Dom Pedro II em Goiânia
31 outubro 2025 às 19h56

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O dicionário mais importante da língua portuguesa, o Aurélio, nos ensina que colóquio é uma conversa ou palestra entre duas ou mais pessoas. Pode ser uma troca íntima de confidências ou uma reunião acadêmica ou profissional para debater ideias sobre um tema específico.
Foi exatamente isso que aconteceu nos dias 30 e 31 de outubro na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), que conseguiu reunir historiadores de todo o país e representantes de todos os institutos geográficos nacionais para refletir e discutir a vida, a obra e o legado do brasileiro mais notável durante o VIII Colóquio de Institutos Históricos Estaduais.
Pedro de Alcântara, um homem que dedicou a vida ao Brasil, deixou sua marca indelével por todo o país e foi responsável pela formação e maturação da nação. No próximo dia 5 de dezembro, data que marca o aniversário do último imperador do Brasil, será comemorado o bicentenário do nascimento de Dom Pedro II. O IGHB e o IHGG aproveitaram a ocasião para discutir, em nível acadêmico, o extenso legado do imperador, tema que continua gerando debates até hoje. Pedro, imperador da paz e democrata, foi uma pessoa cheia de energia e iniciativas em prol do progresso, e suas ações ainda reverberam de alguma forma no Brasil contemporâneo.
Em 1876, o imperador estava a caminho de uma feira de ciências na Filadélfia, Estados Unidos. Para honrar um compromisso marcado dez anos antes, Pedro parou em Belém, no Pará, para ratificar um tratado que garantia a navegação do rio Amazonas por embarcações estrangeiras. A visita ficou marcada na história da cidade, que se preparou como pôde para receber o imperador com pompa e circunstância.
Após 150 anos, a história parece se repetir: em novembro, Belém será novamente centro de atenção, desta vez como palco das discussões climáticas mundiais durante a COP-30. O historiador e presidente nacional da ANPUH (Associação Nacional dos Professores de História), Francivaldo Alves Nunes, natural de Belém, contou, em entrevista ao jornalista Herbert Moraes do Jornal Opção, como foi a visita do imperador e o impacto para a capital paraense do século XIX, fazendo ainda uma alusão ao momento atual da cidade no século XXI.

Francivaldo Alves Nunes
HM: Como foi a visita de Dom Pedro II a Belém em 1876?
FR: Dom Pedro II tinha uma visita marcada aos Estados Unidos, onde iria participar das chamadas feiras de ciência, uma espécie de feiras de ciências universais que ocorriam na Filadélfia. Nessa ida, ele resolveu ancorar em Belém para, justamente, recompensar, de alguma forma, o planejamento que havia feito de uma viagem que deveria ter ocorrido dez anos antes, na década de 1860. Em 1867, ele havia planejado ir a Belém para realizar a abertura da navegação do rio Amazonas às nações estrangeiras, pois até então o Amazonas era navegável apenas para embarcações nacionais, havendo um monopólio da Companhia do Mauá. A partir de 1867, o rio passou a receber navios estrangeiros.
HM: De que navios estrangeiros estamos falando?
FR: Basicamente, navios ingleses, por conta do comércio e da relação estreita que o Brasil mantinha com a Inglaterra, principalmente na exportação de produtos agrícolas e extrativistas da região. Esse comércio exigiu do imperador e do Estado imperial a abertura dos portos para embarcações inglesas. Em 1867, o imperador planejava ir a Belém para fazer a sessão solene de abertura, mas a viagem foi cancelada porque a imperatriz Dona Teresa adoecera. Quase dez anos depois, em 4 de abril de 1876, no final da tarde, início da noite, ele chega à cidade, mas só desembarca no dia seguinte. Ele realizou várias visitas, preparadas pela elite local — política, econômica e cultural.
A elite política organizou todo um ritual de recepção do imperador, muitas vezes misturada à elite econômica, já que alguns agentes políticos eram também grandes comerciantes.
HM: Os preparativos na cidade tinham a intenção de mostrar ao imperador que Belém estava pronta para receber o comércio estrangeiro que passaria por ali a partir de então, é isso mesmo?
FR: Exatamente. Havia duas intenções: uma política, para reafirmar ao imperador que a região amazônica não tinha interesse em se separar do Brasil, e outra, de demonstrar que Belém era uma cidade imperial. Para isso, exibiram aparato militar, com infantarias, saudações e tiros de canhão. Além disso, nomearam ruas em homenagem à imperatriz, à Constituição de 1824 e ao próprio imperador, mostrando o vínculo da cidade com o império brasileiro.
HM: E o povo, os moradores de Belém, como participavam desses festejos?
FR: O povo participava, mas sob controle das autoridades, para evitar revoltas. Ele acompanhava saudações e eventos públicos, como missas na Catedral da Sé e cerimônias no cais do porto, onde foi erguido um arco triunfal simbolizando a vitória dos valores do Império do Brasil. A visita também incluía o Teatro da Paz, demonstrando o apreço pelas artes e pela cultura local.
HM: Dom Pedro II sempre fazia anotações em agendas e diários. Ele registrou algo sobre Belém?
FR: Isso será investigado na pesquisa. Conversando com a professora Lúcia Guimarães, especialista em cadernetas do imperador, é provável que sim. Se essa caderneta sobreviveu, em breve poderemos conhecer suas impressões sobre Belém.
No centro comercial da cidade, houve grande recepção na Praça de Comércio. Comerciantes decoraram prédios com símbolos do Brasil e de outras nações, demonstrando a internacionalização do comércio local. Houve também homenagem ao Conde D’Eu, estrangeiro casado com a princesa Isabel, simbolizando a boa convivência com estrangeiros.
Os comerciantes aproveitaram a visita para mostrar que estavam antenados aos princípios da modernidade, como o uso de lampiões a gás e vitrines de vidro, tecnologia cara e símbolo de civilização no século XIX.
HM: Em 1876, o império estava há treze anos do fim. A imprensa criticava atitudes do imperador, como distanciamento da política e viagens constantes à Europa. Como reagiu à visita?
FR: Existiam dois tipos de imprensa: conservadora e liberal. A conservadora, que cobria a visita, foi elogiosa, destacando o projeto do império para a região amazônica. A crítica principal era que a visita tinha pouco efeito prático do ponto de vista político, preocupando-se mais com questões naturais e populacionais do que com ações políticas de desenvolvimento da região.
HM: Os Estados Unidos, inclusive, tinham projetos de colonização na Amazônia, certo?
FR: Sim, tanto americanos quanto ingleses cobiçavam a região. A Amazônia sempre foi alvo de interesse internacional, e o imperador precisava criar políticas que incorporassem a região ao restante do território brasileiro para manter os vínculos com o império.
HM: Hoje, em 2025, a história volta a se repetir em Belém com a COP-30. Dá para traçar um paralelo com a visita do imperador?
FR: Sim, há várias alusões. A região amazônica volta ao centro do debate sobre preservação, povos tradicionais e sustentabilidade. Assim como no século XIX havia preocupação com a integridade territorial do império, hoje discute-se o lugar da Amazônia no desenvolvimento brasileiro e o interesse internacional sobre a região.
HM: E como isso se conecta à discussão nacional?
FR: Coloca a região no centro das discussões climáticas. O aquecimento global, derretimento das calotas polares, secas e alagamentos tornam a preservação da Amazônia crucial para o equilíbrio climático mundial. A história nos ajuda a compreender o presente e construir trajetórias futuras.
HM: Quando Dom Pedro II esteve lá, discutiu-se o impacto da abertura do comércio para a Amazônia?
FR: Sim, o foco era o desenvolvimento comercial, aproveitando mão de obra indígena e ribeirinha para produção capitalista. Hoje, existem problemas semelhantes com organizações não governamentais e garimpo ilegal, que afetam diretamente as populações locais. A COP-30 precisa debater essas questões.
HM: Se Dom Pedro II fosse convidado para a COP-30, como seria seu discurso de abertura?
FR: Seria mais intelectual do que político, preocupado com ciência, universidades e desenvolvimento de políticas públicas para a Amazônia.
HM: Você acha que faltou convidar Dom Pedro II para a COP-30?
FR: Sim, acredito que ele teria comparecido com prazer. Só faltou o convite.
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