O cientista político Bruce Bueno de Mesquita, professor da Universidade de Nova York, escreveu escreveu um dos mais brilhantes manuais sobre a prática do poder desde “O Príncipe”, de Maquiavel — com o bônus de ser uma obra muito engraçada. Trata-se do guia de bolso para ditadores, “The Dictator’s Handbook”, publicado pela PublicAffairs em 2011, sem edição em português. 

Com centenas de exemplos retirados da história, o livro descreve a forma pela qual os ditadores se mantém no poder, e prescreve estratégias amorais para os leitores que queiram se aventurar pela política. Nesse esforço, acaba também explicando por que líderes autoritários duram mais tempo no poder e têm governos mais corruptos. 

Um caso (livremente traduzido): “A maioria das pessoas pensa que combater a corrupção é um objetivo desejável. Uma abordagem comum é aumentar as penas para punir os corruptos e aprovar leis mais rigorosas contra o desvio de conduta. Infelizmente, essas abordagens são contraproducentes. Quando um sistema é estruturado em torno da corrupção, todos os líderes e apoiadores são denominados pela corrupção. Eles não estariam onde estão se não tivessem colocado a boca na botija em algum momento. Apenas aumentar sentenças acaba fornecendo aos líderes uma ferramenta adicional para impor a disciplina aos seus concorrentes. É muito comum que os reformadores e denunciantes de um determinado governo sejam perseguidos por corrupção. Yasser Arafat manteve um registro de todas as atividades ilícitas dos membros de seu gabinete na Autoridade Palestina. Aumentar o castigo pela corrupção apenas aumenta o poder de barganha que pessoas como Arafat têm sobre seus amigos. Arafat efetivamente induziu a lealdade a ele permitindo e monitorando a corrupção dentro de seu círculo íntimo. E, embora afirmando que a Autoridade Palestina estava em falência, ele fez uma grande fortuna — algo entre US $ 4,2 bilhões e US $ 6,5 bilhões, segundo Al-Jazeera.”

Segundo Bruce Bueno de Mesquita, as forças-tarefa jurídicas para eliminar a corrupção nunca funcionarão, e muitas vezes podem piorar a situação. A melhor maneira de lidar com a corrupção é acabar com os incentivos subjacentes. Aqui, é necessário apresentar o conceito da “coalizão”, utilizado pelo autor em todo o livro. A coalizão são as pessoas de quem um líder depende para se manter no poder. Se forem poucos, o líder pode suborná-los. Se forem muitos, o agrado precisa ser feito de outra maneira, pois não há suborno o suficiente para todos. 

A ideia é: se queremos regulamentar o dinheiro privado na política e colocar as empresas no caminho correto, faz mais sentido criar um governo que dependa de tanta gente que não existirá dinheiro o suficiente para mantê-lo via propina. Os políticos (e membros do Judiciário, à lá Lava-Jato) podem apresentar missões para perseguir a corrupção e vão parecer honestos aos olhos do público, mas, na prática, tais medidas são uma fachada atrás da qual os negócios continuam como de costume. 

Essa é a razão pela qual as ditaduras — de esquerda e de direita — são mais corruptas que as democracias. Nos regimes autoritários, o ditador precisa subornar uns poucos apoiadores chave (geralmente militares, juízes, políticos da base). Conscientemente ou intuitivamente, os políticos sabem disso, e tentam aumentar seu controle reduzindo o número de pessoas às quais precisam prestar contas. 

Podemos perceber esse fenômeno na prática quando políticos negociam com líderes de sindicatos, igrejas, associações de bairro — pessoas carregam os votos das pessoas que representam. Enquanto é impossível subornar a todos, é fácil distribuir cargos e verbas aos representantes desses blocos. Outras formas de prestar menos contas é reduzir a transparência. Governos fazem isso dificultando a investigação jornalística, piorando a comunicação e enterrando informações debaixo da burocracia. 

Por outro lado, nas democracias ideais, os líderes precisam responder à toda a população e a política se torna uma competição por boas idéias. Não sendo capazes de subornar a todos os eleitores com dinheiro, as vantagens têm de ser oferecidas por meio de serviços públicos. Mas é claro que, mesmo nas democracias, os líderes não querem ter de responder à mais instituições, pois isso reduz seu mandato e lhes dá menos poder discricionário. Portanto, é improvável que a iniciativa de ser mais responsável parta dos próprios governantes; o mais provável é que eles esperneiem sob justificativas de “criminalização da política”, “perseguição” e “narrativas da oposição”.