Casas de Câmara e Cadeia da Província de Goyaz
28 setembro 2022 às 18h06
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Na história da Geografia em Goiás, há que se pensar no ordenamento urbano das antigas cidades surgidas no alto sertão e a preocupação com a ocupação do espaço pelo poder constituído, assim como a organização de uma estrutura de cidade adequada à convivência coletiva; muito embora, a preocupação inicial tenha sido bem forjada na cata de riquezas minerais que brotavam do solo e dos rios.
Mesmo assim, foi se formando, no território goiano, uma insipiente sociedade, composta por todas as classes sociais, com suas injustiças do tempo; composta por gente douta, rica, nobre, além é claro, dos pobres, dos miseráveis e dos excluídos que sempre existiram no corpus social. E, é claro, também, aqueles que transgrediam as leis. Para estes foram criados os espaços de reclusão a que se deu o nome de Casa de Câmara e Cadeia.
Num ordenamento geográfico pelas primeiras cidades e vilas nascidas no sertão de Goyaz, é possível destacar o surgimento desses imponentes edifícios que, por ironia, contrastavam na paisagem, geralmente pobre e singela de povoados, pois eram sobrados rústicos, mas sólidos, que se erguiam sobre as casas simples e coladas umas às outras das pequenas vilas do ouro. A maioria ficava nas praças e em locais de destaque dentro do ordenamento urbano, como tão bem destacou Gustavo Neiva Coelho, um dos maiores estudiosos de nossa arquitetura colonial.
No bojo da história e da Geografia, desde o período colonial, as casas de Câmara e Cadeia mereceram atenção especial por parte da metrópole. Nelas, se instalavam os órgãos da administração pública municipal.
Em Goiás, a primeira a ser construída foi a Casa de Câmara e Cadeia de Vila Boa de Goyaz, posicionada num dos cantos do Largo do Chafariz, maior espaço urbano aberto e público da antiga capital goiana, imponente prédio em forma de sobrado com janelas e grades, local de reclusão de presos daqueles tempos, muitos deles escravos e assassinos. Esse imponente prédio foi inaugurado em 1766 e se constituiu em prestigio para a Vila, haja vista que superior a seu tamanho e elegância só ficava a matriz, que viva em ruínas ao longo do tempo.
De uma forma geral, as Casas de Câmara e Cadeia abrigavam a Câmara Municipal e os órgãos ligados à mesma, como a Câmara de Vereadores, o Juiz de Fora e o Presidente da Câmara, o Procurador, o Juiz de Direito e o Tribunal, a Milícia e a Cadeia Pública, tudo num mesmo prédio, que ficava geralmente nos chamados Largo do Pelourinho ou Rossio, como também eram alcunhados.
Na maioria das vezes, esses prédios eram grandes sobrados, de dois pavimentos, com amplas salas, plenário para reunião dos vereadores e os julgamentos que aconteciam no segundo andar. No primeiro andar ficava a cadeia e a guarda; o que se chamava também de enxovias.
Com o advento do Império e com a Constituição de 1824, as casas de Câmara e Cadeia nas regiões mais adiantadas do País foram se esvaziando pouco a pouco, com a mudança do Código Criminal e o Ato Adicional, ocasião em que as competências judiciais não poderiam mais ser executadas por autoridades municipais, passando a responsabilidade à Província.
Em alguns casos, as Casas de Câmara e Cadeia também sediaram o Paço Municipal, abrigando a um só tempo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como ocorria em certas cidades da Província de Goyaz, notadamente em Meia Ponte, hoje Pirenópolis, como ressaltou o genealogista Jarbas Jayme.
Lugar da reclusão e da penalidade, as Casas de Câmara e Cadeia eram, em geral, insalubres aos presos e condenados devido a sua estrutura interna, em que o ar saturado das celas, a friagem pela ausência do sol, ou mesmo a sujeira, propiciava a proliferação de doenças e à morte de muitos detentos em razão da tuberculose.
Em outras cidades pequenos espalhadas pelas placentas verdes das matas, as Casas de Câmara e Cadeia se destacavam, como a da Vila de Suçuapara, depois Bela Vista de Goiás, que era um imponente sobrado bem estruturado, superior a todas as outras construções da vila. Infelizmente, pela incúria, esse belo monumento desapareceu.
Também, na vila de São Sebastião do Alemão, depois Mataúna e hoje Palmeiras de Goiás, havia uma imponente Casa de Câmara e Cadeia no Largo da antiga Igreja de São Sebastião, onde eram recolhidos os presos da região. Nem o imponente prédio que era o mais grandioso da vila, nem mesmo a igreja, resistiu à destruição do passado que assolou a cidade no século XX. Ambos foram destruídos e tragados pelo tempo. Nessa fotografia apagada ela ressurge das cinzas.
Na antiga Corumbaíba, foi construída também uma imponente Casa de Câmara e Cadeia em dias do século XIX, constando de um sobrado com janelões de madeira e as enxovias embaixo. Por sorte o mesmo, depois de um tempo de abandono, foi restaurado e hoje serve para as atividades culturais do município, o mesmo que ocorreu com Morrinhos.
Na antiga Pouso Alto, hoje Piracanjuba, a Casa de Câmara e Cadeia também foi construída em dias do século XIX numa praça, constituindo-se em imponente prédio para a estrutura da vila. Era um sobrado de grande estrutura física, amplo, hoje não possui a forma original, mas não foi destruído e serve de sede da Academia Piracanjubense de Letras.
Num mapeamento dos principais prédios que se constituiram em Lugar de reclusão na história goiana, a Geografia Humana abre perspectiva para análise do ordenamento urbano das primeiras cidades goianas, a estrutura e o lócus da convivência e da não convivência, como as Casas de Câmara e Cadeia que foram erguidas naqueles tempos para separar os atores sociais dentro dos limites do aceitável no entrechoque das relações.