Laila Issa Navarrete Fernandez: O colunismo social e o cinquentenário de sua produção literária
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10 dezembro 2024 às 09h57
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Laila Gabriel Issa Navarrete Fernandez foi uma grande mulher. Grande em tamanho. Grande em talento. Grande em carisma. Imensidão em ternuras agasalhadas num coração generoso. Teve a rigidez dos cedros resistentes aos ventos do Líbano distante. Trouxe, no sangue, a força dos imigrantes sonhadores, que deixaram suas sagradas terras e, com o fogo do entusiasmo, plantaram novas searas; notadamente na bela terra de Santana das Antas, a hoje próspera Anápolis, de tantas histórias de libaneses.
Seu pai, Gabriel Abrahão Issa nasceu no Líbano em 1910, há mais de cem anos e, pelo sonho também de seus pais Abrahão e Fariza, veio ter ao Brasil na busca de oportunidades, no ramo do comércio. Aos dez anos, em 1920 estava Gabriel na bucólica Anápolis, florescente vila no chão goiano.
Na esquina da Rua Barão do Rio Branco, em Anápolis, os galhos floresciam em ramos seguros. A loja de Abrahão e Fariza cumpria sua rotina e propiciava crescimento ao filho Gabriel, logo encantado por Yameme Hajje Issa, na busca de outros sonhos, de outros encantamentos, na graça de ser pai e carregar nos ombros a bênção do matrimônio.
Desse cadinho nasceram Sálua, Laila, Habib, Nassib, Vilma e Abrahão Neto. Elos de uma corrente importante, que tanto orgulho e beleza já trouxeram à terra goiana, com seus talentos e suas inspirações, na medicina, no comércio, na política, no jornalismo – trouxeram o sagrado amor libanês, na crença do trabalho e da evolução e iluminaram a terra de Goiás!
Na “Casa Combate”, se combateu o bom combate, com certeza. Irmanados na esperança de dias melhores, cresceram todos, crendo na força que nasce em cada um. Esse é o berço dessa mulher-monumento que se chama Laila Navarrete!
Os primeiros estudos, Laila os fez no Colégio Brasil Central em Anápolis, de passagem pelo Colégio Couto Magalhães e, depois, o secundário no Colégio Auxilium. Este estabelecimento de respeitável história foi fundado em 31 de maio de 1937 pelas Irmãs Salesianas Zita Lanna e Tereza Quadros, integrado à Rede Salesiana de Escolas. De sólida formação, trouxe o conhecimento e os valores morais e éticos a esta extraordinária goiana, de ascendência libanesa.
Laila viveu aquela fase áurea de Anápolis, cidade de opulência cultural, tão bem descrita nas páginas magistrais de minha parenta saudosa, Haydèe Jayme Ferreira e Humberto Crispim Borges. Laila é do tempo do Clube Recreativo Anapolino (CRA), fundado há 80 anos por Luiz Caiado de Godoy e Orlando Mota.
Anápolis de James Fanstone e o Hospital Evangélico Goiano; de Aquiles e Carlos de Pina, de Célia Siqueira Arantes, de Jarbas Jayme, dos Cines Vera Cruz e Imperial; de Vicente Puglisi; do cartório de Francisco Campos Amaral; das músicas de Américo Caetano; do Jazz-band de Max Mellazzo; do tempo dos prefeitos Jonas Duarte, Plácido Campos, Jamel Cecílio, Anapolino de Faria; das pinturas de Osvaldo Verano; do tino empresarial de Jibran El Hajje; dos talentos de José e João Asmar e Ursulino Leão nas letras e história; dos nomes à política estadual com Henrique Santillo, Onofre Quinan, Ronaldo Caiado, Henrique Meirelles e tantos, tantos outros nomes que compuseram a bela quadra da vida, de “primaveris quimeras”, como, um dia, asseverou o notável poeta Constâncio Gomes.
De sensibilidade aflorada Laila Navarrete iniciou, ainda aos 14 anos, a sua produção de poemas. Depois, se destacou como cronista admirável, ao relatar os fatos e os acontecimentos da gente anapolina, de tantas eras e sonhos.
Casou-se com Miguel Navarrete Fernandez e desse consórcio teve os filhos Gabriel, Mônica, Rafael e Miguel. Passou pela dor irreparável da perda de um filho tão moço, chamado por Deus quando a vida ainda lhe sorria. Depois de seu falecimento, também nos deixou sua filha Mônica.
Forte como os cedros resistentes do Líbano, Laila Navarrete prosseguiu na sua senda idealista. Amparada pela fé em Deus e em si mesma, seguiu pisando o solo ardente da dor da separação irremediável e compulsória. Mas, pisou sem vacilação, o itinerário da vida, com suas dores e se fez semente e messe.
Cedo, Laila Navarrete ingressou no jornalismo e a partir de 1969, há 55 anos passados, de forma pioneira, se profissionalizou. Foi ela primeira mulher a integrar a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Goiás, por cinco mandatos consecutivos. Foi combativa e lutadora pelo fortalecimento da classe e pelos direitos inerentes à profissão.
Na atuação jornalística, Laila Navarrete esteve nos jornais O Popular, Cinco de Março, Folha de Goiaz, O Anápolis, O Correio do Planalto. Também, publicou trabalhos no Jornal do Comércio, de Recife, alem do Jornal Opção. Em revista já atuou em Festas e eventos, de grande talento e profissionalismo.
Sua revista Black Tie, por muitos anos foi referência de elegância, sobriedade e glamour da fina sociedade goiana e goianiense; prestigiada em suas páginas de belíssima impressão, de excelente qualidade gráfica. Grandes e notáveis homens, finas e elegantes mulheres ostentaram suas figuras nas capas da revista; uma em especial, belíssima, que figurou minha parenta Rosa Alzira Jayme, empresária goiana, há mais de vinte anos lançada; até hoje comigo guardada.
Outra faceta desta polígrafa jornalista, colunista social goiana foi a poesia. Instigada por seu próprio talento, Laila Navarrete publicou, em 1974, exatamente há 50 anos, o seu livro de poemas intitulado Espelho fosco, com capa de Eddie Esteves, prefácio de Ursulino Leão e orelha de Anatole Ramos.
Nascia a poetisa em meio à efervescência da própria vida e o transbordamento de muitas emoções. Na segunda capa de seu livro, consta ser ela a primeira Anapolina a escrever um livro de versos. A ela seja dada essa honra de traduzir, nas letras, o pensamento e a filosofia de vida da mulher de Anápolis.
Sua poesia é fruto de um amadurecimento temático e de uma afirmação perante a vida e as contradições do destino. Há belos poemas onde o eu-lírico se mostra, ora arrebatado, ora difuso, ora incompleto, ora entusiasmado. São as facetas reconfiguradas pelo espelho indefinido.
O estilo de Laila Navarrete é cristalino. Palavras fluem mansas, serenas, doces; ora latentes e queixosas a nos mostrar tantas faces que ostentamos nos espelhos da existência. Há palavras aprisionadas, não ditas, mas pressentidas no jogo semântico do indizível.
Espelho fosco é um livro denso, bem elaborado e se destaca nas letras goianas, nesses 50 anos de publicação. Bem merecia uma segunda edição ampliada e revista pela autora; essa grande, altiva, nobre e bela dama goiana, a nos lembrar os cedros rijos do Líbano, que não soçobram às brisas e tempestades de cada tempo.
Na força poética de Laila Navarrete há resistências incomensuráveis. Há entrega, florescência; há abstrato e concreto, lúcido e diáfano, luz e sombra; jogo de palavras e neologismos a nos fazer meditar o sentido da vida; que, é, senão, o da entrega mesmo; já que vivemos pelo amor e dele não fugimos nas contradições e desacertos desse mundo, “pois quem ama não descansa, até morrer”, cantou um dia, o admirável Francisco Petrônio.
Fez ela de sua vida a eternidade em cada efêmero instante; planta amanhãs, e, o sempre se firma em cada momento, na sonoridade eternal e evocativa de seus lindos versos. O livro teve capa de Eddie Esteves, orelha de Anatole Ramos e prefácio de Ursulino Tavares Leão, com 133 páginas, 55 poemas, alguns com ilustrações.
Agora os seus 90 anos. 10 anos de sua morte e 50 anos da publicação de seu livro. Datas emblemáticas e inesquecíveis para nós.
Dedicou o livro ao então Secretário de Interior e Justiça de Goiás, Dr. Afonso Luiz Prestes Paranhos. Os temas são a saudade, o tempo fugidio, os anos perdidos, a solidão, a angústia e a efemeridade da vida. Trabalha com as imagens e o duplo do espelho, embora embaçado: “Não vejo nada/meu rosto ficou atrás/parado no passado”. (p. 13)
Versos curtos, livres e sem rimas: “Quem te matou/doce menina/de tranças inexistentes?” (p. 15). Erotismo romantizado: “Nem o orvalho correrá em êxtase/na carne jovem/como o desabrochar de uma flor”. (p. 18). O mito da imagem e do espelho, sempre recorrente.
Termos bonitos, líricos e doces. Eternidade dos momentos Morte “Quando um ramo de lírios/murcha mansamente sobre a tumba” (p. 27). Encontros, reencontros, perdas. Lembranças. O amor sublime. Solidão do poeta (p. 35). Palavras presas na alma. Mote de perguntas sem respostas (p. 43).
São pedaços sutis da iluminada poesia de Laila Navarrete. Tem poemas pílulas, breves (p. 43). Há preces e louvores, ansiedade e busca, com ternuras inconfessas e o vazio da saudade, com a ilusão da paisagem, numa tarde ao morrer das horas…
Traz o mito das cinzas, a reconciliação do amor, a dualidade entre o querer e o não querer, com as mínimas amarguras que todos vivem, diante do fim. “Onde estão as horas de seus olhos?” (p. 65). Apresenta a metáfora de um pedaço de papel na infinita criação das coisas. Pintura abstrata a revelar o turbilhão em que todos vivem nas incertezas eternas.
Uma poesia consciente do papel da mulher há cinquenta anos passados. Como é rápida a vida no fugidio instante da criação.