Parece inverossímil a relação entre o escritor carioca Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto (1923-1969) e a cidade de Senador Canedo, na região Metropolitana de Goiânia, pois, ao que se sabe, nunca o irreverente cronista e radialista esteve na terra de Jorge Ribeiro, Diego Moraes e Claudeci Ferreira. Ao que parece mesmo, nunca ele esteve em Goiás, no máximo em Brasília, talvez, logo nos primórdios, pois morreu quando a nova capital ainda estava nos primórdios.

O certo é que, impossibilidades à parte, Senador Canedo esteve presente na principal obra desse magistral e, infelizmente, esquecido jornalista brasileiro, na irreverência do neologismo a fugir da famigerada censura, nasceu o livro FEBEAPÁ (Festival de besteira que assola o País). Com este título insólito, em 1966, dentro do mais rígido momento da Ditadura Militar, o mesmo chegou às livrarias.

Como arguto e perspicaz analista de situações brasileiras, das mais diversas, irreverentes e inexplicáveis, Stanislaw Ponte Preta mostrou diferentes nuanças de um País nada sério, ridículo mesmo, a se pensar tanta besteira derramada em cada lugar, no caminhar da história. Sandice e besteira, de fato, nunca faltaram em nossa história, o que é lamentável.

Por meio da crônica “Deu mãozinha no milagre”, o jocoso cronista relata o fato insólito ocorrido na nascente cidade de Senador Canedo, desde os tempos ainda da distante localidade de Esplanada, em que entra no cenário a figura lendária do Padre Francisco de Salles Pèclat, pioneiro da região, hoje imortalizado em nome de ruas, praças e monumentos.

Padre Pèclat, assim chamado, sem sombra de dúvidas, foi a chama viva do surgimento e crescimento de Senador Canedo em tempos de antanho. Tornou-se mito e, como tal, prenhe de histórias, verdadeiras e mentirosas em torno de si, ao saber de desencontradas emoções, positivas ou negativas.

O escritor Stanislaw Ponte Preta faz referência à questão do “santo que chorava”, na Igrejinha bucólica e poética de Todos os Santos, ainda na pequena vila, que logo atraiu grande número de fiéis; que todos, em qualquer época, são loucos por essas histórias. Vinha gente de todo lugar ver o santo que chorava; aliás, ver o santo da Igreja do Padre.

Padre Péclat vem de uma origem nobre, de ascendência belga, com raízes ainda na Cidade de Goiás. Foram seus pais Henri Alfred Pèclat e Cirila Maria da Conceição Pèclat, casados em 29 de abril de 1884, na velha capital goiana. Ele teve onze irmãos: Maria Henriqueta Pèclat, Anna, José Teodorico, Mariano, Joaquim, Josefina (Irmã Anna Maria, da Ordem Dominicana), Rosarinha (SoeurHenriette, também freira Dominicana), Antônio Henrique Pèclat, que, na sua obra magistral e artística, assinava o pseudônimo de Pèclat de Chavannes.

De família muito católica ainda na Cidade de Goiás, eram muito amigos dos Frades Dominicanos e, por certo, essa convivência influenciou para que muitos de seus filhos seguissem a carreira eclesiástica. A 12 de Agosto de 1926, com a idade de 70 anos faleceu o professor Henrique Alfredo Pèclat e poucos anos depois a sua esposa.

Como sacerdote, Padre Pèclat atuou nas cidades de Jaraguá, como Pároco da Matriz de Nossa Senhora da Penha daquela cidade, de 1935 a 1937, em Piracanjuba, como Pároco da Matriz de Nossa Senhora da Abadia, em Bela Vista de Goiás, e, também, de forma pioneira em Goiânia, como coadjutor do então vigário da nova capital, Dom Abel Ribeiro Camelo, mais tarde, Arcebispo.

Foi o Padre Pèclat que rezou a primeira missa do galo em Goiânia, na Igreja construída para ser a Catedral Metropolitana, em 24 de dezembro de 1937.

E como Senador Canedo pertencia a Goiânia, em tempos antigos, o Padre Pèclat cuidava, portanto, da fé e do catolicismo na então distante localidade que se vislumbrava o cerrado, os rios, o Morro de Santo Antonio, o Bonsucesso, a pequenina estação que se abria para a nova capital, os trilhos do progresso.

O cronista Sérgio Porto, com sua habilidade, conta a história de um padre em Goiânia que espalhou a notícia de que em sua pequenina igreja, perdida no mato, a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo chorava de desgosto pela maldade humana, em razão dos desacertos e desafetos. Com sua habilidade discursiva ainda aponta: “Foi o quanto bastou para que a plebe ignara ficasse mais assanhada que um galo velho no galinheiro das frangas, uma grande romaria mudou-se para o local”.

Destaca ainda na sua narrativa carregada de “pérolas” de comparações, bem ao estilo irônico do cronista, sobre a coragem do padre em afirmar, pois “o negócio é ter peito para afirmar, o resto pode deixar que a crendice popular funciona melhor do que o melhor dos publicrelations”.

Na verdade, o Padre Pèclat teve “peito para afirmar” e a coisa ganhou volume inesperado. Transformou-se em outra Trindade, outra Abadia do Muquém, pela quantia de romeiros. Aquilo ficou parecendo um acampamento a céu aberto, em meio ao cerrado, de gente doente, pessoas ensandecidas na busca de curas, curiosos, vendedores, malandros também, todos para verem o “milagre”.

Padre Pèclat também vendia lotes de sua propriedade na região; tanto que se transformou em Jardim Canedo III, que tantas controvérsias ocorreram mais tarde, no tocante à escrituração, junto à prefeitura e os familiares, herdeiros do Padre Pèclat, situação só muito recentemente resolvida, com ganho de causa à Prefeitura.

Como um mito, Padre Pèclat foi cercado de histórias e considerações boas ou más. Muito se falou sobre sua integridade moral, na questão da sexualidade; a história das “mulheres do Padre Pèclat”; notadamente uma chamada Maria Perereca ou os “Meninos do Padre Pèclat”; com insinuações muito pesadas acerca de sua conduta com os jovens do sexo masculino; da venda dos lotes que fazia; vestido de sua batina preta, num casarão defronte à igrejinha.

Muito se falou e se fala, mas, também, ao que se sabe, nada se provou; portanto se perde na “ruindade” da boca, como diziam os antigos. Ao tecer tais comentários, apenas mostramos o que foi dito; nada temos a condenar ou reforçar. O intuito é apenas histórico.

Nada há, aqui, de condenações. Esse não é o intuito; já que não há provas concretas ou processos sobre tais fatos. No mais, o Padre Péclat está morto e não pode se defender. Não nos agrada julgar a quem quer que seja, pois o julgamento é dos homens, mas a justiça é de Deus.

Muitos outros sacerdotes em Goiás passaram por situações tais, em tempos diversos na fraqueza da carne; já que muitas famílias descendem de sacerdotes; ainda que o celibato seja premissa, é completamente antibiológico, haja vista que a libido é parte do ser e é praticamente impossível contê-la. Só os santos e olha lá!

Apenas o citar das histórias contadas e recontadas ao gosto popular e que podem ser recheadas também de maldades e fuxicos tão comuns em meios pequenos e de acanhadas proporções. Na falta do que se fazer; muito se inventa.

Pelo sim, pelo não, fechamos aqui estas considerações.

No tocante às lágrimas da imagem, o fato ganhou notoriedade não apenas regional, mas nacional; tanto que chegou aos ouvidos do cronista carioca. Padre Pèclat, ao que parece, conseguiu uma maneira de fazer a imagem chorar e fez alarde. Queria ele agregar mais fiéis para a sua acanhada igrejinha que começava.

No princípio o caso se transformou em febre, loucura de gente vinda de todos os lados para ver a imagem chorar; e, de fato, chorava. Vinha gente de carro, gente a pé, gente a cavalo, gente de carroça. A própria igreja, mais tarde, para dar veracidade ao fato, abriu uma investigação e foi comprovado o embuste. Morreu aí a história.

Lá está a Igrejinha desenhada por Pèclat de Chavannes, sem o cruzeiro antigo de madeira, em que tantos oravam e faziam penitência. Ela é testemunha do talento de um artista de renome, professor de artes plásticas, nome da galeria da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Goiás, pintor reconhecido dentro e fora do País.

Pèclat de Chavannes é um ícone das artes plásticas em Goiás! Senador Canedo deve muito se orgulhar de sua Matriz ter sido por ele projetada.

Quanto ao Padre Pèclat entrou para a história de uma maneira ou de outra, negativa ou positiva quanto queiram uns e outros. Entrou para a Literatura brasileira na crônica jocosa de Stanislaw Ponte Preta; imortalizou-se em denominações de ruas e praças e caminhou os seus passos na vida, dentro de suas aptidões, com erros e acertos como qualquer um de nós, humanos e falíveis sobre o chão do mundo.

Mas, Senador Canedo está lá, guardadinha, nas páginas do livro FEBEAPÁ, de Stanislaw Ponte Preta!