22 + 1 livros de Psicanálise para 2022… e para sempre

09 janeiro 2022 às 00h02
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Vale a leitura de “Das Unheimliche”, de Freud, “A Angústia”, de Lacan, “Freud e o Inconsciente”, de Garcia-Roza, e “Arquivos do Mal-Estar e da Resistência”, de Joel Birman
Candice Marques de Lima
Especial para o Jornal Opção
Cara leitora e caro leitor, advirto que esta lista é idiossincrática. Os livros de psicanálise e outros que tangenciam o tema fazem parte da minha preferência pessoal. Explico: a Psicanálise é a teoria, e também a prática – que exerci por alguns anos –, à qual me debruço para estudar cotidianamente. Além de fazer parte da minha vida profissional, seus textos fazem parte da minha vida (preenchendo-a, ocupando-a, me fazendo pensar…). Todos os 22 livros +1 que aparecerão aqui foram lidos por mim, senão totalmente, pelo menos em sua maior parte. E quase todos seus autores são psicanalistas que contribuíram e ainda contribuem com minha formação (e a de outras e outros, é claro).
1
Das Unheimliche (1919) — Sigmund Freud
Foi com Freud que a psicanálise teve início nas duas últimas décadas do século XIX. Leitor ávido, pesquisador incansável, Freud escreveu vários textos e casos clínicos ao longo de sua vida. Pelos seus conhecimentos e sensibilidade, ele se serviu da literatura, da mitologia, das artes para pensar o psiquismo humano, o humano na sua relação com a cultura e no laço social com os outros. Diante de vários textos que li de Freud desde minha graduação em Psicologia, passando por grupos de estudos, por formação em psicanálise, para dar aulas e na prática clínica, “Das Unheimliche” é um de meus textos preferidos e que tem ocupado meus pensamentos e minha escrita. “Unheimliche” é uma palavra de difícil tradução para a língua portuguesa e por isso preferi manter o título em alemão. No Brasil, há algumas edições: desde a da Imago vertida da língua inglesa, “O Estranho” (Edições Standard das Obras de Freud, vol. XVII, 34 páginas, tradução de Eudoro Augusto Macieira de Souza); até outras quatro mais recentes, diretamente da língua alemã: “O Inquietante” (Companhia das Letras, 47 páginas, tradução de Paulo César de Souza), “O Infamiliar” (edição bilíngue da Autêntica, 86 páginas, tradução de Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares), “O Incômodo” (Blucher, 66 páginas, tradução de Paulo Sérgio de Souza Jr.) e “O Perturbador” (Perspectiva, 384 páginas, tradução de Fernando de Moraes Barros). Sugiro que quem puder leia uma das traduções diretas da língua alemã, pois tentam manter a fluência do texto de Freud, que, não por acaso, ganhou o Prêmio Goethe de Literatura. Sobre o “Das Unheimliche”: Freud parte de um conto de E.T.A. Hoffmann (o qual tratarei nesta lista) para abordar o tema do estranho familiar – que seria aquilo que nos é comum e ao mesmo tempo nos incomoda, nos perturba. O infamiliar pode ser desde uma situação nova e assustadora até uma situação que não é novidade, mas que nos afeta. Leia um trecho do texto em que Freud explica esse fenômeno: “A palavra alemã unheimilich (infamiliar) é, claramente, o oposto de heimlich (familiar), doméstico, íntimo, e nos aproximamos da conclusão de que algo seria assustador porque não seria conhecido e familiar. Mas, naturalmente, nem tudo que é novo e que não é familiar é assustador; a relação não é reversível. Pode-se apenas dizer que o que é inovador torna-se facilmente assustador e infamiliar; nem tudo que é novidade é assustador. Ao novo e ao não familiar se deve, de início, acrescentar algo para torná-lo infamiliar.”
2
O Homem da Areia — E. T. A. Hoffmann
Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (1776-1822) foi um escritor alemão conhecido por sua literatura fantástica. Para quem gosta do gênero, seus contos são um prato cheio para caminhar por essa trilha. Recentemente, a editora Perspectiva publicou um livro de contos do autor que inclui “O Homem da Areia” e o texto “O Perturbador”, de Freud (“As Tramas do Fantástico: Contos e Novela, Perspectiva, 384 páginas, tradução de Fernando de Moraes Barros). A Autêntica realizou um trabalho interessante ao publicar os textos de Freud “O Infamiliar”, “Sobre o Sentido Antitético das Palavras Primitivas” (1910) e “A Negação” (1925), e o conto de Hoffmann (“O Infamiliar”, Autêntica, 282 páginas, tradução de Ernani Chaves, Pedro Heliodoro Tavares e Romero Freitas), com ensaios de Gilson Iannini e Christian Dunker, entre outros. É possível ler o conto sem ler o texto de Freud, afinal a literatura está para além de servir às teorias, mas vale a pena ler os dois juntos. No conto é Nathanael quem narra parte de sua história, começando por explicar o que seria o homem da areia – uma metáfora utilizada por sua mãe para dizer aos filhos que, quando estão com sono, os olhos ficariam cheios de areia. A partir disso, o efeito de significação do qual o personagem se serve para criar uma história delirante (e fantástica) dá o tom deste conto com final imprevisível.
3
Freud: Uma Vida Para o Nosso Tempo — Peter Gay
Para quem quer conhecer um pouco da vida do homem que inventou a psicanálise e que nos imprimiu uma ferida narcísica ao dizer que “o Eu não é senhor em sua própria casa”, vale a pena ler uma de suas biografias. Cito a do historiador alemão Peter Gay (Freud, Uma Vida Para o Nosso Tempo, Companhia das Letras, 719 páginas, tradução de Denise Bottmann), pois a li inteira. Há também a da historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco (“Sigmund Freud – Na Sua Época e em Nosso Tempo”, Zahar, 522 páginas, tradução de André Telles; que li parcialmente. A autora também escreveu uma biografia sobre Jacques Lacan), entre outras, como a do médico de Freud Max Schur e a escrita por seu amigo e colaborador Ernest Jones. Gay fez uma pesquisa rigorosa sobre a vida de Freud, narrando desde seu nascimento até sua morte por eutanásia, devido a um câncer. Conta sobre suas amizades, a respeito de suas relações com seus colaboradores e sua família. Além de negar que Freud tenha tido um caso com sua cunhada Minna Bernays, irmã de sua mulher. Há também uma pesquisa detalhada sobre os casos clínicos e vários outros textos importantes escritos por Freud. É um estudo criterioso da vida e da obra do criador da psicanálise.
4
Breve Romance de Sonho — Arthur Schnitzler
Gosto tanto dessa história, que a li mais de uma vez e assisti ao filme adaptado por Stanley Kubrick – “De Olhos Bem Fechados”, outras tantas vezes (a película é quase tão boa quanto o livro). Schnitzler era contemporâneo de Freud e ambos viviam na mesma cidade – Viena. Freud era apreciador de sua obra e chegou a dizer-lhe que invejava seu conhecimento do coração humano. Nessa história (“Breve Romance de Sonho”, Companhia das Letras, 121 páginas, tradução de Sergio Tellaroli) de título intrigante, há uma incerteza se parte dos fatos narrados foi sonhado ou “vivido” pelo personagem, Fridolin, um médico que fica atormentado quando descobre o desejo de sua esposa por outro homem. A partir dessa confissão, Fridolin sai durante a noite para atender um paciente e vive (ou sonha?) aventuras peculiares que se encerram ao amanhecer.
5
A Vida Com Lacan — Catherine Millot
Um livro que me fez admirar o psicanalista francês Jacques Lacan foi esse, narrado com graça e leveza pela psicanalista francesa Catherine Millot (“A Vida Com Lacan”, Zahar, 114 páginas, tradução de André Telles). Ela, que foi amante e analisanda de Lacan ao mesmo tempo (não se indica, claro, essas duas situações, pelo menos juntas), conta as estripulias e ousadias do psicanalista, que teve a “audácia” de dizer que estava fazendo um retorno a Freud. Lacan dirigia em alta velocidade e desprezava os sinais de trânsito, nadava nu e “defesas, pudores e subterfúgios não eram do seu gosto”. Também não gostava de esperar, e, em restaurantes, gritava de maneira estridente se demorassem a atendê-lo. Diferentemente do estilo vitoriano de Freud, Lacan era uma força da natureza, se vestia de maneira quase estravagante e sua fala registrava o humor que queria conferir ao que dizia. “Seus ternos aliavam um corte clássico, padronagem e tecidos delicados. Estes conferiam um toque feminino à sua maneira de se vestir, o que não roubava nada de sua virilidade. Sua elegância era soberana, para não dizer imperial, um pouco provocante, subversiva.”
6
A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona — Sófocles
Pode-se dizer que a história de Édipo habita nosso inconsciente. O tal “complexo de Édipo”, tão conhecido, embora tão pouco compreendido, nos diferencia, nos limita e nos cinde psiquicamente. Freud se serviu da tragédia desse rei para falar sobre cada um de nós. E Lacan buscou Antígona para tratar da ética da psicanálise. São belos – e angustiantes e desesperadores, os relatos dessa família “mal-dita” contados por Sófocles (“A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona, Zahar, 262 páginas, tradução do grego por Mário da Gama Kury).
7
Freud e o Inconsciente — Luiz Alfredo Garcia-Roza
Garcia-Roza era um estudioso da psicanálise. Como professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou o primeiro programa de pós-graduação em teoria psicanalítica. Seus textos, sempre bem-escritos, frutos de pesquisa rigorosa, expõem com o devido cuidado a teoria psicanalítica tanto a partir de Freud – principalmente – quanto de Lacan. Depois de anos escrevendo sobre psicanálise, o escritor começou a escrever romances policiais, tendo o detetive Espinoza como personagem principal de suas histórias. Em “Freud e o Inconsciente” (Zahar, 236 páginas), Garcia-Roza contribui com a compreensão da teoria psicanalítica fazendo um passeio desde sua pré-história, enfocando os conceitos de desejo, pulsão, recalque e inconsciente.
8
Cartas a Um Jovem Terapeuta – Contardo Calligaris
O psicanalista de origem italiana que, por ter um conhecimento abrangente do humano, escreveu textos sobre o Brasil e os brasileiros – contribuiu de maneira significativa – com a psicanálise brasileira. Contardo Calligaris foi um dos fundadores da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), teve atividade clínica até o final da vida e com seus seminários auxiliou na formação de vários psicanalistas. Produzia excelentes textos semanais para o jornal “Folha de S. Paulo” (estilo “faca só lâmina”), onde pensava questões cotidianas e políticas, sem se perder em discursos ideológicos ou moralizantes. Era, sobretudo, um psicanalista. Com o tempo, passou a escrever romances – dele li “A Mulher de Vermelho e Branco” (Companhia das Letras, 205 páginas), e foi o criador da série Psi na HBO. No livro “Cartas a Um Jovem Terapeuta” (Alegro, 155 páginas), ele conta sobre sua formação em psicanálise, a respeito de sua disposição para a escuta, que tinha a ética da psicanálise como leme (sem rigores pequeno-burgueses) e ainda sublinha que o amor pela literatura é importante para a formação de um terapeuta. Escreve: “Temo o psicoterapeuta de um livro só”. Conta também que, para encaminhar um paciente, preferia os psicanalistas com curiosidade em relação ao mundo e à cultura, para além das paredes do consultório. Contardo tinha amor pela vida. Antes de morrer, teria dito ao filho “Espero estar à altura”. Uma bela frase para uma vida interessante.
9
As 4 + 1 Condições da Análise – Antonio Quinet
Quinet, psicanalista, diretor de teatro e ator carioca, contribui significativamente para a formação psicanalítica. No início da pandemia de Covid-19, fez lives semanalmente no Instagram, que tinham como propósito auxiliar os psicanalistas no atendimento on line – uma prática que teve de ser inventada, às pressas, para atender a demanda de pacientes que já faziam análise e de outros que, angustiados com a cena pandêmica misturada à miséria política que o Brasil vive, precisavam de um auxílio imediato. Em As 4 + 1 Condições da Análise (Zahar, 115 páginas), Quinet parte do texto freudiano “O Início do Tratamento” (1913) para discorrer sobre a prática psicanalítica orientada por Freud e significada por Lacan a partir de uma ética. Segundo ele “trata-se de condições e não de regras ou normas impostas por Freud, pois ele estabeleceu apenas uma única regra para a psicanálise: a associação livre, que é a resposta à pergunta sobre o início do tratamento”. As quatro condições seriam: as entrevistas iniciais, o uso do divã, o tempo da análise e o dinheiro em uma análise. Além de mais uma – o fim da análise.
10
O Banquete — Platão
Alguns amigos se reúnem para comemorar um prêmio que um deles ganhou e decidem discorrer sobre o amor. Esse é o enredo aparentemente simples de “O Banquete” (L & PM, tradução de Donaldo Schuler, 176 páginas) – um livro de fácil leitura, embora com complexidade filosófica, que se desdobra em vários estudos. Jacques Lacan se utilizou dessa história (“uma reunião de bichas velhas” – segundo ele) para tratar sobre o amor de transferência no “Seminário 8: A transferência” (Zahar, 487 páginas, tradução de Dulce Duque Estrada). Em “O Banquete”, será pela boca de uma mulher – Diotima – que Sócrates fará seu elogio ao amor. E será com a entrada do alcoolizado e apaixonado Alcibíades, causando um giro na cena desse banquete sobre Eros, que Lacan poderá tratar sobre o que o amado guarda dentro de si para gerar o interesse do amante.
11
Arquivos do Mal-Estar e da Resistência — Joel Birman
Joel Birman é um desses intelectuais com formação ampla – médico-psiquiatra, psicanalista, professor – que transita pela psicanálise, pela filosofia e que consegue discorrer sobre a contemporaneidade na psicanálise sem se perder em discussões ideológico-partidárias. Seus textos não pretendem arregimentar um exército de psicanalistas tendenciosos, mas levam a pensar sobre a psicanálise de forma ética – a ética da psicanálise. Em “Arquivos do Mal-Estar e da Resistência” (Civilização Brasileira, 418 páginas) Birman escreve ensaios que pensam o contemporâneo por meio da psicanálise de maneira rigorosa e elegante. No ensaio “Subjetividades contemporâneas” ele trata das formas de mal-estar atuais. “No lugar das antigas modalidades de sofrimento centradas no conflito psíquico, nas quais se opunham os imperativos dos impulsos e das interdições morais, o mal-estar se evidencia agora nos registros do corpo, da ação e do sentimento.” E será a partir desses registros que ele irá compor um quadro do que nos tem afetado.
12
Por que Lacan? — Christian Ingo Lenz Dunker
Christian Dunker se tornou, ao longo dos últimos anos, um intelectual e psicanalista das massas. Tem um canal no YouTube no qual divulga a psicanálise, escreve textos em jornais, dá entrevistas, escreve livros e gera debates. Falando e escrevendo de maneira acessível, Dunker ocupa um espaço importante que possibilita às pessoas sem formação em psicanálise acompanhar seu pensamento. Essa forma simples de divulgação de conceitos psicanalíticos das questões contemporâneas aponta para sua formação intelectual densa e rigorosa. No livro “Por que Lacan?” (Zagodoni, 270 páginas) ele escreve de maneira sofisticada sobre temas da psicanálise tratados por Lacan e conceitos por ele percorridos – um elogio a Lacan, que auxilia quem busca compreender a complexidade da obra do psicanalista francês.
13
Constituição do Sujeito e Estrutura Familiar — Michele Roman Faria
O rigor e a profundidade dos estudos da psicanalista e escritora Michele Roman Faria possibilitam que escreva de maneira compreensível a respeito de temas complexos da psicanálise. Na tradição freudiana de escrever de forma acessível, em “Constituição do Sujeito e Estrutura Familiar: o Complexo de Édipo, de Freud a Lacan” (Cabral Editora e Livraria Universitária, 224 páginas) Michele disserta a respeito das teorias freudiana e lacaniana sobre o Édipo, mostrando os pontos de encontro e as diferenças entre ambas. A partir de uma pesquisa extensa, apresenta à leitora (e ao leitor) desde a primeira aparição desse conceito na obra de Freud, atravessando as obras dos dois psicanalistas e mostrando como o sujeito é constituído a partir dele.
14
Educação Impossível — Maud Mannoni
Nos estudos da psicanálise e educação, a psicanalista francesa Maud Mannoni é referência obrigatória. Em seu livro “Educação Impossível” (Francisco Alves, 317 páginas, tradução de Álvaro Cabral), esgotado no Brasil e sem novas edições à vista, ela conta sobre o trabalho que desenvolveu na Escola de Bonneuil-sur-Marne, nos arredores de Paris. Essa instituição era um lugar de vida para crianças e adolescentes considerados psicóticos, com deficiências intelectuais ou que tinham dificuldade com o laço social. “O paradoxo de Bonneuil é que não se pratica aí a psicanálise (isso é concomitante à recusa da instituição); mas tudo o que aí se faz baseia-se rigorosamente na psicanálise, à qual não se recorre como técnica de ajustamento, mas, outrossim, como subversão de um saber e de uma práxis.”
15
Figuras do Infantil – Leandro de Lajonquière
Pioneiro nos estudos de psicanálise e educação no Brasil, Leandro de Lajonquière tem uma obra densa, composta de livros (“De Piaget a Freud: Para uma Clínica do Aprender”, Vozes, 327 páginas; “Infância e Ilusão (Psico)Pedagógica: Escritos de Psicanálise e Educação”, Vozes, 204 páginas) e artigos em livros organizados e em revistas especializadas. Em seu livro “Figuras do Infantil: a Psicanálise na Vida Cotidiana com Crianças” (Vozes, 272 páginas), o psicanalista trata especialmente das questões da infância e da educação de crianças; mas também disserta a respeito da importância dos estudos da psicanálise e educação – tema que também aparece em seu livro “Infância e Ilusão (Psico)Pedagógica”. O infantil é sempre um resto que todo adulto carrega consigo, que se inquieta por não ter sido necessariamente a criança dos sonhos de seus pais. “Esse outro que não (se) foi é objeto de recalque e de retorno e, assim, torna-se nosso estranho-familiar. É o infantil que nos habita, depois da infância, para todo o sempre.” Assim, todas as hipóteses, construções e fantasias que tivemos em nossa infância são atualizadas no encontro, sempre assimétrico, com uma criança. Uma leitura que vale a pena em tempos nos quais o adulto não sabe o que fazer diante de uma criança.
16
Psicanálise e Formação de Professores — Rinaldo Voltolini e cols.
Um dos nomes mais importantes a discutir inclusão escolar e psicanálise no Brasil, Rinaldo Voltolini, psicanalista e professor da USP, trabalha também com a formação de professores. No livro “Psicanálise e Formação de Professores — Antiformação Docente” (Zagodoni, 199 páginas) ele escreve sobre educação inclusiva e como pode ser uma formação docente atravessada pela ética da psicanálise. Afinal, muito mais do que ensinar professores a ensinar seus alunos, é importante escutá-los e criar espaços acolhedores para que possam se expressar. Evita-se assim a colonização do outro via teoria e sua alienação ao discurso pedagógico. “Garantir que haja um trabalho produtivo e interessante no presente pode ser bem mais útil do que situar competências ideais no futuro.” O livro também traz artigos interessantes de colaboradores do tema, como Eric Plaisance e Marise Bartolozzi Bastos, que tem uma atuação significativa no campo da formação de professores. A obra é de Rinaldo Voltolini e colaboradores (cols.).
17
Figures du Handicap – Simone Korff-Sausse
A psicanalista francesa Simone Korff-Sausse dedica-se a temas sobre pessoas com deficiências com uma abordagem bastante criativa. Todavia, infelizmente, não tem nenhum livro publicado em língua portuguesa no Brasil. No livro “Figures du Handicap: Mythes, Arts, Littérature” (Petite Bibliothèque Payot, 241 páginas – comprei um exemplar na livraria francesa de São Paulo pelas mãos de uma amiga, a psicanalista Lígia Paganini), ela trata de vários personagens: na mitologia – como as figuras do Minotauro e da Medusa; na literatura infantil, O patinho feio, ou adulta, Drácula e Frankenstein e nas artes como as obras de Joë Bousquet e Henri de Toulouse-Lautrec. Tais figuras representam o que as pessoas com deficiência podem incomodar nas outras pessoas. Korff-Sausse escreve que aquelas nos devolvem a imagem como um espelho quebrado. Trata a deficiência a partir da ideia de estranho, proposta por Freud no texto “Das Unheimiliche”. E escreve: “A pessoa com deficiência nos mostra um espelho que nos apresenta nossas próprias imperfeições e reflete uma imagem que faz com que nos repugnemos ao nos reconhecer, pois ela danifica nossa imagem de integridade” (tradução livre).
18
Educação Inclusiva — Kelly Cristina Brandão da Silva
A tese de doutorado na USP, que se tornou o livro “Educação Inclusiva: Para Todos ou Para Cada Um? Alguns Paradoxos (In)convenientes” (Escuta/Fapesp, 318 páginas), trata de um tema delicado: a educação inclusiva. É leitura obrigatória para quem trabalha com esse tema ou para quem quer compreendê-lo melhor. Kelly Cristina desenvolve a discussão sobre inclusão sempre no fio da navalha, sabendo com maestria apontar os paradoxos das questões que permeiam essa discussão. Como incluir todos os alunos na escola e ao mesmo tempo como ensinar a cada um? Este tem sido um dos dilemas que tem causado mal-estar nos professores, que a partir daí buscam desesperadamente por formações que possam auxiliá-los a como ensinar seus alunos. A psicanalista e professora da Unicamp trata sobre o professor especialista: “Na atualidade, circula e ganha cada vez mais destaque um excesso de especialização caracterizado pelo acúmulo (e conveniência pretensamente harmônica) de conhecimentos superficiais de diversas áreas, pautado pelo anonimato e com pretensões totalizantes e colonialistas”. E aponta algumas saídas sobre como lidar com esses paradoxos, que podem auxiliar professores e equipes escolares atravessados por esses dilemas.
19
Laço Social e Educação — Mônica Maria Farid Rahme
Neste livro “Laço Social e Educação: Um Estudo Sobre os Efeitos do Encontro Com o Outro no Contexto Escolar” (Fino Traço Editora, 426 páginas), fruto de sua tese de doutorado, Mônica Rahme apresenta um panorama amplo sobre a educação inclusiva em alguns países: Itália, França, Estados Unidos e Brasil, a partir de um estudo rigoroso. Trata também sobre as leis que possibilitaram a inclusão brasileira, discorre sobre a formação de professores e apresenta sua pesquisa de campo em uma escola, onde observou as crianças ali inseridas e no laço social com outras crianças. Sempre alinhavando tudo com a teoria psicanalítica e contribuindo para o avanço dos estudos da educação inclusiva e da psicanálise no Brasil.
20
Autobiografias no Autismo — Marina Bialer
Marina Bialer foi pesquisar autobiografias de pessoas com diagnósticos de autismo para compor este livro – 26 histórias narradas por seus pais e 10 pelos próprios autistas, “Autobiografias no Autismo” (Toro Editora, 300 páginas). As narrativas das histórias, produzidas de forma criteriosa e sem julgamentos, proporcionam às leitoras (e leitores) casos particulares desse transtorno que teve nos últimos anos uma explosão de casos. Os autismos têm características diversas e as histórias mostram essas peculiaridades e como cada um vivenciou essas questões. Elas apresentam as relações de algumas crianças com animais e como isso as auxiliou a lidar com o outro; relações entre pares, tendo como efeito espaços de inclusão. Além de pais e mães em sofrimento por não saberem o que poderia causar tanta angústia em seus filhos; e as dificuldades que algumas crianças com autismo têm com a alimentação e seus interesses por alguns objetos. “Além dos interesses especiais, outra âncora indispensável para o funcionamento psíquico do autista são os duplos terapêuticos que servem como alicerces para a constituição da subjetividade e da mobilização psíquica. Nas autobiografias dos pais de autistas, além do duplo exercido pela mãe do autista, esta função também pôde ser desempenhada por vários outros parceiros. No caso de Ann (Copeland, 1973), Dale (Gardner, 2008, 2013), Fraser (Booth, 2014), George (Romp, 2010), Iris (Carter-Johnson, 2016) e Rowan (Isaacson, 2001), os duplos são animais que possibilitam funções identificatórias; já no caso de Tony (Callaham, 1993) este papel é realizado por sua irmã Renée, e para Owen, seus anteparos identificatórios são primordialmente os personagens da Disney e, secundariamente, seu irmão.”.
21
O Tratamento Psicanalítico de Crianças Autistas — Tânia Ferreira e Angela Vorcaro
As psicanalistas Tânia Ferreira e Angela Vorcaro trazem no livro “O Tratamento Psicanalítico com Crianças Autistas — Diálogo com Múltiplas Experiências” (Autêntica, 125 páginas) um breve panorama histórico sobre a descoberta do autismo e algumas contribuições da teoria psicanalítica sobre o tema, entremeadas com histórias de autistas. Com a delicadeza e o cuidado que o assunto merece, são expostas também as experiências de vários psicanalistas brasileiros que participaram da pesquisa e que contribuíram para o enriquecimento do assunto. Ao final, discorre-se sobre a inclusão de crianças com diagnósticos de autismo: “Incluir é não permitir que o autista seja reduzido a ‘um cérebro sem vida’, sem animação, incapaz de apreender ensinamentos ou assimilar informações, construir saberes e conhecimentos. Também não permitir uma leitura do autismo como doença mental a ser medicalizada e ter suas manifestações, por mais transtornadoras que sejam, caladas ou extirpadas. Muitas dessas manifestações, numa primeira visada, bizarras, são formas singulares de suportar o encarceramento e a solidão em que o autismo coloca o sujeito.”
22
O Nome Atual do Mal-Estar Docente — Marcelo Ricardo Pereira
Os professores são uma das categorias profissionais que mais apresentam doenças e sofrimento em decorrência do seu trabalho. Seguindo nessa linha, Marcelo Pereira faz um percurso no livro “O Nome Atual do Mal-Estar Docente” (Fino Traço, 241 páginas) procurando o que estaria por trás desse incômodo. A partir de um amplo estudo teórico, empírico e metodológico, ele buscou verificar se “padecem mais aqueles que ensinam”. Parte da teoria psicanalítica para pensar as categorias e o padecimento e mal-estar docentes e desenvolve um estudo pertinente, que contribui, de maneira importante, com as pesquisas de psicanálise e educação.
22 + 1
A Angústia — Jacques Lacan
O primeiro seminário de Lacan que li, sob a transmissão criteriosa do psicanalista paulista Sidnei Goldberg, foi “O Seminário Livro 10: A Angústia” (Zahar, 372 páginas, tradução de Vera Ribeiro). Um livro que, entre outras coisas, traz o conceito de objeto a que, segundo o próprio Lacan, teria sido o único conceito que ele criou. O psicanalista francês é conhecido por sua escrita e transmissão herméticas, bastante diferente da produção freudiana, que escrevia para um público diverso. O seminário é denso, de difícil leitura, mas vale para caminhar junto com Lacan e perceber o trajeto que ele faz para desenvolver esse importante conceito da teoria psicanalítica.
Candice Marques de Lima, pesquisadora de educação inclusiva e Psicanálise, é professora da Universidade Federal de Goiás.