temos de reconquistá-la”, afirma. As tragédias só podem ser evitadas se são bem compreendidas. A obra pode ser adquirida no site da Amazon. Ediciones Proceso, 197 páginas.
101 Brasileiros que Fizeram História — Jorge Caldeira
Listas, mesmo quando muito bem elaboradas, provocam celeumas sem fim. O livro do jornalista e doutor em história Jorge Caldeira é ótimo. As informações de sua lista são seguras, sintéticas mas de qualidade. Mas leitores, especializados ou não, sempre vão questionar por que determinadas personalidades são mencionadas e outras, tão ou mais importantes, foram ignoradas. Por que lembrar Caetano Veloso e esquecer Chico Buarque e João Gilberto? Por que ignorar Graciliano Ramos e Elis Regina? A história da carioca Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) é impressionante. No século 19, muda-se para a Europa e se torna uma grande investidora na bolsa. “Dizem que foi a primeira mulher a entrar no recinto da Bolsa de Valores de Paris.” Foi a grande paixão de Joaquim Nabuco, que parece ter ficado assustado com sua independência (ela quis sustentar sua carreira). Morreu em 1930, deixando “uma grande fortuna”. Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, ganha uma página circunstanciada. Goiás é mencionado na sua micro biografia. Estação Brasil, 231 páginas.

Poesia — José Godoy Garcia
É exagero sugerir que o poeta José Godoy Garcia ser redescoberto ou até descoberto. Porque ele sempre foi lido, até muito lido. Há uma tendência a interpretá-lo mais como poeta engajado. Mas sua poesia vai além disso e é de uma beleza rara e, embora tenha certa unidade, múltipla. Transcrevo o poema “A água voa num barco chamado céu”: “A história da água é a alegria que está no bico/do beija-flor. A mesma história que está nos seios./Toda água é uma lenda que viveu nos caminhos/e quando a mulher tem no seu corpo os seios/nascendo, é a lenda do céu e da terra nascendo no corpo/e é o ninho da fêmea brotando e dizendo que a vida/é a doce mãezinha água e é o ninho das fêmeas/e a bondade do céu que fica mudo com a cópula./Deus fez tudo isto, o ventre, os ninhos, o olho d’água,/o sapo, o céu, os machos, as fêmeas, para a cópula.” O poeta Salomão Sousa faz uma apreciação precisa de sua poesia. Thesaurus, 399 páginas.

Uma Poética de Romance — Matéria de Carpintaria — Autran Dourado
Escritores e críticos literários, jovens e maduros, podem aprender muito com o livro do mineiro Autran Dourado, um mestre da categoria de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Pode-se aprender, aqui e ali, tanto como elaborar um romance quanto criticá-lo com percuciência. As orientações, se se pode dizer assim, são técnicas, mas conduzidas por uma grande voz literária. “É duro e impiedoso dizer, mas o escritor às vezes, se ele está centrado no seu sonho e missão, tem que ser fechado e egocêntrico, senão egoísta.” Aí quem reclama? A família e, até, jornalistas-entrevistadores. “Como mestres, julgadores e preceptores de romancistas e poetas é que não podemos aceitar a sua tutela. Nada há de mais perigoso do que o escritor escrever para professores, teóricos ou críticos e jornalistas.” Os críticos literários são importantes? O autor dos excelentes “O Risco do Bordado” e “Uma Vida em Segredo” sugere: “As coisas mais importantes, para os criadores, sobre romances, foram ditas por romancistas, e as coisas mais importantes sobre poesia foram ditas por poetas”. Entre os criadores-críticos, arrola: Henry James, Joseph Conrad, Ezra Pound, Forster, Gertrude Stein, Thomas Wolfe, Edgar Allan Poe, Flaubert, Proust, Hermann Broch e Thomas Mann. Alguns deles, iluminando a própria obra, examinam a literatura universal. Rocco, 238 páginas.

A Era da Ambição — Em Busca da Riqueza, da Verdade e da Fé na Nova China — Evan Osnos
A China é os Estados Unidos da periferia, mas, claro, representa a segunda economia mais poderosa do mundo. O comunismo travou o crescimento de vários países, como a União Soviética, extinta, e Cuba. Na China, durante anos, ocorreu o mesmo, e com uma repressão brutal. O regime genocida de Mao Tsé-tung teria matado 100 milhões de pessoas. Entretanto, ao contrário da URSS, que só percebeu o buraco cinza do comunismo com Mikhail Gorbachev, os chineses, por intermédio de Deng Xiaoping e seus aliados (quase eurocomunistas asiáticos), perceberam que só uma coisa poderia salvar o comunismo de sua natural incapacidade de gerir a economia com eficiência: o capitalismo. Adotando uma espécie de comunismo na política e de capitalismo na economia, a China reinventou-se e, em termos de crescimento (não em desenvolvimento), superou Japão e Alemanha. “Em 1978, a renda média chinesa era de 200 dólares; em 2013, subiu para 6 mil. (…) O fato é que o povo chinês tem hoje uma vida mais longa, mais saudável e mais bem informada.” A liberdade é um artigo menos escasso do que nos tempos de Mao Tsé-tung. O ótimo livro do repórter da “New Yorker” pode ser lido como complemento e vice-versa de “Sobre a China” (Objetiva, 576 páginas, tradução de Cassio de Arantes Leite), de Henry Kissinger. Companhia das Letras, 551 páginas, tradução de Berilo Vargas e Christian Baum.

A Espiral da Morte — Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima — Claudio Angelo
O debate sobre as mudanças climáticas é, por vezes, passional, mesmo quando entre os contendores estão cientistas dos mais gabaritados. Há catastrofistas, há moderados e há os não-catastrofistas. O livro do jornalista Claudio Angelo, ex-editor de ciência da “Folha de S. Paulo”, é louvável pela seriedade com que discute o tema — assumindo posição, mas mostrando sua amplitude. “Em menos de dois séculos, a humanidade conseguiu elevar a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera a níveis sem precedentes em 800 mil anos e, provavelmente, em 3,5 milhões de anos. Nesse período, menos do que um piscar de olhos na história do planeta, as temperaturas globais subiram 0,85 grau Celsius, tendo atingido em 2015 a marca assustadora de 1 grau Celsius devido a um El Niño forte.” Em seguida, afirma: “O mundo provavelmente não vai acabar por causa da mudança climática. Só vai ficar um lugar muito mais difícil de viver. E, sem o gelo dos polos, muito mais sem graça também”. E mais: “Para 97% dos cientistas da área, a influência humana no clima é consenso”. Companhia das Letras, 489 páginas.

A Destruição dos Judeus Europeus — Raul Hilberg
Há muitos livros importantes, mas poucos são realmente fundamentais. A obra de Raul Hilberg, construída a partir de uma pesquisa exaustiva e sólida em variados arquivos e documentos, é fundamental. Não há nenhum estudo sobre a questão judaica e o nazismo que pode contorná-la. Todos partem de “A Destruição dos Judeus Europeus” para discutir o Holocausto. Quantos judeus foram assassinados pelo regime nazista de Adolf Hitler? A partir da pesquisa do historiador austríaco, pôde-se falar, de maneira segura, em mais de 5 milhões de mortos (fala-se comumente em 6 milhões). A pesquisa, detalhada e de um rigor ímpar, não é lacrimosa ou lamentosa. Ou melhor, se há lamento, no caso há, são os dados e informações, que balizam os trabalhos posteriores, que o validam. Não há exagero na exposição dos dados sobre as mortes nos campos de concentração e de extermínio. O tom de toda a pesquisa é equilibrado, sem discurseira. A edição é um portento, em dois volumes, com capa dura. É a versão completa, não sintetizada, do livro. O pesquisador era respeitado pela filósofa Hannah Arendt, embora os dois discordassem sobre detalhes — que, para eles, não eram apenas detalhes. Amarilys, 1664 páginas, tradução de Carolina Barcellos, Laura Folgueira, Luís Protásio, Maurício Tamboni e Sonia Augusto.