Hezbollah e Israel: Uma Tensão Geopolítica que Atravessa Décadas

14 setembro 2024 às 14h53

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O Hezbollah foi formalmente fundado em 1985, mas sua gênese pode ser rastreada até 1982, quando Israel invadiu o sul do Líbano durante a Guerra do Líbano. A ocupação israelense do sul do país, combinada com a frustração da população xiita local e a influência ideológica da Revolução Islâmica do Irã, forneceu o terreno fértil para o surgimento do Hezbollah. A organização começou como um movimento de resistência contra a presença israelense, promovendo uma agenda político-religiosa que combinava o islamismo xiita com a luta armada.
Desde seus primeiros anos, o Hezbollah se destacou por sua habilidade em realizar ataques assimétricos contra as forças israelenses, utilizando táticas de guerrilha e atentados suicidas. O Hezbollah se consolidou rapidamente como uma força militar significativa, sendo responsável pela retirada das tropas israelenses do sul do Líbano em 2000, após 18 anos de ocupação. Esta vitória elevou o prestígio da organização dentro do mundo árabe e islâmico.
Hassan Nasrallah assumiu a liderança do Hezbollah em 1992, após o assassinato de seu predecessor, Abbas al-Musawi, em um ataque aéreo israelense. Sob sua liderança, o Hezbollah expandiu suas operações militares e consolidou seu poder político no Líbano. Nasrallah é conhecido por seu carisma, oratória potente e habilidade estratégica, qualidades que lhe conferiram um status quase mítico entre seus seguidores.
Nasrallah se posicionou de maneira ambígua após os ataques de 11 de setembro de 2001. Embora tenha condenado os ataques, ele também criticou as políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio, destacando o apoio incondicional de Washington a Israel como um fator que alimentava o ressentimento e o radicalismo na região. Nasrallah tentou posicionar o Hezbollah como uma força de resistência legítima contra a ocupação e a opressão, enquanto simultaneamente tentava distanciar a organização de grupos extremistas como a Al-Qaeda.
O conflito de 2006 entre Israel e o Hezbollah, frequentemente chamado de “Segunda Guerra do Líbano”, foi um dos confrontos mais intensos e devastadores entre as duas partes. A guerra começou em 12 de julho de 2006, quando o Hezbollah capturou dois soldados israelenses em uma operação na fronteira entre o Líbano e Israel. Em resposta, Israel lançou uma campanha militar massiva, que incluiu ataques aéreos e uma invasão terrestre do sul do Líbano.
Durante 34 dias, a guerra causou milhares de mortes, principalmente de civis libaneses, e resultou em uma destruição significativa da infraestrutura do Líbano. O Hezbollah, por sua vez, lançou milhares de foguetes contra o norte de Israel, demonstrando sua capacidade de infligir danos consideráveis ao território israelense. Embora nenhum dos lados tenha obtido uma vitória decisiva, o Hezbollah conseguiu resistir ao poderio militar israelense, o que fortaleceu ainda mais sua posição no Líbano e na região.
O recente conflito que começou em outubro de 2023, após um ataque surpresa do Hamas contra Israel, reacendeu as tensões latentes entre o Hezbollah e Israel. Com o início das hostilidades, o Hezbollah começou a lançar ataques contra posições israelenses ao longo da fronteira norte de Israel, provocando uma resposta imediata e severa das Forças de Defesa de Israel (IDF).
Este confronto escalou ainda mais em 25 de agosto de 2024, quando o Hezbollah lançou uma ofensiva significativa contra Israel, disparando mais de 320 foguetes e drones em resposta à morte de seu comandante, Fuad Shukr, em Beirute. O grupo afirmou ter atingido um “alvo militar especial identificado” em Israel, além de plataformas do sistema de defesa Domo de Ferro e outras bases militares. Embora a maioria dos foguetes tenha errado seus alvos, de acordo com as IDF, o ataque foi visto como uma demonstração clara do poder militar do Hezbollah.
O Hezbollah, que é classificado como uma organização terrorista pelo Reino Unido e pelos EUA, não mirou nas principais cidades de Israel ou em infraestrutura crítica durante esta ofensiva, sugerindo uma estratégia de escalada controlada. Ainda assim, o grupo continua a possuir um arsenal impressionante, estimado em cerca de 150.000 foguetes, alguns dos quais têm capacidade de alcançar qualquer ponto em Israel. Este poder de fogo, aliado à experiência de combate de seus militantes, coloca o Hezbollah como uma ameaça significativa para Israel, mais poderosa do que o próprio Hamas.
O ataque de agosto de 2024 marcou o maior ataque ao Líbano desde o início da guerra de Israel contra Gaza em outubro de 2023. A troca de tiros entre o Hezbollah e Israel ao longo da fronteira compartilhou espaço com uma escalada das tensões, que resultou em mortes no Líbano e a destruição de diversas áreas, incluindo o Castelo de Chqif e outras localidades no sul do país.
As Forças de Defesa de Israel responderam ao ataque com uma grande ofensiva aérea, atingindo múltiplos alvos no sul do Líbano. O Hezbollah, em comunicado, afirmou que novas operações estão planejadas e que sua resposta será proporcional às ações de Israel, indicando que o conflito pode se prolongar ainda mais.
Ambos os lados têm manifestado, publicamente, o desejo de evitar uma guerra em larga escala, mas deixam claro que estão prontos para ela. Hassan Nasrallah, em uma rara aparição televisiva, afirmou que o Hezbollah está preparado para continuar a resposta “em um momento posterior”, mantendo uma retórica de resistência enquanto destaca a possibilidade de prolongar o conflito.
A relação entre o Hezbollah e Israel continua sendo um dos eixos centrais de tensão no Oriente Médio. Desde sua fundação, o Hezbollah tem evoluído de um movimento de resistência local para uma força militar e política influente, cujas ações têm repercussões geopolíticas globais.
Com o conflito ainda em andamento, o futuro das relações entre o Hezbollah e Israel permanece incerto. O que é claro, no entanto, é que qualquer escalada adicional terá consequências profundas para a estabilidade da região e para a segurança global.

Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 102º Batalhão de Operações de Informação como Primeiro Sargento (1SG), liderando grupos de soldados em busca de informações que possam facilitar as estratetgias militares americanas em solo estrangeiro.