São Paulo não é PCC, Palestina não é Hamas

29 outubro 2023 às 19h17

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No último dia 18 de outubro, um casal de refugiados afegãos foi agredido e xingado no bairro Bom Retiro, em São Paulo. Um homem usando vestes tradicionais de um judeu ortodoxo, segundo o boletim de ocorrência, gritava palavras como “terroristas” e “Hamas” enquanto chutava o homem e dizia que a mulher “estava matando crianças do povo dele”. Funcionária de um mercado que testemunhou o ocorrido descreveu o que viu: “Eles atravessaram a rua e o homem foi atrás”.
O ataque só parou quando um motociclista parou e escoltou o casal, que estava com os filhos pequenos, até o prédio onde moram. Os xingamentos do autor do ataque fazem referência ao conflito entre Israel e Palestina que já dura décadas, mas que se intensificou no último mês após uma ofensiva do grupo terrorista Hamas e uma sequência de respostas de Israel. O ponto é que o casal atacado não era palestino, sequer era árabe, e esse parece ter sido o menor dos erros do agressor.
De acordo com a ONG Save the Children, cerca de 2 mil crianças e adolescentes morreram em Gaza entre os dias 7 e 23 de outubro em decorrência dos ataques israelenses na região. Esse número é maior que a soma dos últimos 23 anos da guerra entre Israel e Palestina.
Para se ter uma ideia, desde o final de outubro, hospitais em Deir Al Balah, cidade palestina na região central da Faixa de Gaza, começou a receber crianças feridas e mortas com sinais em seus corpos que chamaram a atenção. À CNN, um médico explicou que os pais daqueles meninos e meninas passaram a escrever seus nomes nas pernas e abdômen deles diante da consciência de que “tudo poderia acontecer”.
Uma bomba ou foguete não questiona a etnia ou nacionalidade de uma criança antes de cair destroçando seu corpo e de sua família. Porém, a impressão que se tem é que não há indignação, não há sequer comoção com o massacre que acontece em território palestino. Não bastasse Israel matar palestinos diretamente por bombardeios e blindados, o fazem, também, com um bloqueio que já dura 16 anos e que, em 9 de outubro, ganhou proporções desumanas.
Conforme descrito pela entidade internacional Human Rights Watch, “o bloqueio total de Israel contra a população de Gaza faz parte dos crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição que estão sendo cometidos pelas autoridades israelenses contra os palestinos.
É justamente o processo de desumanização do povo palestino que faz com que não vejamos bandeiras palestinas projetadas no Congresso Nacional, e nem hashtags com o apelo “#PrayForPalestine”. E por que isso? Porque, para os que vibram e torcem com cada ataque, cada reforço no bloqueio israelense contra Gaza, julgam que as cerca de 2,2 milhões de pessoas que vivem no maior campo de refugiados do mundo são todas terroristas, membros do Hamas. E se não são, um dia serão.
A premissa de pensamento é a mesma que remove qualquer sinal de comoção por mortes de inocentes durante confrontos entre a polícia e criminosos em comunidades paulistas dominadas pelo PCC: não importa a idade, não importa quem era ou para onde ia, não importa se era uma criança com uniforme da escola a caminho da padaria para comprar leite a pedido da mãe: se morreu, também devia ser bandido.
O poeta alemão Bertolt Brecht certa vez escreveu: “Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”. Quem vibra pela guerra, a tratando como uma gincana e dando a toda uma etnia a pecha de “terrorista”, sempre se encaixa em uma dessas duas descrições. Mas no final, o rótulo não importa muito. Afinal, assim como o senso de empatia independe do conhecimento, o caráter depende diretamente do senso de humanidade.
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