Angely Parreira, a história literária e o pastoreio das nuvens
08 agosto 2023 às 16h41
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por Bento Alves Araújo e Jayme Fleury Curado
A Literatura Infantil ou feita para crianças, conforme várias denominações recebidas, sempre esteve ligada à fantasia, ao imaginário, ao lúdico e ao sentimento. Por muitos anos esteve fadada a um plano inferior no contexto dos estudos literários, mas, depois, com o avanço das pesquisas, percebeu-se sua dimensão e seu valor dentro do processo de crescimento intelectual em todo o mundo.
No Brasil, a partir do século XIX muitos escritores passaram a se dedicar aos escritos para crianças, notadamente mulheres, no intuito mais pedagógico dessas histórias, não pelo lúdico, mas pelo senso moralizante e com o objetivo de, por meio delas, ensinar as crianças, com uso, inclusive, em sala de aula. Autores famosos foram Júlia Lopes de Almeida, Francisca Julia, Cornélio Pires, Olavo Bilac, Thales de Andrade, Viriato Correia, sem esquecer, no século XX, o notável Monteiro Lobato, um divisor de águas.
Histórias infantis em terras goianas – o ontem e o hoje
Em Goiás, foi somente no século XX que as primeiras publicações surgiram. O pioneirismo coube a Maria Paula Fleury de Godoy (1894-1982), da Cidade de Goiás, com seus contos infantis publicados na Revista Fon Fon e Revista Feminina em São Paulo, também no Jornal O Lar, nos anos 1920, há um século. Mais tarde escreveu contos infantis na Revista do Clube Militar, do Rio de Janeiro sobre as lendas do Araguaia e os índios Carajás. Depois publicou o primeiro livro infantil A viagem de Nancy, nos anos 1950, o primeiro entre nós.
Depois, Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro (1900-1986) publicou, em 1933, o primeiro livro didático infantil em Goiás, há 90 anos, intitulado Goiaz, coração do Brasil, que foi adotado nas escolas. Nele, havia contos infantis que relatavam aventuras da historiografia goiana. Yêda Sócrates do Nascimento (1906-1995), ainda na Cidade de Goiás, criou uma cartilha infantil denominada “Pituchinha”, de grande sucesso, com narrativas infantis e Regina Lacerda (1919-1992) escreveu o livro infantil Histórias que o homem de bronze contou, sobre a historiografia bandeirante em Goiás.
Essa é a gênese da Literatura Infantil no Estado de Goiás, com o surgimento, depois, de diferentes nomes importantes nesse contexto. Nos anos 1960/1970 outros nomes surgiram como Douglas Avanço (1931-2016), professor da UFG, que deixou os livros infantis Francisco do céu a terra – ida e volta, O capeta 9316, com graça e irreverência.
Marieta Teles Machado (1934-1987) também se dedicou à Biblioteconomia e à Literatura Infantil, com grande e vasta produção dedicada principalmente na discussão da importância dessa área de conhecimento. Publicou O congresso das bruxas, Santo Antonio das Grimpas, Teatro para crianças, Encontro com Romãozinho, O burrinho do presépio, Os frutos dourados do pequizeiro, A traição nas terrinhas do coelho. É uma das mais profícuas nessa área.
A partir dos anos 1980 outros nomes já reconhecidos em produções para adultos em Goiás destacam em Literatura Infantil como Miguel Jorge (1933), consagrado escritor, com as produções infantis Morosinho; Um anjo no galinheiro, Asas de moleque, Ana Pedro, As cores dos bichos. Alaor Barbosa (1940), também se dedicou aos livros para crianças com Saci e o Romãozinho, além de ser pioneiro dos estudos sobre Literatura Infantil, a partir das obras de Monteiro Lobato. Ainda Lucileyde Rodovalho Barbosa Lopes (1962-1987) deixou a obra O céu na terra – primeiras lições da natureza, de grande inspiração.
Também Bariane Ortencio, (1923), que acaba de completar cem anos de idade possui, além de seu conjunto de obras regionalistas, em contos e romances, algumas obras infantis como O enigma do saco azul, O homem que não teimava, Aventura no Araguaia, Estórias e crimes do detetive Waldir Lopes e João do fogo. Maria Carmem Xavier Nunes (1934-2002) publicou livros infantis como O machado de ouro e Eu conto uma, conto duas.., obras utilizadas nas escolas municipais da cidade de Anápolis. Zilda Diniz Fontes (1920-1984), da cidade de Morrinhos, também deixou muitos escritos infantis e pedagógicos na Revista de Arte de Morrinhos, em várias edições.
Outras autoras como Helena Sebba, de Inhumas deixou publicações infantis como Os mistérios da casa azul, Gato de três cores, Sob o manto do rei, Terra da imaginação. Também Malu Ribeiro (1955) tem obras infantis como Veneno da lagartixa; Gata, gata, gatarina; O anjinho que falava palavrão e nave pensamento.
Maria Dalva Junqueira Guimarães, com Maria de Lourdes Reis (1931-2008), com A guerra das panelas, uma paródia sobre o comportamento humano atribuído às diferentes panelas na cozinha. Também Neco, primeiro e único; Lendas indígenas, Quadrado meio redondo e da cor do ovo de inhambu. Ite Lobo publicou Mimi, a oncinha do brocotó. Também, Zilda Pires da Silva, de Rio Verde, com as obras Joãozinho e as formiguinhas. Ainda Paulo Rezende (1931) deixou o romance infantil Fidalga.
Maria Dalva Junqueira Guimarães (1937-2017) tem publicações como Noites de vaga-lumes; Pitoco e classificados romanescos; Os sonhos de Sofia. Denise Godoy de Carvalho Verano (1945) dedicou-se desde sempre à Literatura Infantil, com conotações poéticas e musicais como Reino do mel; Em cantos, A língua travada.
Augusta Faro Fleury de Mello (1948) desde os anos 1990 foi a pioneira da poesia infantil em Goiás com os livros O azul é do céu?; O dia tem cara de folia; Ana Júlia; Alice no país de Cora Coralina; A dor dividida; Giripoca; Giovanna e a casa mágica; Pirilampo, o amigo de palha; Mentirinha, tagarelinha e preguicinha; Aconteceu no reino de cristal; O drama do macaquinho Bibi, Era uma vez; Chapeuzinho verde; Voa Zeprequeté; Fonte da carioca – história de Nita Curado; Beijo de alfenim; Pedroca; O menino que cuspia borboletas; Passarolindo; Os meninos verdinhos.
Outros nomes são importantes no cenário da atual produção literária para crianças em Goiás como Sandra Rosa (1971) em obras como O rapto do pulmão do mundo; Qual a cor do coração?; Picolé, pipoca e poesia; Cadê o azul da terra?; Filho, não te reconheço. Ainda Maria de Fátima Gonçalves Lima (1960), da Academia Goiana de Letras possui os livros infantis O bezerro e a rainha; A pedra furada; Os cabelos de Rebeca; O papagaio pintor e o castelo de Baobá; Pelo amor de uma Tapuia; O canto de Iguaçu; A odisseia de Nívea e os sete anões; Contos e recantos infantis.
Outros nomes Ademir Hamu (1950), com O outro braço da estrela. Edivânio Honorato com O ovo da cocó; Cor não tem pele; O vira-lata do papai; Xereta. Placidina Siqueira (1944), com o livro Tac tic. Flávio Carneiro (1962) tem os livros Acorda, Rita; A casa dos relógios; Lalande; Prezado Ronaldo; A distância das coisas. Maria Carmelita Fleury Curado deixou a novela infantil Patife e seus amores e Samurai, o cavalo de fogo.
Vera Tietzman Silva (1945) e Maria Zaira Turchi (1955) dedicaram-se aos estudos literários sobre a Literatura Infantil em Goiás, bem como Marieta Teles Machado e Alaor Barbosa, já citados.
Histórias infantis no cenário trindadense
Em Trindade, as produções literárias voltadas para crianças tiveram início ainda nos anos 1930. Em 1936 foi publicado o Jornal A Crisálida, pelo Clube Agrícola Constantino Xavier, do Grupo Escolar João Pessoa, hoje Escola Estadual Dom Prudêncio.
Nesse jornal já havia produções em contos e histórias infantis, escritas pela professora Nila Chaves Roriz de Almeida (1911-1991), uma das pioneiras dos estudos sobe agricultura em Goiás. No Jardim da Infância Menino Jesus, nos anos 1950, também eram produzidas cartilhas com histórias infantis, com as professoras Iraci Borges (1924), hoje com 99 anos de idade, Elza de Freitas (1931-1995) e Ereny Fonseca de Araújo (1913-1999).
Nos anos 1990 foi publicado o primeiro livro infantil em Trindade pelo renomado professor e escritor Virgílio Damásio Vieira de Freitas intitulado Romário e seu amigo Divino nas terras de Trindade e por aí afora. Era a história da cidade contada em forma de relato infantil para os jovens estudantes daquela época.
Depois dos anos 2000 surgiram outros autores como Dóris de Fátima Reis Mendes, com seu livro Tempo de poesia: Poemas para ler e brincar e Alenilda Carvalho, que além de escritora, é contadora de histórias, com os livros Amiguinhos do silêncio; Família é laço; Meninas na janela; Família onde o coração habita; Lilipop, a vaquinha que queria voar, dentre outras.
Angely Parreira e o pastoreio das nuvens
Angely Pereira de Assis Parreira possui graduação em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2015). Atualmente é consultora de comunicação na empresa Nimbos Comunicação Estratégica. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Comunicação, com atuação principalmente nos temas de comunicação, mídias sociais, gestão de projetos e inovação.
No ano de 2022 a escritora Angely Parreira deu publicidade ao seu livro infantil A nuvem que colecionava sorrisos, com ilustrações de Inã Zoé Fernandes dos Santos pela Cirgráfica, em papel couché, com capa e ilustrações internas, coloridas.
O tema celestial é muito recorrente na literatura com a simbologia do céu e seus significados, tanto em poesia, quanto em prosa. Esteve muito presente na temática de poetas Românticos e Parnasianos brasileiros, como Olavo Bilac (1865-1918), Casemiro de Abreu (1839-1860), Alberto de Oliveira (1857-1937) e, mesmo os modernos como Cecília Meireles (1901-1964), cognominada “A pastora das nuvens”, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Vinícius de Moraes (1913-1980) e João Cabral de Mello Neto (1920-1999).
O tema das nuvens está presente no ideário literário em obras de Eça de Queiroz (1845-1900): “as nuvens não despejam água sobre si mesmas”. De Bernardo Guimarães (1825-1884): “Das nuvens mais sombrias e negras cai água límpida e fecunda”. De Charles Baudellaire (1821-1867): “O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar”. De Machado de Assis (1839-1908): “Uma nuvem não sabe porque se move em tal direção. Sente um impulso”.
Richard Bach (1936) em Fernão capelo gaivota exorta: “Os dias obscurecidos por pesadas nuvens, são prenúncio de um luminoso dia, de renovadas energias”. Herman Hesse (1877-1962): “É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens, que no chão”. Fernando Pessoa (1888-1935): “Algumas nuvens erravam, vadias, entre as estrelas pálidas”. Victor Hugo (1802-1885): “Como nuvens pelo céu/passam os sonhos por mim”. Virgínia Woolf (1882-1941): “Não esquecer que as nuvens estão improvisando sempre, mas a culpa é do vento”. Mário Quintana (1906-1994): “Nossa existência é transitória como as nuvens”. Gabriel Garcia Marquez (1927-2014): “Enquanto isso as nuvens são brancas e o céu é todo azul”. Clarice Lispector (1920-1977): “Se não entender que o céu deve estar dentro de ti, inútil busca-lo nas nuvens”. Como se percebe, as nuvens são temáticas para os textos literários no ontem e no hoje.
O livro de Angely Parreira inicia e termina com uma indagação, a instigar a participação do pequeno leitor. Instiga, nessa perquirição até mesmo o adulto, que, ao crescer, na insana luta da vida esquece de olhar o céu e entender os seus significativos sinais. As nuvens estão a correr firmamento, infinitamente, todos os dias, sem que se possa perceber o seu significado tão pleno.
Ao indagar ao leitor sobre o céu, leva-o a, ao menos, imaginar o céu e o que nele há, como forma de conhecimento das coisas celestiais. Depois já aponta a nuvem Mulu, grande, branquinha, como um floco de algodão, daí a ideia de leveza, fluidez. Geograficamente, Mulu é o nome de uma montanha na Malásia, com 2377 metros de altitude, na Ilha de Bornéu, perto das nuvens, com certeza. Também tem aparência com a denominação científica das nuvens, nas terminações “mulus”.
Ciro já é nome de outra nuvem, mais arredia, delicada, distanciada, sem gostar de dividir espaço com as outras. Também se parecem os nomes das personagens anímicas com os nomes científicos dos tipos de nuvens, como a Cirrus, cirrocumulus, as mais altas delas; assim, mais distanciadas, daí as características das mesmas com o comportamento humano.
A outra personagem nuvem, a Stratus, mais baixa, gosta de interagir com as pessoas, cidades, lugares, em forma de baixa neblina. Esse já é, inclusive, o próprio nome da nuvem, com suas características de presença, toque e amabilidade. Também a nuvem personagem Kelvin, que é ligada aos mares e às ondas.
Ainda aparece a vilã de todas: a Nimbus, que é negra, carregada, grande, escura, cria ambiente de ventos, raios e tempestades. Segue, também, a classificação científica, mas de forma irreverente, com sua expressão raivosa, com os raios, ventos e as tempestades terríveis.
A Nimbos surge como pacífica e apaziguadora, colecionadora de sorrisos de todos, pois traz as boas chuvas, propiciadoras de alimentos, colheitas, farturas e alegrias. Traz prosperidade e é sempre procurada no céu pelos agricultores e os que labutam com a terra. Alegre, ela traz água, traz alguns raios para embelezar a natureza e fazer brotar cores, flores, frutos e alimentos.
Ela ama o natal e em certos lugares traz a neve, o frio, o aconchego, dos anjinhos de gelo e da união da família. Dessa maneira agasalha, coleciona sorrisos e lembra o nascimento de Cristo. Mesmo temida, tem um grande coração e coleciona muitos sorrisos em todas as pessoas.
Ao final descreve a beleza eterna das nuvens e instiga o leitor mirim a escolher a nuvem que mais gosta, numa leitura interativa. Dessa forma, o livro, leve, gracioso, despretensioso, institui uma forma de amarramento com o leitor, para que possa perceber sinais cotidianos tão despercebidos, simplesmente, presentes no céu.
Uma leitura importante no contexto da nova Literatura Infantil feita em Goiás, nesses mais de cem anos de tradição e produção voltadas às crianças.
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado natural da Cidade de Goiás, 1969. Tem três filhos. Servidor público. Graduado em Letras e Linguística pela UFG. Especialista em Literatura pela UFG. Mestre em Letras e Linguística pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG. Pós-doutor em Geografia pela USP.
1. A sempre viva Amália – Biografia. 1992.
2. Ser (tão) goiano. Contos regionais. 1998.
3. Beco dos Aflitos – Crônicas históricas, em parceria com o Desembargador Lúcio Batista Arantes. 2001.
4. Rosarita Fleury e Darcília Amorim. Estudos biográficos. 2003.
5. Informações históricas sobre Trindade – saga de um povo de fé no coração do Brasil – História, em parceria com o Dr. Antonio Alves de Carvalho. 2004.
6. Do Barro Preto ao Planalto Central, caminhos e lembranças – Crônicas históricas, em parceria com o Desor. Lúcio Batista Arantes. 2008.
7. Hélio de Britto e Célia Coutinho – duas vidas e uma história. Biografia. 2008.
8. Ereny Fonseca – O centenário em páginas de amor e de saudade – Biografia (2013)
9. Santa Cruz de Goiás, a veneranda dama antiga do Sul goiano. Historiografia. Em parceria com Fátima Paraguassu. (2015)
10. Coração de terra. Poemas. Goiânia. Editora Kelps, 2016.
11. Lili Rossi – uma história na história. Biografia – em parceria com Goiana Vieira de Anunciação. Goiânia, 2017.
12. Antologia literária de Goiás. Coletânea. Goiânia, 2017.
13. Goiás do Couto – Memórias e belezas da cidade de Goiás. Biografia. Em parceria com Rogério Arédio Ferreira. Goiânia, 2018.
14. Americano do Brasil – De Goyaz para a eternidade – Biografia. Em pareceria com Rogério Arédio Ferreira – 2021
15. Crônicas do Judiciário em Goiás – Crônicas – 2020
17. Eli Brasiliense – A grande porta da vida – Historiografia literária. Em parceria com Rogério Arédio Ferreira – 2021.
18. História da Contabilidade em Goiás – História – Em parceria Com Lúcio de Souza Machado.
19. Depois da tempestade e outras lembranças – Memórias – Organização da obra de Raynerita Queiroz Costa
20. Do sempre e do instante – Presença literária de Kleber Adorno – Crítica literária. 2022.
21. Pétalas pelo chão. Crônicas. 202222. Chão de ternura – e-book – 2023