Certa vez presenciei uma cena de suicídio. Assim, no meio de uma tarde qualquer. Vi de relance, quase tão rápido quanto uma piscadela, mas suficiente para que a imagem grudasse para sempre na minha mente. Acho que tem mais de 15 anos, talvez um pouco mais. Era numa época dessa que criança brinca de correr atrás de pipa na rua sem nenhuma preocupação.

Suicídio pode ser prevenido: encontre ajuda aqui

Naquela época eu não entendia o que significa atentar contra a própria vida. Ainda hoje não sei. Aquela fração de segundos antes de fechar os olhos com força e medo, ainda perambula pela minha cabeça e a revivo na lembrança. Não sabia quem ele era, embora provavelmente eu o já tivesse visto pelas poucas ruas do meu setor.

A tragédia do suicídio, segundo o filósofo e jornalista francês Albert Camus, é questão fundamental da filosofia. Encarar o tema de frente sempre foi um desafio, seja pelas questões mais sensíveis, como a capacidade de influenciar alguém que já perdeu ou está prestes a perder as esperanças, ou pela fragilidade que é lidar com algo tão simples e único como a vida. Na faculdade de jornalismo, aprendemos a não divulgar atentados contra a própria vida, nem os tentados. Mas um fato que precisa ser amplificado é a história de quem sobreviveu.

A filosofia, ou melhor, a literatura, é um dos caminhos para compreender a questão. É comum ouvir dizer que um suicida quis dar cabo do seu próprio sofrimento. Mas não é só isso. Para o escritor francês, o atentado é uma escolha legítima do ponto de vista da dor e do absurdo. Mas ela deve ser melhor analisada por diversas óticas.

Sísifo foi condenado, não a carregar uma pedra morro acima, mas a vê-la descer sem que nada pudesse ser feito e repetir esse processo para o resto de sua existência. Somos condenados a carregar nossas pedras até o topo e ao final do dia, as vemos deslizar montanha abaixo. Camus chama isso de absurdo da vida. Nessa prisão perpétua em que vivemos num universo indiferente às nossas desgraças, a morte não resolve nenhuma delas.

O autor defende que o suicídio não é uma solução válida para o absurdo, pois seria uma forma de escapar da realidade e negar a liberdade humana. Ao invés disso, ele propõe que devemos aceitar o absurdo e enfrentá-lo com rebeldia, criatividade e paixão, criando os nossos próprios valores e significados. Assim, podemos imaginar Sísifo feliz, pois ele reconhece a sua situação e se afirma como um ser livre e consciente.

Quando perdi as esperanças pela primeira vez, fui provocado pelo escritor de ‘As crônicas de Nárnia’, C.S Lewis, sobre os absurdos da vida. No livro ‘Cristianismo puro e simples’, escrito durante os anos 40, no período da Segunda Grande Guerra, o professor e teólogo irlandês fala sobre o desencontro do desejo e a satisfação.

Uma das citações que me marcou fala da insatisfação que os seres humanos sentem quando não se conectam com algo transcendental, espiritual ou ancestral. “Se nenhum dos meus prazeres terrenos é capaz de satisfazê-lo, isso não prova que o universo é uma fraude. Provavelmente os prazeres terrenos não têm o propósito de satisfazê-lo, mas somente de despertá-lo, de sugerir a coisa real”, escreve.

Os escritos, na verdade, são parte de reflexões do autor durante programas de rádio na maior corporação pública de TV e Rádio, a BBC, durante os conflitos entre as maiores potências mundiais. Num mundo de desesperanças, ele buscava encontrar sentido na vida.

Assim como nas reflexões de Lewis, Jacques Lacan, o psicanalista francês, se enveredou na busca de explicar os desejos humanos. Como uma traça-de-roupas, o homem devora seus desejos e ao realizá-los, já não é mais feliz. Espera, reflete, se entede, escolhe um novo e vive assim, carregando sua rocha montanha acima. Nunca satisfeito, o homem segue a vida se remendando.

Encontre ajuda

S e precisar de ajuda, procure uum dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) ou de Pronto Atendimento (UPAs). E, ainda, a escuta emergencial do Centro de Valorização da Vida (CVV), está disponível no número 188 (ligação gratuita).