É hipócrita condenar Israel e silenciar sobre genocídio de Uigures e Rohingyas

17 junho 2024 às 16h29

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A esquerda global tem sido historicamente associada à defesa dos direitos humanos e à luta contra injustiças e opressões. No entanto, uma análise cuidadosa revela uma inquietante hipocrisia em sua abordagem. Enquanto se apressa em condenar Israel por suas ações contra os palestinos, muitas vezes rotulando-as como genocídio, mantém um silêncio ensurdecedor sobre as atrocidades cometidas contra os uigures em Xinjiang, China, e os rohingyas em Mianmar.
Os uigures, uma minoria étnica muçulmana na província de Xinjiang, enfrentam uma campanha sistemática de repressão pelo governo chinês. Relatos de campos de concentração, trabalhos forçados, esterilizações forçadas e vigilância massiva pintam um quadro sombrio de genocídio cultural e físico. Organizações internacionais de direitos humanos, incluindo a ONU, têm documentado essas atrocidades, mas a resposta da esquerda global tem sido tímida e evasiva.
Da mesma forma, os rohingyas, uma minoria muçulmana em Mianmar, sofreram perseguições brutais. Em 2017, uma ofensiva militar levou ao deslocamento de mais de 700.000 rohingyas, com relatos de massacres, estupros em massa e destruição de aldeias. Este genocídio foi amplamente documentado e condenado pelos Estados Unidos e por organizações de direitos humanos, mas, novamente, a esquerda global parece desinteressada em pressionar Mianmar de maneira significativa.
Em contraste, a situação entre Israel e Palestina recebe atenção constante e críticas severas da esquerda. As ações de Israel, muitas vezes descritas como genocídio e apartheid, são alvo de manifestações, campanhas de boicote e amplas condenações. A narrativa prevalecente na esquerda coloca Israel como um estado opressor em uma ocupação brutal, enquanto os palestinos são vistos como vítimas indefesas.
Essa dualidade de padrões levanta questões sobre os verdadeiros motivos da esquerda global. Por que a defesa dos direitos humanos parece ser seletiva? Uma possível explicação é o alinhamento político e ideológico. A China, com seu regime comunista, e Mianmar, com suas relações estratégicas, muitas vezes são vistos como aliados ou pelo menos adversários menos problemáticos do que o Ocidente. Criticar esses regimes poderia prejudicar alianças políticas e interesses econômicos que a esquerda considera importantes.
Outro fator é a islamofobia seletiva. Enquanto a esquerda não hesita em acusar Israel de islamofobia devido ao conflito com os palestinos, evita aplicar o mesmo rótulo à China e a Mianmar, apesar das evidências claras de perseguição a muçulmanos. Essa omissão deliberada expõe uma falta de consistência e comprometimento genuíno com a causa dos direitos humanos.
Os Estados Unidos formalmente declararam que as políticas da China em relação aos uigures na região de Xinjiang constituem genocídio e crimes contra a humanidade. Essa declaração foi feita inicialmente pelo governo de Trump e confirmada pela administração Biden. As ações incluem detenções em massa, trabalho forçado, esterilizações forçadas e outras violações graves dos direitos humanos. A declaração de genocídio torna impossível para a comunidade internacional ignorar a repressão em Xinjiang, e grupos de exilados uigures têm pressionado por medidas mais rigorosas contra Pequim.
Similarmente, a crise dos rohingyas tem sido amplamente condenada pelos EUA, que impuseram sanções a militares de Mianmar responsáveis pelas atrocidades. A esquerda, entretanto, frequentemente desconsidera essas posições como parte de uma agenda imperialista, ignorando a realidade das atrocidades documentadas.

O silêncio da esquerda sobre a questão dos uigures e rohingyas não é apenas uma falha moral, mas também uma estratégia política. A retórica antiocidental e anti-imperialista se sobrepõe à defesa dos direitos humanos quando se trata de criticar regimes que, de uma forma ou de outra, se alinham com seus interesses geopolíticos. Este padrão de seletividade não só prejudica a credibilidade da esquerda na defesa dos direitos humanos, mas também deixa milhões de vítimas sem a defesa necessária em plataformas internacionais.
Ademais, é fundamental reconhecer que tanto os uigures quanto os rohingyas são muçulmanos, o que torna ainda mais intrigante a ausência de acusações de islamofobia contra China e Mianmar por parte da esquerda. Essa seletividade em aplicar o termo islamofobia reforça a percepção de que as preocupações da esquerda não são universais, mas sim guiadas por conveniências políticas.
A hipocrisia da esquerda é ainda mais evidente quando consideramos a magnitude e a brutalidade das ações chinesas e mianmarenses. A China implementou uma vasta rede de campos de reeducação em Xinjiang, onde mais de um milhão de uigures foram detidos arbitrariamente. Esses campos têm sido locais de abusos físicos e psicológicos, incluindo tortura e doutrinação forçada. Paralelamente, a campanha militar em Mianmar contra os rohingyas incluiu queima de aldeias, execuções sumárias e violência sexual desenfreada, resultando em um êxodo massivo para países vizinhos.
O duplo padrão da esquerda não apenas subestima o sofrimento dessas minorias muçulmanas, mas também enfraquece a luta global pelos direitos humanos. Quando a defesa dos direitos humanos é utilizada seletivamente, baseada em alinhamentos políticos e ideológicos, ela perde sua força moral e integridade. Isso cria um ambiente onde os perpetradores de genocídio podem operar com impunidade, sabendo que a condenação internacional será fragmentada e politicamente motivada.
Não restam dúvidas de que a esquerda mundial nunca se importou com direitos humanos, como alegam. Sua cegueira em relação aos genocídios dos uigures na China e dos rohingyas de Mianmar é escrachada. Enquanto condenam Israel por suas ações contra os palestinos, mantêm um silêncio cúmplice sobre atrocidades semelhantes ou até piores cometidas por regimes com os quais têm afinidades ideológicas ou interesses políticos.

Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.