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O século XX foi definido por dois eventos antagônicos que moldaram profundamente a ordem mundial contemporânea: a destruição catastrófica representada pelas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki (1945) e a simbólica queda do Muro de Berlim (1989). Estes episódios históricos, aparentemente desconexos, revelam-se fundamentais para compreender as complexas dinâmicas geopolíticas do século XXI, particularmente o atual cenário de múltiplas crises internacionais que ameaçam a estabilidade global.

A explosão das bombas atômicas não apenas acelerou o fim da Segunda Guerra Mundial, mas inaugurou uma era de paradoxos estratégicos. A ameaça nuclear impôs um “equilíbrio do terror” durante a Guerra Fria, onde potências como EUA e URSS evitavam conflitos diretos para evitar aniquilação mútua. Contudo, esta mesma tecnologia que prometia “paz através da dissuasão” gerou crises como a dos mísseis em Cuba (1962), quase levando ao apocalipse. O armamentismo nuclear criou assim uma paz instável, baseada na sombra constante da destruição total, herança que permanece conosco na atual corrida armamentista.

A queda do Muro de Berlim foi celebrada como o triunfo do capitalismo e o “fim da história” na famosa tese de Fukuyama. No entanto, os escombros do Muro revelaram fissuras mais profundas: a reunificação alemã expôs disparidades econômicas entre Oriente e Ocidente com custos sociais que perduram décadas depois, enquanto a Nova Ordem Mundial multipolar não eliminou as divisões Norte-Sul, apenas as reconfigurou em novas assimetrias económicas. A euforia inicial deu lugar a nacionalismos e crises identitárias, como visto no Brexit e na ascensão de extremismos políticos globais.

O mundo contemporâneo testemunha uma convergência perigosa de crises geopolíticas que ecoam os padrões históricos anteriores aos grandes conflitos mundiais. O conflito Rússia-Ucrânia transformou-se num ponto focal de tensão entre Rússia e Ocidente, com as recentes negociações entre Trump e Putin revelando a complexidade do impasse: a insistência em que a Ucrânia ceda território versus a recusa em aceitar perdas territoriais. Esta posição reflecte a mesma lógica de “esferas de influência” que caracterizou a Guerra Fria, onde países menores tornaram-se peões no tabuleiro geopolítico das grandes potências.

A crise venezuelana representa outro flashpoint geopolítico crítico, com os EUA aumentando significativamente sua pressão sobre o governo Maduro através de movimentações militares na região. Tal como ocorreu historicamente, justificativas de combate ao narcotráfico são utilizadas como pretexto para intervenções estratégicas, ecoando a invasão do Panamá em 1990. Simultaneamente, o conflito entre Israel e Irã escalou dramaticamente, com ataques recíprocos que, embora improváveis de desencadear uma guerra global no curto prazo, mantêm o risco presente devido à imprevisibilidade e potencial de cálculo errado.

Pesquisas recentes revelam que significativas parcelas da população europeia acreditam numa probabilidade elevada de Terceira Guerra Mundial dentro de 5-10 anos, com a maioria dos entrevistados acreditando que armas nucleares seriam utilizadas num tal conflito. Esta percepção pública é alimentada por declarações alarmistas de figuras proeminentes e corroborada por preparativos militares em curso na Europa, onde países nórdicos emitem instruções à população sobre como agir em caso de ataques e a Suécia distribui panfletos sobre preparação para guerra.

Os paralelos entre o atual momento geopolítico e os períodos anteriores às grandes guerras mundiais são perturbadores: testemunhamos a ascensão de nacionalismos agressivos, corrida armamentista, políticas comerciais predatórias, fragilização do sistema multilateral e revisionismo territorial. Contudo, importantes singularidades distinguem o contexto atual: a dissuasão nuclear cria um paradoxo estratégico onde o potencial destrutivo impõe constrangimentos poderosos sobre a decisão de iniciar conflitos; a interdependência económica global torna conflitos entre grandes potências extremamente custosos; e novos domínios de conflito como guerra cibernética criam novas fronteiras de competição estratégica.

As bombas atômicas e a queda do Muro de Berlim permanecem como monumentos à dualidade humana: capacidade de destruir e de reconstruir. Seus escombros lembram que a paz nuclear é uma quimera, que muros ideológicos persistem e que o futuro, embora imprevisível, não é irracional. A história não terminou em 1989; ela se reinventou nos escombros do passado, cabendo à geração atual aprender com estas lições para evitar a repetição de tragédias. O mundo encontra-se num momento crítico de bifurcação histórica onde a iminência de uma Terceira Guerra Mundial não é inevitável, mas é suficientemente plausível para demandar ação coordenada da comunidade internacional para desescalar tensões e reinvestir em mecanismos diplomáticos. Como ensina a história, grandes guerras frequentemente começam não por desejo deliberado, mas por cálculo errado, escalada inadvertida e falha de imaginação diplomática.

*Abílio Wolney Aires Neto, escritor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.

Bibliografia:

  1. BBC News. “Os alertas da Europa que preocupam o mundo por possível conflito generalizado”. 2025.
  2. OPEB. “A Ofensiva de Trump: Ucrânia na Mesa de Negociação, Venezuela na Mira Militar”. 2025.
  3. UOL Notícias. “Conflito Israel e Irã deve escalar, mas 3ª Guerra Mundial é ‘improvável'”. 2025.
  4. Folha de S.Paulo. “Ucrânia terá de ceder território para Putin, insiste Trump”. 2025.