A Proposta de Emenda Constitucional (Pec) contra a escala de trabalho 6×1 conseguiu alcançar as 171 assinaturas necessárias para ser protocolada para tramitar na Câmara dos Deputados. Desde que anunciada, a proposta proibindo o modelo de seis dias trabalhados para apenas um de descanso mobilizou pressão popular nas redes sociais sobre os parlamentares que não assinaram o texto. 

A demanda é justa: o Brasil ocupa a 80ª posição no ranking de países por renda per capita. O brasileiro se sente desmotivado e exausto porque suas horas de trabalho lhe rendem apenas 80% do que um trabalhador ganha em países como o Turcomenistão, onde a lei estabelece cinco dias de trabalho e limita horas extra em dias de descanso. Na Alemanha, onde a renda per capta é 5,5 vezes maior do que a brasileira, a média de horas anuais trabalhadas é de 1.353,9; no Brasil, é de 1.709,5.

Como afirmou Geraldo Alckmin (PSB) ao ser perguntado sobre o assunto, com a mecanização e automação, a redução das horas de trabalho e elevação da renda são uma tendência mundial. Na Alemanha, as horas trabalhadas semanalmente foram de 80 em 1910 para 50 em 1940, e para 40 hoje. (Gerhard Bosch, “The dispute over the reduction of the working week in West Germany,” Cambridge Journal of Economics vol. 10 no. 3). 

No Brasil, a permissão das 44 horas de trabalho que adentram o final de semana pode parecer uma exploração do trabalhador. Mas é importante destacar que nenhum dos países citados reduziu a carga horária na canetada, por meio da proibição de uma escala específica. Além disso, a pressão popular em prol de um projeto que não apresenta sequer estudo de impacto começa a ganhar contornos de um enorme tiro pela culatra. 

A obrigação (negligenciada pela autora da proposta, Erika Hilton, do PSOL) do parlamentar é se questionar “quem vai pagar por minha Pec?”. A obrigação de reduzir as horas de determinados funcionários sem reduzir-lhes os salários significa um aumento no valor da mão-de-obra. Então, três cenários podem acontecer.

Primeiro: as empresas podem repassar o custo do aumento nos preços para os consumidores. Em outras palavras, inflação. Segundo: para manter custos e preços, trabalhadores e empresas podem ir para a informalidade, ignorando a proibição e mantendo a escala de trabalho 6×1. Nesse caso, os principais prejudicados são os próprios trabalhadores, que perdem as redes de proteção da seguridade social. Em terceiro lugar: empresas assumem o prejuízo, cortando investimentos. Neste caso, quem perde é o país, que, menos produtivo, ganha menos em coleta de impostos e na competição do mercado internacional.

Uma comparação possível é com a Pec das Domésticas, aprovada em 2013, que ampliou direitos trabalhistas aos trabalhadores domésticos. Os direitos incluídos na Pec das domésticas foram mais do que justos e já desfrutados por outros trabalhadores há muito tempo. Ainda assim, o resultado da Pec foi negativo para as próprias domésticas: passados 10 anos, a informalidade que era de 68% passou para 75%; não houve aumento do número de contratações; a renda se manteve a mesma.

A lição a ser extraída da Pec das Domésticas é que não adianta lutar contra a realidade aprovando na canetada uma realidade mais desejável. É preciso construir o resultado que se quer alcançar alterando as contingências. Se o desejo é realmente diminuir as horas trabalhadas pelos brasileiros, existe um caminho (que, por ser menos populista, pode ser menos popular e gerar menos mobilização). Esse caminho passa por aumentar a produtividade. 

No livro “Uma Viagem pelo Universo da Economia”, Alex da Matta e Lucas Favaro escrevem: “Quando dizemos que a produtividade do trabalhador no Brasil é baixa, muitas pessoas acham que estamos ofendendo os trabalhadores do nosso país. Que estamos, de alguma forma, chamando-os de preguiçosos. Não se trata disto. A produtividade média do trabalhador é simplesmente o produto total da economia dividido pela quantidade de trabalhadores. Se este indicador é baixo, a produção da economia é baixa. Não há juízo de valor nesta afirmação. Não estamos culpando os trabalhadores.”

Em maio deste ano, a Alemanha concluiu um experimento: 45 empresas alemãs lançaram um projeto de semana de trabalho de quatro dias para descobrir se a redução poderia alcançar resultados positivos para empregadores e funcionários. Por seis meses, e observadas de perto por pesquisadores da Universidade de Münster, as empresas voluntárias permitiram que seus funcionários trabalhassem menos horas sem reduzir seus salários. 

“Atingir a mesma produção com menos horas e o mesmo pagamento requer maior produtividade”, destacou a líder do estudo Julia Backmann ao jornal alemão DW. Ao jornal, um funcionário de uma das empresas voluntárias afirmou que tal aumento de produtividade foi alcançado com corte de processos, reuniões, aumento da digitalização e outros. 

A realidade brasileira exige ajustes mais profundos. Para aumentar a produção da economia (ou seja, aumentar a renda por trabalhador), é necessário qualificar a mão-de-obra e criar postos de trabalho mais especializados. Ou seja, é necessário automatizar e mecanizar exatamente as funções manuais e genéricas que são ocupadas pelos trabalhadores que mais ocupam a escala 6×1, e preparar essas pessoas para funções capacitadas.