No ano de 1924 o escritor Pedro Gomes de Oliveira (1882-1955), então residente na Cidade de Goiás, publicou pela Editora Monteiro Lobato & Cia o seu primeiro trabalho literário, o pequeno livro de contos regionalistas, jocosos e caipiras intitulado Na cidade e na roça. Monteiro Lobato (1882-1948), nascido no mesmo ano do escritor goiano, foi um revolucionário na área editorial. Sua editora, criada a partir da Revista do Brasil, buscou inovar a profissão, com a importação de maquinário, diferencial no pagamento aos autores, o marketing nacional e, inclusive, o uso de capas bem coloridas, nos moldes das cores brasileiras. 

Desde 1923, Pedro Gomes já era professor de Português do Lyceu de Goyaz e substituía Arnulpho Ramos Caiado, que estava licenciado para o cargo de Deputado Estadual. Como grande contador de causos e anedotas, com sua experiência no conhecimento da gente simples do interior, dos acontecimentos corriqueiros na velha capital, decidiu escrever seu livro de contos, dessas mesmas histórias vistas ou ouvidas. 

Enviou, então, os originais, um tanto quanto bagunçados, segundo relatos de Waldir do Espírito Santo Castro Quinta, um de seus primeiros biógrafos, para a editora de Monteiro Lobato para fazer o orçamento e, nesse ínterim, elaborou diversas cartas a amigos, e fez uma lista de possíveis compradores, no anúncio do livro e sua venda prévia e, com isso, conseguiu não só pagar a edição, como, também, ter um relativo lucro nas vendas. O livro esgotou-se rapidamente.  

Foi o segundo livro goiano com divulgação das histórias regionais, fora do Estado, antecedido apenas por Tropas e boiadas, de Hugo de Carvalho Ramos (1895-1921), publicado em 1917 e, também, a Revista Informação Goyana, de Henrique Silva (1865-1935), que desde 1917, divulgava Goiás na Capital Federal. Diferente dos anteriores, o livro de Pedro Gomes trazia a linguagem bastante nivelada com o viver sertanejo, numa forma espontânea de contar, como na oralidade, numa postura bem próxima de seus próprios personagens, como se a conversar, numa boa prosa, com os mesmos. 

O livro foi inspiração para que no ano seguinte, 1925, o capitão Pedro Cordolino Ferreira de Azevedo (1884-1958) publicasse seu livro regional Terra distante, com evocação à velha cidade de Goiás e, também, Víctor de Carvalho Ramos (1893-1976), em 1929, cinco anos depois, com seu poético Mãe Chi, numa demonstração de bairrismo para com a velha cidade de Bartolomeu Bueno. 

Seguia, ele e os outros, o estilo dos escritores Cornélio Pires (1884-1958), autor de Conversas ao pé do fogo (1921); Valdomiro Silveira (1873-1941), que publicou Os caboclos (1920) e Afonso Arinos (1868-1916), autor da obra clássica regionalista Pelo sertão (1898). Era busca da essência brasileira, por meio do conhecimento do povo sertanejo, os usos, costumes, tradições e autenticidade por todo o país; o que seria dimensionado mais ainda, na década seguinte, com os grandes autores do chamado “Romance de 30”, nas obras de Érico Veríssimo, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. 

Em nível de Goiás, seria inspiração para outros grandes autores como Bernardo Élis Fleury de Campos Curado (1915-1997), com seus livros de contos e o romance O tronco; Eli Brasiliense Ribeiro (1915-1998), com seus romances Pium e Rio Turuna; Carmo Bernardes (1915-1996) com seu fabuloso romance Jurubatuba; Bariani Ortêncio (1923-2023), com sua obra regional centrada no ciclo do sertão em Sertão sem fim; Rosarita Fleury (1913-1993), com seus romances Elos da mesma corrente e Sombras em marcha; Humberto Crispim Borges (1918-2017), autor de Vale das imbaúbas e Chico melancolia; Ada Curado (1916-1999), com sua obra Morena; Basileu Toledo França (1919-2003), autor de Pioneiros; Modesto Gomes da Silva (1930-2008) autor de As contas do rosário; Leo Godoy Otero (1927-2016), com sua obra O caminho das boiadas; Ayda Félix de Souza (1916-1992) autora de É a noite e Filão extinto, dentre outros. 

A velha capital de Goiás, no Largo do Chafariz, com a Casa de Câmara e Cadeia e o prédio da Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Goyaz | Acervo de Bento Fleury. 

Pedro Gomes de Oliveira nasceu na Rua Direita, perto da Ponte da Lapa, na Cidade de Goiás em 23 de abril de 1882, ainda no tempo da Província de Goyaz, como se grafava, filho do professor Joaquim Gomes de Oliveira e Ana Joaquina Rodrigues de Oliveira. Teve por irmãos o também professor Constâncio Gomes de Oliveira, nascido em 1886, que foi poeta, músico, um dos fundadores da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Goyaz, nos anos 1920 e, ainda, como ele, um dos patronos da Academia Goiana de Letras. Seu outro irmão José Gomes de Oliveira (1891-1980) foi professor do Lyceu e também jornalista.  

Ponte da Lapa – Cidade de Goiás. Nas proximidades nasceu Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury 

Pedro Gomes estudou com a Mestra Inhola (Pacífica Josefina de Castro), biografada por Célia Coutinho Seixo de Britto (1914-1994), em seu livro A mulher, a história e Goiás, publicado há 50 anos, 1974. Em 1899, com 17 anos já era professor numa sala de operários da Cidade de Goiás. Depois passou ao funcionalismo público como praticante da Secretaria de Finanças, cargo que ficou até 1909, quando ocorreu a chamada “Revolução branca”, que depôs o governo de Xavier de Almeida, parente de sua esposa. Por esse fato, exonerou-se a pedido do cargo que exercia. 

Viveu em Curralinho, hoje Itaberaí até o ano de 1913. Nesse ano voltou à Cidade de Goiás e passou a trabalhar na Secretaria de Viação e Obras Públicas. Ficou por dez anos nesse cargo até ingressar definitivamente no magistério em 1923, no Lyceu, onde lecionou as disciplinas de Português, Sociologia, Aritmética História, Geografia, Francês, Cosmografia; fato que demonstra o quanto possuía de vasto conhecimento em áreas distintas. No magistério público e particular e até a lecionar em casa, trabalhou cerca de meio século.  

Casou com Lídia Xavier de Almeida, de família goiana e desse consórcio teve sete filhos. Trabalhava muito e diversos horários, escolas e aulas particulares para equilibrar o orçamento doméstico, com obrigações e família numerosa. 

Lyceu de Goyaz, de 1846, onde trabalhou Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury

Com a mudança da capital do Estado passou a residir em Goiânia como autêntico pioneiro, na sua modéstia, simplicidade e desapego, como professor e escritor. Em 1942, pela passagem do Batismo Cultural de Goiânia publicou seu segundo livro O pito aceso, pela Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais em São Paulo, com a temática semelhante ao primeiro, em contos originais, de linguagem simples e estilo cristalino. O livro foi patrocinado pelo governo da época, Pedro Ludovico Teixeira, a quem a obra foi dedicada. 

Em Goiânia, o velho professor viveu a rotina de sua existência simples e com sua roda de amigos, suas caçadas, suas pescarias; o cigarrinho de palha sempre aceso, nos casos infindáveis de sua prodigiosa memória. Teve seu conto “O jejum do Senhor dos Passos”, compilado do livro O pito aceso, publicado na Revista Oeste, de 1944. E, nessa mesma revista, sua obra foi analisada por diferentes autores como Carlos de Faria (1916-1959) e Vasco dos Reis Gonçalves (1901-1952). 

Lyceu de Goiânia onde também Pedro Gomes exerceu suas atividades didáticas | Reprodução 

 Já mais idoso, foi entrevistado em longa série pelo seu antigo aluno do Lyceu, depois escritor Waldir do Espírito Santo Castro Quinta (1920-2006), em sua casa, com ele deitado na rede a pitar, a contar sua biografia e suas peripécias jocosas e engraçadas. Também, Bernardo Élis Fleury de Campos Curado (1915-1997), em crônica, relata seu último encontro com o escritor, dois dias antes de seu falecimento. 

Pedro Gomes de Oliveira faleceu em Goiânia em 13 de novembro de 1955. Jamais foi esquecido pelos seus contemporâneos e alunos, por sua invulgar capacidade criadora e estilo literário único. Assim, o antigo Ginásio Estadual de Campinas, fundado em 1947, na Avenida Minas Gerais e, depois, transferido, em 1959, para a Avenida Sergipe recebeu, em 1961, o nome de Colégio Estadual Pedro Gomes, que foi uma das referências do ensino na capital goiana, local onde estudaram nomes importantes do cenário regional e nacional, como Henrique Meirelles, Luiz Bittencourt, Nelson Lopes Figueiredo e local de trabalho de mestres admiráveis como Horieste Gomes. 

O Jornal Quarto Poder nos anos de 1960 também publicou algumas produções de Pedro Gomes, no caderno literário dirigido por Bernardo Élis e A. G. Ramos Jubé. 

Página do Jornal Quarto Poder. Edição de 31 de julho de 1963 | Arquivo de Bento Fleury

No ano de 1980, o escritor Waldir do Espírito Santo Castro Quinta deu publicidade, em número reduzido, de exemplares a uma coletânea dos dois volumes dos livros de Pedro Gomes de Oliveira, o Na cidade e na roça e O pito aceso. 

1982 marcou, no cenário da cultura goiana, o centenário do escritor Pedro Gomes de Oliveira. A folclorista Regina Lacerda (1919-1992) proferiu uma palestra na Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, então dirigida por Rosarita Fleury (1913-1993) e, também, a instituição criou um concurso de monografia sobre a vida e a obra do autor. Nessa ocasião lá esteve seu filho, Irorê Gomes, que prestou importante depoimento sobre a vida e obra do pai. 

Também na data do centenário, 23 de abril de 1982, o jornalista Fernando Martins publicou em página inteira, a biografia de Pedro Gomes de Oliveira no Caderno 2 do Jornal O Popular, então dirigido pelo jornalista Paulo Beringhs. No mesmo Caderno aparece outro estudo sobre o autor, de autoria de Waldir do Espírito Santo Castro Quinta. Ainda recebeu homenagem dos correios e Telégrafos por meio da dedicação de sua sobrinha Leda Xavier de Almeida (1927-2022), escritora, membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás e autora do livro intitulado Gente. 

Ao longo dos anos, Pedro Gomes foi analisado por diferentes críticos literários como Gilberto Mendonça Teles, Nelly Alves de Almeida (1916-1999), Mário Ribeiro Martins (1944-2021) José Mendonça Teles (1936-2018), Brasigóis Felício e vários outros que destacam sua forma original de escrita, a ingenuidade de seus tipos humanos retratados, a tendência para o riso e a sátira e a espontaneidade.  

O cronista Juruena Di Guimarães (1913-1980) descreveu o autor em pungente crônica em sua coluna “De binóculo”, do Jornal Folha de Goiaz, edição de 27 de junho de 1961. Relata o jornalista sobre a possibilidade da construção de um prédio em Goiânia, que levaria o nome de Pedro Gomes. Parece que a ideia não foi levada adiante e nesse mesmo ano foi nomeado para o ginásio de Campinas. Louvou a modéstia do autor, suas conversas à sombra do abacateiro do quintal, seu quartinho entulhado de jornais, livros e palhas de cigarro; suas pescarias e o jeito sábio e engraçado, que carregou para toda a vida. 

Crônica de Juruena Di Guimarães sobre Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury 

Antonio Geraldo Ramos Jubé (1927-2005) publicou em 25 de abril de 1972, no jornal Cinco de março, em comemoração aos 90 anos do autor, uma matéria intitulada “Pedro Gomes, o humorista”, em que destaca a despreocupação do contista com a técnica formal e os cânones literários; o que o tornava original.  

Nesse mesmo ano, nessas comemorações, o escritor Waldir do Espírito Santo Castro Quinta publicou uma série de reportagens no Jornal Folha de Goiaz de 10 de dezembro de 1972, sobre Pedro Gomes, desde seu tempo de praticante da Diretoria da Secretaria de Interior em Goiás, velha capital e o intitulou como “Grande contador de causos”. Relata que fazia parte do “Bloco pau”, que pregava peças engraçadas em pessoas circunspectas, em Goiás, nas visitas oficiais no horário de dormir. 

Ele sabia das imperfeições humanas, segundo o crítico, e escudava-se da maldade ao retratar seus livros não como literatura, mas como uma forma simples de contar fatos e acontecimentos vividos pelo povo goiano. Tinha o estilo picaresco de Manuel Antonio de Almeida (1831-1861), autor do clássico Memórias de um sargento de milícias. 

Ainda por época do centenário de Pedro Gomes, o jornalista Roberto Pimentel escreveu sobre ele e também Pedro Gomes recebeu uma homenagem na Academia Goiana de Letras. Também em 09 de setembro de 1982, o escritor Bernardo Élis publicou uma crônica no Jornal Diário da Manhã sobre a trajetória de Pedro Gomes, suas jocosas histórias, seus chistes e piadas e relembrou seu tempo de aluno no velho Lyceu. 

Eli Brasiliense Ribeiro (1915-1988) também destacou a forma em que conheceu Pedro Gomes em matéria no Jornal Diário da manhã, datado de 30 de setembro de 1982, por época do seu centenário. O autor de Pium descreveu seu interesse por leituras e a descoberta do livro Na cidade e na roça numa biblioteca em Porto Nacional. Depois sua vinda para Goiânia em 1936 e seu encontro com o velho mestre e a amizade que os uniu por toda a vida. Destacou o tempo em que foram vizinhos nas minúsculas casas da Rua 14, nos primórdios de Goiânia. 

Seu filho Irorê Gomes de Oliveira foi casado com Divina Ungarelli de Oliveira e seu outro filho Canari Ussanã foi casado com Maria Inês de Oliveira. Sua descendência tem destaque na área cultural, jurídica e jornalística. 

Na cidade e na roça surgiu há cem anos, com 27 contos e 158 páginas. Eram em grande maioria contos curtos, de linguagem direta, parágrafos geralmente curtos, com o linguajar tradicional do povo do sertão. A Cidade de Goiás aparece inteira na obra, derramada em lugares simples, gente do cotidiano da cidade; fatos pequenos de uma comunidade diminuta, fechada em si mesma, num tempo recuado na história, de cem anos passados. 

No conto “O Cherubino” (que hoje se escreveria Querubino), o autor retrata os tipos curiosos da antiga Cidade de Goiás. Os parágrafos são curtos e movidos por humorismo em retratar o modesto funcionário público em Vila Boa e a questão (antiga e atual) da compra de votos por época das eleições. Mostra a esperteza em vender seu voto a todos os candidatos. Ao final, nos versinhos, na cédula eleitoral, diz ter ganhado 84 mil réis na venda de seu precioso voto. Cem anos se passaram e nunca foi tão atual como agora… 

“Também foi só” é outro conto do livro, de curioso título, em que o autor expõe a figura de Ignácio Pitaluga e suas manias. Nesse conto, o autor se revela em diálogo indireto com o leitor, como se fosse interlocutor que conta a história. Era ele morador do Beco do Cotovelo, na Cidade de Goiás; era negro e velho e vendia frutas no antigo mercado da cidade. Sua mania era contar vantagens de suas brigas. Relata uma história em que saiu todo machucado e arrematou “que era só aquilo”, daí o título. 

Em “Padre Bento” a narrativa ocorre no Sudoeste do Estado, sem, contudo, dizer o nome da cidade. O referido padre tinha 70 anos e era fabricante de folhinhas de calendário muito utilizadas no passado, desparecidas hoje, em maioria, massacradas pelo uso do celular. Ao registrar datas e calendários fez modificações conforme a vontade do sobrinho e publicou a mesma, com sua interferência pessoal. 

No conto “Progresso cá no sertão” o autor inicia a discussão sobre os empreendimentos novos no Estado de Goiás naquela época, a falta de profissionais qualificados e destaca uma cidade anônima, apenas com a inicial “B” no fato da instalação da luz elétrica. Ali morava o Capitão Boaventura, que viera de outro arraial do sertão e visitou o amigo. Falaram sobre os gatunos e, ao voltar para casa, imaginou ter levado uma paulada e os bate-paus (polícia da época) buscaram pelo bandido. Na verdade, ele havia batido a cabeça num poste de luz. 

Cidade de Goiás com sua gente, suas festas e eventos na época da narrativa de Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury. 

“Idem, idem” é o curioso título do conto em que revela que o então governo do Estado, na época, havia encarregado Macedo Junior para os serviços da estrada de um arraial, também sem nome. Começou o serviço com um caipira local e no original deveria fazer os pontilhões sobre os rios. Fez apenas alguns, pois no papel dizia ser idem, idem, idem… 

Já em “O Joaquim Pandiló” destaca o personagem que nomeia o conto, que morava em Goiás, capital; era benquisto, bom sertanejo e grande caçador. Ele contava muitas histórias mentirosas de caçadas, em que os ouvintes ficavam extasiados, até que sua esposa resolveu meter-se na conversa e atrapalhar suas narrativas. Outro “O Zé de Campos” também dá título ao conto em que o mesmo era velho e morava no Beco do Canivete e, como inspetor do quarteirão, função existente naquela época, atestava os falecidos em sua área de atuação e tinha uma maneira muito peculiar de fazer os registros. É comum os títulos dos contos trazerem mesmo o nome dos seus personagens principais, inclusive com apelidos. 

No conto “Cozinha como ovo” destaca a figura de Lourenço Alves, negociante em frente ao mercado da Cidade de Goiás e que lesava seus fregueses de maneira ardilosa, até ser vingado por um roceiro que lhe vendeu feijão velho, que não cozinhava, na utilização do cozimento como ovo, que, quanto mais cozinha, mais duro fica. Em “Petição inicial” descreve Manuel de Almeida que, no desejo de não pagar um advogado na cobrança de uma dívida, resolveu ele mesmo peticionar e o fez de forma muito equivocada. São pequenos acontecimentos jocosos da gente simples na pacatez da Cidade de Goiás. 

No conto “Fortunato Bonzão” o narrador descreve o personagem como sujo, seboso, barbudo. Solteiro, vivia de aluguéis e não trabalhava. Medroso e maníaco foi vítima de troça de Joaquim de Sá Lúcia num piquenique na Cachoeira Grande com uma falsa picada de cobra. Em “Casamento civil… na igreja” narra sobre o velho Luiz Gonzaga, que era professor primário no Povoado da Barra. Destaca a decadência do lugar e o mesmo era um filósofo, um pensador do lugar. Com o advento da República muniu-se de casamenteiro-mor e fazia o termo civil, na igreja. 

Mercado da Cidade de Goiás. Cenário para alguns contos de Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury 

“Major Anacleto” é o conto em que narra sobre o tempo da Guarda Nacional, com a figura do Major e fazendeiro Anacleto que assumiu a Força Pública da Capital, sem os prévios conhecimentos. Numa cerimônia fúnebre do Major Esperidião dos Anjos, não sabia os procedimentos com seus subordinados. Em “O Lúcio” destaca um sertanejo sem modos com as damas e, irmão de uma viúva, teve um procedimento inadequado com uma visita de senhora idosa, na casa da irmã. Novamente, os nomes dos personagens como títulos dos contos. 

As ruas de Goiás e sua gente, cenários dos contos de Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury 

O conto “O Quaresma” narra a história do soldado do 20º Batalhão de Infantaria da Cidade de Goiás e que fazia diligências pelo interior. Pediu comida a uma senhora em Rio Claro e, na negativa, fez uma vingança com suas galinhas, que deu certo. Já em “O recruta” narra a história do soldado com o braço aleijado do 20º Batalhão de Infantaria que, numa consulta com o Dr. Fóggia (Vicente Moretti Fóggia) foi descoberta sua trapaça, por meio de uma cilada ardilosa feita pelo médico. Nesse a figura real do médico em Vila Boa ainda no século XIX. 

Em “O João Maria” narra a história do velho encarregado do posto telefônico de Itapirapuã e mostra suas trapaças com a esposa e as mentiras escabrosas que fazia para safar-se de castigos. Em “Tipos de rua”, o autor perfila as pessoas, na Cidade de Goiás que perambulavam pelas ruas e becos da antiga capital como Firmino boi, Funga-funga, Benedito cego, Chibiu, Zé mangarito, Joaquim Monjolinho, João gangorra, Miguel patão, Cocão, Sá Clara, Lulu não quer, Raposinha, Fogo pago, Galinha no anzol, Benedito gréca, e histórias do leiloeiro e do Zé Raphael e os malogros de falso entendimento. 

“A morte do Candinho” é outro conto que narra a história de um escravo forro que foi preso e jurado de surra no pelourinho. Fugiu e foi novamente preso e condenado à morte na execução do Largo da forca. Mostra o horror desse espetáculo que existia naquele tempo. Em “O Donato” narra sobre esse personagem descrito como feio e estranho, boêmio, jogador inveterado e criado pelo cônego sovina. Em Morrinhos, ele participou de um júri e defendeu um pobre. Sua defesa foi mal interpretada e não se sabe se acusaram ou absolveram o preso. 

No conto mais longo denominado “Um defunto na roça”, o autor descreve, em minúcias, como eram os preparativos de velórios naquela época, na zona rural. Pedro Dunga é o personagem, morador próximo ao ribeirão pedregulho. Sua agonia é longa e destaca os curandeiros e suas mezinhas, até a vinda do médico Dr. João Grisósti. Quando faleceu, os detalhes do arranjo do corpo, os preparativos e a saída do corpo em rede, para o cemitério da cidade. 

Rua 12 de maio. Cidade de Goiás. Óleo sobre tela de Célia Coutinho Seixo de Britto (1990) | Acervo de Bento Fleury. 

Em “Nicolau Cassununga” narra a história de Chiquinho Maciel, que era boiadeiro e empenhara a palavra de estar em Pedra branca em tempo hábil. Era longa a fazenda, péssimo o caminho e cheio de animais peçonhentos e um conhecido bandido Nicolau Cassununga, que roubava os que ali passavam. Na sua mula Dondóca armou um plano e conseguiu passar, mas teve que matar o bandido. Em “Láurea” narra os partos nos sertões, por meio da personagem Josepha parteira e o parto de Bastiana. Era no sítio do Quirino, na estrada de Cuiabá. Narra toda sorte de costumes e simpatias, vistas com crítica pelo estrangeiro Mister Willian ali presente, inclusive com a inusitada escolha do nome da menina. 

No conto “O velho Matias” narra o fato do agregado na fazenda do mineiro, morava no rancho a beira do riacho e criava um moleque que muito judiava. Mostra a igreja a pedir prendas para leilões e o sovina não auxiliar. Em “Mutirão” o narrador descreve com minúcias esse costume sertanejo, depois aproveitado como mote pelo então político Iris Rezende Machado (1933- 2022). São personagens Antonio Palmito e Compadre Pifânio. Mostra o trabalho, a preparação, as cantigas de eito (depois gravadas nos discos de Marcus Pereira, no governo Ary Valadão), as comidas e as cantorias e catiras a noite. É um conto bastante descritivo e serve para elucidar esse costume que se perdeu no tempo. 

Ponte do mercado. Cidade de Goiás. Óleo sobre tela de Lizenor Lewergger | Acervo de Bento Fleury 

“O Pinto Nicácio” é curioso título do conto que destaca o personagem com essa denominação, trabalhador da fazenda Irara, do Major Fernandes. Órfão, trouxe para junto de si a viúva Libânio para cuidar de suas coisas e descreve o celibatário Major Fernandes, que viera do arraial do Pinga Fogo. Outra personagem é Joaninha do Mundé, sedutora, que Pinto Nicácio chega à casa da mesma, depois de perder-se no mato. Segue a história de amor platônico entre ambos. É o mais longo conto do livro, com belas descrições de nossos hábitos e costumes sertanejos. 

O último conto do livro traz um personagem real, Luiz Ramos de Oliveira Couto (1884-1948), poeta e jurisconsulto vilaboense, contemporâneo de Pedro Gomes e que na narrativa é colocado no tempo inicial de sua vida jurídica, como advogado. Este pegou uma causa de um italiano pobre para poder exercitar sua verve advocatícia e preparou bela peça oratória, inclusive a citar a mãe do condenado ali presente, que na verdade não era e a mesma sabia da culpa do italiano. 

Os tipos populares de Goiás como as carregadeiras de água, presentes na narrativa de Pedro Gomes | Acervo de Bento Fleury. 

O tipo de narrativa jocosa e regional em Goiás tem também notável atuação com outro vilaboense Octo Marques (1915-1988), com seus contos picarescos e ambientados na Cidade de Goiás, bem como Maximiano da Mata Teixeira (1910-1984), com suas narrativas centradas em ambientes rurais e interioranos, a descrever fatos engraçados de nossa gente. 

Recentemente, o escritor e médico Ademir Hamu publicou um livro sobre a biografia de Pedro Gomes, de 156 páginas, dentro de uma série de cinco obras já lançadas com o título em coleção denominada “De Goyaz a Goiás”, em que perfilou diferentes nomes de personalidades da velha capital, os dois primeiros genéricos e os seguintes com as biografias, em separata, de Hugo de Carvalho Ramos, Mariana Augusta Fleury Curado (Nita Fleury – 1897-1986) e, agora, Pedro Gomes. Trabalhos de notável envergadura e que registram a história goiana por meio de seus protagonistas, notadamente na área cultural e literária. 

Ademir Hamu. Médico e pesquisador com várias biografias de vilaboenses ilustres | Foto: Reprodução 

Ademir Hamu, mineiro de Paracatu, antiga Paracatu do Príncipe, com ligação direta à Província de Goyaz, no passado, goianizado por sua atuação médica e intelectual em nosso Estado há muitas décadas, tem se destacado no cenário intelectual por sua extensa obra, múltipla e polígrafa, em diferentes modalidades. 

Tem produções em poesia e prosa, em obras como O outro braço da estrela, Travessia de gente grande e Bebel em poemas livres e de grande sonoridade. Enveredou ainda pela literatura infantil, com seus filhos, em A ideia da vaquinha. Depois, iniciou suas pesquisas históricas e biográficas para a produção dos cinco alentados volumes sobre personalidades culturais e sociais da Cidade de Goiás. Os três últimos com aprofundamento individual sobre as personalidades intelectuais de Hugo de Carvalho Ramos, Nita Fleury e Pedro Gomes. 

Nesse último, lançado no mês de agosto de 2024, conforme destacou o talentoso jornalista Euler Belém, na edição do Jornal Opção de 01 de setembro do corrente ano, traz, além da biografia do contista goiano, reúne também extensa fortuna crítica sobre o autor, nas produções de Gilberto Mendonça Teles, Genesco Ferreira Bretas, Antonio Geraldo Ramos Jubé, Nelly Alves de Almeida e Bernardo Élis. Também transcreve três contos de Na cidade e na roça e dois contos de O pito aceso, além de um conto do livro original Flor de caraíba, deixado inédito pelo autor. 

O biógrafo Ademir Hamu é membro da UBE-GO, da Academia Goiana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os povos do Cerrado. A biografia de Pedro Gomes vem, segundo o próprio autor, colocar o contista no seu lugar, para perpetuidade de sua produção que o tempo recua e afasta, conforme caminha a história. 

Os cem anos do livro Na cidade e na roça destaca o talento de Pedro Gomes no registro de fatos miúdos e corriqueiros da velha capital goiana, nos últimos anos de sua existência enquanto sede administrativa do Estado. Registra acontecimentos, pessoas, lugares, usanças e detalhes que eternizam aquele tempo antigo, por meio da magia da palavra. 

Viva Pedro Gomes!