Os 90 anos da Associação Goiana de Imprensa
18 novembro 2024 às 18h15
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Goyaz, 1934. A velha e cansada cidade do Anhanguera, a antiga Vila Boa de Goyaz, vivia os sofridos dias que antecederam a mudança da capital para Goiânia. Era um tempo de turbulências, maledicências, política fervilhante, crédito e descrédito nas ideias avançadas de Pedro Ludovico Teixeira, um visionário e louco, no pensar de muitos; que havia, no ano anterior, 1933, no dia 24 de outubro, lançado festivamente a Pedra Fundamental de uma nova cidade, ainda em nome, perto de Campinas, num ermo de mato, numa “biboca do capeta”, como apregoavam certos vilaboenses antimudancistas mais exaltados.
Havia fluxo e refluxo insuflados pela política de posição e oposição à mudança. 1934 era um ano emblemático porque havia a Constituição, promulgada em 16 de julho desse mesmo ano, insuflada pela Revolução Constitucionalista de 1932. Havia mudanças bruscas no contexto econômico, que colocava a oligarquia cafeeira numa posição inferior aos novos industriais, principalmente no Sudeste do País.
Em Goiás, ainda longe da industrialização, a nova capital era como espécie de alento aos anos de oligarquia na velha cidade dos becos e outeiros, de duros e rígidos preceitos e poucas oportunidades.
Muitos dos políticos eram contra a mudança feita às pressas; o que prejudicava a bissecular terra berço de muitos goianos, os comerciantes, fazendeiros, funcionários públicos; pessoas que tinham seus interesses econômicos ainda na cidade, levados à falência de uma hora para outra, ou forçados a mudanças bruscas de vida, de forma inesperada.
Tudo fervilhava. A cidade era uma panela quente, que fervia. Em meio a todos esses fatos, como sempre e, infelizmente, muitos desocupados e baderneiros dilapidavam o patrimônio histórico da cidade, a quebrarem monumentos e promoverem arruaças. Gente à toa, que não presta, tem raiz também no começo das eras.
Nem tudo, porém, eram trevas. Em meio à bagunça geral e a quebradeira, a ruptura do sistema, havia gente interessada em fazer história, consciente do papel num mundo em transformação.
Assim, às 18 horas do dia 10 de setembro de 1934, por idealismo de um jovem advogado e jornalista vilaboense Albatênio Caiado de Godoy (1893-1973), à época com 41 anos de idade, já casado e pai de muitos filhos, foi fundada a AGI, Associação Goiana de Imprensa, cuja primeira reunião ocorreu no salão da então Faculdade de Direito da Cidade de Goiás com a presença de ilustres pessoas da então sociedade local.
Albatênio Caiado, ao lado de seu ilustre irmão, Claro Godoy (1896-1986), era redator do inflamado jornal oposicionista alcunhado de Voz do Povo, que fazia severas críticas ao O Democrata, por ironia, gerenciado pelo Senador Caiado (Antonio Ramos Caiado – Totó), parente de ambos. Albatênio e Claro eram filhos de Tereza Caiado; esta era filha de Luiz Antonio Caiado, neta, portanto, de José Caiado, que fora Presidente do Estado. Todos eram da mesma família, mas com visões políticas distintas.
Desta reunião participou o notável professor Venerando de Freitas Borges (1907-1994), na ocasião, representava os diretores do jornal O Social; Vasco dos Reis Gonçalves (1901-1954) e Zoroastro Artiaga (1891-1972); Inácio Xavier da Silva representava o jornal O Comércio; Jaime Câmara (1909-1989) e Mário Mendes representavam o jornal Correio Oficial; Alfredo Nasser (1905-1965) representava o jornal A Coligação; Benjamim Vieira representava o jornal A Verdade; Abdala Samahá, de origem estrangeira, representava o jornal Antenas; Goyaz do Couto representava o jornal O Combate e Octávio Artiaga representava o jornal O Lyceu. Representavam agências de publicidade os jornalistas João Monteiro e Agnello Arlíngton Fleury Curado (1891-1966)
Albatênio Caiado de Godoy foi o primogênito de Tereza Caiado, nascido no Palácio Conde dos Arcos em 14 de abril de 1893. Na época de seu nascimento, quis o Presidente José Caiado, que sua neta tivesse o primeiro filho no Palácio do Governo. Albatênio estudou em Goiás, no tradicional Lyceu e, depois, seguiu para São Paulo, onde fez o curso de Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde colou grau em 1919.
Foi Promotor de Justiça da Comarca de Itumbiara, na época Santa Rita do Paranahyba, e, naquela mesma cidade chegou a ocupar o cargo de Vice-Prefeito. Deputado à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, por duas legislaturas, tendo sido líder e Presidente da Comissão de Finanças daquela Casa. Foi, também, Deputado Federal, Secretário da Segurança Pública do Estado e Secretário Geral do Estado de Goiás, na época do Estado Novo, ocupou, ainda, o cargo de vice-governador.
Residiu no Rio de Janeiro por vários anos e, também, na cidade de Barra do Piraí. No começo de sua carreira, nos anos de 1920, residiu em Jaraguá e Pirenópolis, locais onde exerceu a advocacia com brilhantismo.
Membro do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Goiás; Presidente do Conselho Penitenciário do Estado de Goiás; Professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás e Membro da Associação Genealógica Brasileira. Era um homem que amava o trabalho e a pesquisa.
Fundador e diretor do jornal O Comércio, da cidade de Itumbiara, juntamente com Sidney de Almeida e J. Flávio Soares; fundador do Goiás-Jornal, em Goiânia; um dos fundadores e diretor por muitos anos.
Albatênio Caiado foi ainda Membro do Conselho Estadual de Educação; da Associação Brasileira dos Municípios; Procurador da República de Primeira Categoria; Deputado à Constituinte de 1946, tendo servido na Câmara Federal até 1951. É autor das obras: Antevisão do Futuro, (esboço histórico de Brasília), 1948; Do meu Tempo (memórias), 1969; Como estabilizar a Democracia, 1970 e Homens e Fatos (memórias), 1971. Faleceu aos 80 anos de idade em 02 e fevereiro de 1973.
Albatênio Caiado de Godoy casou em 1923, aos 30 anos de idade, com a professora e escritora Maria Paula Fleury Curado, depois Godoy, filha do jurista Dr. Sebastião Fleury Curado e da pianista e escritora Augusta de Faro Fleury Curado, nascida no Rio de Janeiro, mas criada na Cidade de Goyaz, autora de vários livros, membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, autora de Sombras, Velha casa, Nós e elas, A longa viagem, A viagem de Nancy e Realidade e sonho.
A sessão de fundação da Associação Goiana de Imprensa foi presidida por Albatênio Caiado de Godoy, que explicou os motivos da mesma e elegeu uma diretoria provisória composta por ele, na presidência ad hoc, Vasco dos Reis Gonçalves, Alfredo Nasser, Venerando de Freitas Borges e Agnello Arlíngton Fleury Curado. Houve posse dessa diretoria, responsável pela documentação da Associação e sua filiação às entidades congêneres.
No dia 28 de novembro de 1934 houve nova reunião para aprovação dos estatutos e eleição da primeira diretoria da instituição e filiação de jornalistas do interior do Estado. Foi eleita a primeira diretoria efetiva da AGI: Albatênio Caiado de Godoy (Presidente); Mario Mendes (Vice-presidente); Alfredo Nasser (Orador); Jaime Câmara (Secretário geral); Abadla Samahá (Secretário); Agnello Arlíngton Fleury Curado (Tesoureiro). Também foram criadas comissões: Publicidade (João Monteiro. Zoroastro Artiaga, Inácio Xavier da Silva); Sindicância (Benjamim da Luz Vieira, Venerando de Freitas Borges e João Monteiro: Beneficência (Vasco dos Reis Gonçalves, Ignácio Xavier da Silva e Octávio Artiaga).
Às 20 horas do dia 3 de dezembro de 1934 era instalada solenemente a AGI nos salões da Faculdade de Direito da Cidade de Goyaz. Houve grande participação social nesse evento, que, aberto por Albatênio, foi passado ao Dr. Teixeira Junior, Diretor Geral do Interior. Jaime Câmara secretariou a sessão, Goyaz do Couto leu o discurso escrito por Alfredo Nasser, que se achava em viagem.
Houve sessão lítero musical com a participação de Vasco dos Reis, Lourdinha Maia, Goyaz do Couto, Mário Mendes, Joaquim Rufino Jubé Junior, Geralda Artiaga, Antonio Juruena Di Guimarães e Goiandira do Couto.
Durante o evento chegou o telegrama anunciando a morte do grande escritor Humberto de Campos, à época, uma das glórias das letras nacionais. Foi feito em sua memória um minuto de silêncio, sendo ele o primeiro homenageado da AGI, que naquele momento nascia no seio de uma sociedade acanhada, mas culta e refinada.
A velha Cidade de Goyaz era um berço de inteligência e intelectualidade, mesmo distanciada por um determinismo geográfico, acrisolada à sombra da altaneira Serra Dourada.
A Associação Goiana de Imprensa funcionou por cerca de quase três anos na Cidade de Goyaz. Em 1937, a capital do Estado foi definitivamente transferida para Goiânia, e, com ela, todos os interesses e olhares, atuações e instituições.
O dia 23 de março de 1937 na velha Vila Boa de Goyaz foi “pranto e ranger de dentes”. Não havia mais esperança, a capital sem nome, a “biboca do capeta” enfim vingara e a estremecida cidade acalentada pelo Rio Vermelho vivia suas últimas horas, como capital. Para muitos era o fim. Várias pessoas, aos prantos, se reuniam na Igreja de Nossa Senhora da Abadia rezando um terço pelo fracasso da mudança…
Enquanto isso caminhões e caminhões com mudanças arrumadas às pressas, rápidos; deixavam a cidade, levando até ruas inteiras que se transformaram em deserto. Na noite de 23, após a saída, muitos se assentaram nos bancos laterais das pontes do Carmo e Lapa para chorar a indignação e a derrota…
Por esse motivo em 17 de julho de 1937 foi a AGI transferida para Goiânia; ainda sob a direção de Albatênio Caiado de Godoy, que se prolongou até 1941.
Em 23 de novembro de 1941 assumiu a direção da AGI o notável intelectual Joaquim Câmara Filho (1899-1955), em solene posse, seguida de baile no Automóvel Clube de Goiânia. Desde essa época já e falava sobre uma sede para a AGI, mas somente 29 anos depois, em 1970, a mesma se concretizou, por meio de uma sala adquirida no Edifício Vila Boa, na Avenida Goiás.
Joaquim Câmara Filho nasceu no Rio Grande do Norte em 29 de dezembro de 1899, filho de Joaquim Rebouças Câmara e Maria Melquíades de Miranda Câmara. Estudou em Natal e fez o curso de Agronomia em Pernambuco e Minas Gerais. Em Paracatu casou-se com Hilda Gonzaga, com quem teve sete filhos.
Trabalhou no Paraná e em Planaltina de Goiás assumiu a direção do Grupo Escolar local. Foi Prefeito Municipal de Pires do Rio em 1933 e em Paracatu, em 1934. Foi diretor do Departamento de Divulgação e Expansão Econômica de Goiás, em 1935. Fez intensiva e constante propaganda do Estado e de Goiânia. Fundador e diretor do jornal diário O Popular, em 1938; em 1943, foi nomeado prefeito municipal da cidade de Anápolis e exerceu o cargo de Secretário da Agricultura do Estado de Goiás, por duas vezes. Presidente da Associação Comercial do Estado de Goiás e fundador da Associação Rural do Estado. Faleceu aos 55 anos de idade e foi biografado pelo grande intelectual José Asmar.
Outro notável presidente da AGI foi o advogado e desembargador Maximiano da Mata Teixeira (1910-1984), escritor e jornalista, defensor do norte goiano, juntamente com sua admirável esposa Amália Hermano Teixeira (1916-1991). Dentre as obras do ilustre presidente, destacam-se Estórias de Goiás e Outras histórias de Goiás. Jurista de renome foi Presidente do Tribunal de Justiça de Goiás. Hélio Lobo, Oscar Sabino Junior e Geraldo Vale também se destacaram pro suas trajetórias culturais, assim como Eliézer Penna, admirável contista e cronista que honra o jornalismo goiano.
O grande jornalista Batista Custódio, do DM dirigiu a AGI nos duros tempos da repressão (1967-1969), tempos em que ele se viu perseguido de todas as maneiras, não só como jornalista, mas como empresário. Marcado pelo peso do infortúnio pessoal, na perda de entes ternamente amados, prosseguiu como bandeira firme no seu idealismo. Sua vida modelar serviu de exemplo de luta em tempo de mordaças e crises. Seu nome foi resistência.
Na verdade, todos os presidentes da AGI foram e continuam sendo brilhantes homens de letras e de comunicação, que, em seus mandatos, honraram a instituição e por ela dedicaram grande parte de suas vidas, notadamente Walter Menezes, baluarte da instituição, que a ele muito deve.
Ao longo dos anos, alguns bens imóveis também foram adquiridos e doados ao patrimônio da AGI: Uma sala no Edifício Vila Boa, Avenida Goiás – Centro de Goiânia; um lote no Setor Pampulha em Aparecida de Goiânia, doado por Antonio Soares e Vicente de Paula e Souza; um lote no Setor Mansões do Rio Quente em Caldas Novas, doado por Nelson Guimarães; um lote no Setor Santa Genoveva, doado por Altamiro Pacheco; um lote no Setor Chão de Estrelas em Aragoiânia (Biscoito Duro), doado por Elias Bufáiçal; lotes adquiridos por compra em Aruanã-Go; lotes no Setor Universitário, doado pelo governador Irapuan Costa junior para se construir a “Casa da Imprensa”.
Outra luta encabeçada pela AGI foi a criação do curso universitário de Jornalismo. Somente em 1966 é que se iniciou em Goiás o curso superior em Jornalismo no ICHL, então dirigido pela notável escritora Lena Castello Branco Ferreira de Freitas. Mas, muitas dificuldades ocorreram, principalmente no dia 17 de junho de 2009, em que o curso superior em Jornalismo não foi considerado obrigatório para o exercício da profissão!
Este curso completa, no mundo, 155 anos de existência, pois foi em 1869 que a Washington College, na Virgínia, criou o primeiro curso na área. No Brasil, o primeiro curso de Jornalismo existiu na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, no ano de 1947. Na década de 1960 proliferaram em nível público federal, diversos cursos de Jornalismo, notadamente em 1966 quando passou a existir na UNB e na UFG.
Nesses 90 anos de existência, a Associação Goiana de Imprensa fez história e se constitui memória do jornalismo goiano. Junto a ela, tantos e tantos doaram sonhos, esperanças, talentos que, pouco a pouco criam raízes por esse Goiás a fora.
Bento Fleury (Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado). Graduado em Letras e Literatura pela UFG. Mestre em Literatura pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG. Professor e poeta. [email protected]