Escola de aprendizes e artífices da Cidade de Goiás

29 outubro 2022 às 00h34

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Goyaz, velha capital goiana, ano de 1909. Distanciada dos centros geográficos do país, a antiga urbs do Anhanguera vivia mergulhada em sua existência plasmada em pequeninos acontecimentos cotidianos, mergulhada na placenta verde das matas, abrigada pelos morros verdejantes. “Uma cidade onde tiraram o ouro e deixaram as pedras”, no dizer poético de Cora Coralina.
Com a virada política desse ano de 1909, depois da “Revolução Branca ou da Quinta”, o universo do poder havia sofrido forte modificação. Contudo, as mesmas limitações e mesmas contradições seriam verificadas, ainda mais no meio acanhado de então, com uma política tacanha, perseguidora, num lugar em que o ditado corrente era válido: “cidade pequena: língua grande!”.
Não só a poética Vila Boa vivia o restrito ambiente social, outros rincões do Brasil também tinham universos limitados não só geograficamente, mas politicamente, socialmente, ideologicamente. Eram velhas estruturas que lutavam pela continuidade do poder, daí a limitação também ao florescer das ideias libertárias da juventude, como tantas vezes Cora Coralina expressa em seus versos.
Um fato auspicioso, porém, veio modificar o ramerrão diário: A fundação da “Escola de Aprendizes e Artífices”, em nível profissionalizante, que viria propiciar melhoria da mão de obra local, abrindo possível campo de emprego e de ganho num lugar de dinheiro pouco e custoso; ganho no suor e no muque.
Goiás era uma cidade pobre, com poucas oportunidades de emprego, limitando-se ao serviço público, a um comércio insipiente, no mais, havia muita gente empobrecida, vivendo sem emprego fixo, com muita injustiça social, ou gente outrora rica e que vivia de aparências, tentando sobreviver aos solavancos de um destino duro, impiedoso e nas esperanças ceifadas pela pouca opção de melhoria.
Trabalhava-se do dia todo na enxada, limpando um quintal em troca de um litro de banha! Pobre, em Goyaz, velha capital, sofria em demasia e não havia, até então, nenhuma luz no fim do túnel.
Alguém um dia ainda haverá de escrever sobre as condições de trabalho para os analfabetos na Cidade de Goyaz, no tempo da antiga capital. Surgirão páginas dolorosas de exclusão, segregação e exploração.
A Escola de Aprendizes e Artífices veio abrir uma perspectiva de emprego e de salário a quem não possuía instrução ou não podia estudar no Lyceu ou na Escola Normal, ou quem não fazia parte daquela sociedade fechada em rígidos preceitos e nos laços familiares.
Foi somente nesse fim de década de 1900 que esta situação começou a se modificar em Goiás. Nesse período, já havia a Faculdade de Direito, funcionando ainda precariamente, a Academia de Letras de Goyaz, fundada e presidida por Eurydice Natal e Silva, O Lyceu, a Escola Normal Oficial, mas ainda muito ligados ao poder dominante.
Uma pequena chama de esperança de quem não tivera a oportunidade de estudar e ter emprego apareceu com a Escola de Aprendizes e Artífices. Esta já prestava relativo serviço a outros tipos de instrução mais técnica e profissionalizante, com cursos para sapateiros, marceneiros, alfaiates, seleiros e desenho, além de um curso para comércio, gênese de Contabilidade.
O primeiro diretor dessa escola foi Claudino Valèe, seguido de Leão Di Ramos Caiado que ficou até a Revolução de 30; quando passou à direção de Antonio de Oliveira Lisboa, este permaneceu até 1961. As aulas eram frequentadas por muitos alunos que ali buscavam uma oportunidade de trabalho que não fosse somente o da roça, mal remunerado e quase escravo.
Esta escola permaneceu na velha capital, Cidade de Goiás, até 1942, época em que foi transferida para Goiânia, sob denominação de Escola Técnica Federal de Goiás, e foi em nível superior, conhecida por CEFET; hoje IFEGO, também em nível de formação superior. Cabe aqui a referência a Doralice Cupertino de Barros Lisboa (1900-1967) que foi prestativa auxiliar dos alunos pobres da escola, oferecendo alimentos e remédios, como verdadeira mãe e que por isso recebeu um busto, esculpido pela notável artista Neusa Rodrigues de Moraes, que hoje está ostentado à frente do prédio em Goiânia, na pracinha que também leva o seu nome.
No insipiente início dos estudos de “práticas de escrita comercial” na Escola de Aprendizes e Artífices da Cidade de Goiás teve destaque a atuação da renomada mestra Maria Henriqueta Pèclat (1886-1965) que chegou também à diretoria, mesmo, como oposicionista ao governo, sofresse tantas vezes algumas represálias, nunca se absteve do direito de luta por suas ideias, escrevendo artigos inflamados no jornal Voz do povo, que se opunha à política de então.
Por esses revezes políticos e falta de apoio jurídico, o curso de “Práticas de escrita comercial” não foi avante, deixando de formar turmas que se iniciaram; ocorrência que muito desgastou a Escola naqueles tempos; criando um clima de insatisfação entre os estudantes que se matricularam, fato que foi narrado no relatório do inspetor de Instrução Pública desse período, João Alves de Castro.
Com a transferência para Goiânia em 1942, ano do Batismo Cultural, o prédio imponente da nova escola foi utilizado para programações do evento, fato que havia ocorrido dois anos antes com a visita de Vargas às obras do mesmo. Durante décadas, ofereceu cursos técnicos em nível secundário e profissionalizante nas áreas de Estradas, Saneamento, Posturas e Edificações, além de mecânica; formando centenas de profissionais que atuaram com eficiência no mercado.
Na Escola Técnica Federal de Goiás foram professores os não menos notáveis escritores José Lopes Rodrigues e Bernardo Elis Fleury de Campos Curado, ambos da Academia Goiana de Letras e o último da Academia Brasileira de Letras. Também, o músico inspirado, Odilon Kneipp Fleury Curado foi professor ali por várias décadas.
Nomes simples ou ilustres fizeram a história da antiga Escola de Aprendizes e Artífices, nascida em pleno começo de século XX na antiga e poética Cidade de Goiás. Esta instituição foi o raiar libertário de tantos goianos na busca de dignidade e cidadania.