A recente sanção imposta pelo governo dos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sob a justificativa de suposta violação de direitos humanos, é mais um lamentável episódio da prática recorrente de Washington de se arrogar o papel de juiz do mundo.

Escorada na chamada Lei Magnitsky, a decisão configura não apenas um grave erro de avaliação, mas um ataque direto à soberania do Brasil, que hoje vive sob o pleno funcionamento de suas instituições democráticas.

A Lei Magnitsky, criada originalmente para responsabilizar indivíduos envolvidos em graves abusos de direitos humanos ou corrupção sistemática, como foi o caso de funcionários do governo russo implicados na morte do advogado Sergei Magnitsky, está sendo descaracterizada e instrumentalizada politicamente.

Prova disso é a reação do próprio William Browder, criador e principal articulador global da norma, que expressou publicamente sua insatisfação com a sanção contra Moraes. Em suas palavras:

“Passei anos lutando para que a Lei Magnitsky fosse aprovada no intuito de acabar com a impunidade de graves violadores de direitos humanos e de cleptocratas. Até onde posso entender, o juiz brasileiro Moraes não se enquadra em nenhuma das duas categorias”.

A crítica de Browder tem fundamento. Alexandre de Moraes é relator do inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil após as eleições de 2022, um processo que visa proteger a ordem constitucional e a democracia brasileira.

Punir um magistrado por conduzir investigações nesse sentido é uma inversão moral perigosa. Em vez de promover a justiça, os EUA acabam por dar amparo simbólico àqueles que tentaram subverter o resultado legítimo das urnas.

O que está por trás dessa sanção é a velha prática de ingerência externa — o mesmo padrão que os EUA utilizaram ao longo da história para justificar invasões, golpes de Estado ou bloqueios econômicos, sempre sob o pretexto de “proteger os direitos humanos” ou combater “ameaças à democracia”.

Do Iraque à Venezuela, passando por Cuba e Afeganistão, os exemplos são numerosos e, em muitos casos, desastrosos. A imposição da sanção a Moraes insere o Brasil, indevidamente, nesse rol de nações que seriam, segundo a retórica norte-americana, focos de autoritarismo.

É inaceitável que um país como os EUA — cuja história recente inclui práticas como a prisão ilegal de detentos em Guantánamo, espionagem de líderes estrangeiros e apoio a regimes autoritários conforme sua conveniência geopolítica — se sinta autorizado a sancionar um magistrado de uma Suprema Corte que age dentro das regras do Estado Democrático de Direito.

A retórica da “defesa dos direitos humanos” não pode ser usada como cortina de fumaça para interferência política e ideológica. Mais preocupante ainda é o recado que essa decisão passa: punem-se os juízes que enfrentam o extremismo antidemocrático, e não os atores que tentaram subverter o sistema institucional.

É uma inversão que pode encorajar golpistas, desacreditar o Judiciário brasileiro e enfraquecer a soberania nacional. O Brasil não pode aceitar, em silêncio, esse tipo de agressão.

O governo brasileiro precisa reagir de forma firme e diplomática, exigindo explicações e deixando claro que o STF e seus ministros não serão intimidados por ações unilaterais que não respeitam a autonomia e a legalidade das instituições nacionais.

A democracia brasileira, como qualquer outra, tem seus desafios e contradições. Mas cabe exclusivamente aos brasileiros — por meio de seus próprios mecanismos constitucionais — resolver esses impasses. A sanção a Alexandre de Moraes não é uma medida de justiça internacional: é um ato político disfarçado de defesa dos direitos humanos. E como tal, deve ser repudiado.

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