Regulamentação é caminho para solucionar guerra às drogas e reduzir desigualdades

16 junho 2023 às 14h34

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Não é de hoje que a ideia de uma “Guerra às Drogas” é discutida em setores diversos da sociedade, passando por segurança pública, justiça, assistência social, saúde, só para citar alguns. No século XIX a China já foi palco das guerras do Ópio, enquanto do outro lado do mundo, nos EUA, a chegada do século XX viu a escalada de conflitos violentos após estabelecimento da lei seca na década de 20. Agora, um novo estudo realizado pela Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas apresentou faces do cenário do Brasil do século XXI, com sugestões para amenizar o problema.
Em análise da atual política de drogas aplicada no país, o grupo detectou uma série de injustiças que gera episódios frequentes de violações de direitos e mortes, especialmente entre negros e mais pobres. Nesse cenário, o estudo sugere um olhar de reparação às vítimas afetadas pela guerra como forma de encaminhar soluções e amenizar os danos da violência justificada pela proibição.
Entre outras alternativas, o caminho para reduzir os impactos desproporcionais da guerra às drogas, principalmente em comunidades menos favorecidas, deve passar por medidas de reconhecimento de famílias que tiveram entes vitimados por violência ou encarceramento injusto, sob alegação de combate às drogas. No Brasil, somente nos dez anos que sucederam o início da vigência da nova lei de drogas, em 2006, houve aumento de 81% da população carcerária, com um terço dos presos acusados de tráfico de drogas. O número é elevado a dois terços se tratarmos apenas da população carcerária feminina.
A legislação utilizada como base para grande parte das prisões é o artigo 33 da Lei nº 11.343, que prevê reclusão de até 15 anos para enquadrados por tráfico de drogas. Entretanto, o artigo 28 da mesma lei, que trata do porte para consumo próprio, inclui penas mais brandas que passam por advertência, prestação de serviços ou medidas educativas. Ainda que o usuário devesse ser enquadrado no segundo caso, a realidade é outra: pobres, negros e favelados são encarados como traficantes, enquanto brancos, abastados e moradores de condomínio são usuários. Não é o que diz a lei, mas é o que diz a observação da aplicação recorrente dela.
Na contramão da injustiça estrutural, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tem adotado medidas que contradizem o olhar proibicionista, com admissão de progressão de regimes fechados para aberto, bem como a determinação de inconstitucionalidade na proibição de liberdade provisória a réus processados por tráfico. A anistia de pessoas presas com base nesse critério é considerada urgente pela organização responsável pelo Estudo, mas não resolve o problema sozinho.

O relatório também sugere medidas fundamentais na legislação que permitam o fim dos conflitos violentos, justificados pelas posturas radicais contra as drogas. A proposição para mudança de cenário, então, inclui uma releitura das leis que regem drogas lícitas – como álcool, tabaco e medicamentos –, além da regulamentação de drogas como a cannabis, que notoriamente já faz parte de tratamentos medicinais eficazes e movimenta fortunas fora do Brasil (de forma legal).
É com base em modelos aprovados, ou em processo de aprovação, ao redor do mundo que o país deve formatar uma nova política de drogas eficaz. Uma eventual regulação do mercado da cannabis pode, além de reduzir a brutalidade do conflito, privilegiar a agricultura familiar, por exemplo.
Pelo olhar da saúde, o Brasil já tem avançado na discussão. Mesmo que a maconha seja criminalizada, ainda em 2015 o Ministério da Saúde autorizou o uso do canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da erva, para fins terapêuticos. O comércio farmacêutico do CBD, no entanto, ainda é restrito e controlado por poucas empresas, o que não atende a demanda de pacientes. Ainda é frequente episódios de famílias que precisam lutar na Justiça para conseguir medidas alternativas de tratamento, como o autocultivo para fins medicinais.
Com mais de cem anos de história, só para considerar os exemplos citados na abertura do texto, a “Guerra às Drogas” não tem ajudado a reduzir consumo ou danos sociais de maneira eficiente. Pelo contrário, aumenta a violência e vitimiza parcelas da população já vitimadas em outros cenários. As propostas para debater o tema de forma a incluir o respeito às vítimas na solução já existem, resta saber quando o Estado terá o interesse de trocar o olhar de violência para o de humanidade.