Cynthia Pastor é editora do Jornal Opção Entorno

A população de Brasília enfrentou, na terça-feira, 3, o dia mais seco do ano de 2024, marcando um dos episódios climáticos mais áridos da história do Distrito Federal. Idealizada pelo urbanista Lúcio Costa no coração do Cerradão goiano, a cidade, concebida em um contexto geopolítico específico, era inicialmente uma espécie de deserto isolado por razões de segurança nacional. Contudo, a atual realidade, com a severidade das secas, coloca a capital num deserto literal.

A questão do aquecimento global é mundial? Sim, é. E de fato, os brasilienses aprenderam a sobreviver aos períodos da seca, nos meses de junho a novembro. Os incêndios resultantes da autocombustão do Cerrado e os provocados de modo criminoso, de alguma forma, já eram conhecidos pelos “candangos”. A Floresta Nacional, o Parque da Água Mineral e o Jardim Botânico já passaram por grandes queimadas em anos anteriores e a crise hídrica por aqui durou alguns anos.

Lugar nenhum consegue resistir intacto ou sem pagar pelas consequências de anos de degradação ao meio ambiente, com o desmatamento predatório da vegetação de seu bioma típico. Por aqui, nos arredores do “tombado” Plano Piloto e muito aquém de seu projeto inicial, assistimos seguidamente às ocupações de terras irregulares desenharem o caos, com captações clandestinas de água, sem saneamento algum, sem infraestrutura. São mais de 260 mil m² de áreas ocupadas de forma ilegal. A cidade foi crescendo sem planejamento pelas mãos de um tipo de política que buscava a garantia de votos e pela necessidade óbvia de quem não tem como bancar uma residência nas “asas utópicas e elitizadas” criadas por Lúcio e Oscar.

Hoje, assistimos várias regiões sem nenhuma infraestrutura para os moradores em áreas capitaneadas comercialmente por grileiros e pela gananciosa especulação imobiliária. E existem, inclusive, segundo a Defesa Civil, áreas de risco situadas nas regiões do Sol Nascente, Arniqueiras, Fercal, Vicente Pires, Estrutural e Pôr do Sol. Aí a gente se pergunta: mas cadê o tal plano social e habitacional de fato? E esse PPCUB? Este último parece que só atenta para a continuidade da venda de terrenos para exploração comercial por um grupo seleto de empresários.

Quem mora aqui, sabe o que se enfrentou durante a crise hídrica pela falta de planejamento total e como resultado da falência da Barragem do Rio Descoberto, em 2016, que sempre forneceu água para 65% da população brasiliense. A capital mandatária do Brasil entrou em estado de restrição, com rodízio de água em todas as regiões administrativas, atingindo todas as classes sociais, abarcando também, o mais alto PIB do Lago Sul e seus arredores.

Uma crise que perdurou por anos, somada aos longos períodos de estiagem natural da região, cujo bioma é extremamente sensível. O Planalto Central não possui rios de grande volume e se situa numa área onde as nascentes deveriam estar totalmente preservadas. Nessas áreas, contudo, foram construídos diversos condomínios, que crescem a cada dia mais.

Ora, a equação de uma ocupação urbana desordenada, segundo os especialistas da área ambiental, resulta numa enorme diminuição de infiltração de água no solo, por exemplo. Parte dessa água iria para os rios meses depois, o que os salvaria nos tempos da seca brava, porém, Brasília não tem e não busca soluções urbanísticas adequadas para a preservação de seus recursos hídricos.

Muito embora a crise hídrica tenha tido soluções paliativas e tenha sido “suspensa” em 2018, a escassez não está resolvida de fato. A população se educou um pouco, sim, mas continua a ocupar o solo de modo desordenado. Está seco? Está calor? Sim, e vai piorar! Vai piorar porque o DF apresentou o maior índice de área desmatada, com um aumento de 612,5% somente em 2023, de acordo com um relatório apresentado pelo MapBiomas.

Para arrematar essa tragédia anunciada, em audiência pública realizada na CLDF, em junho deste ano, o professor José Francisco Júnior, docente do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), falou com todas as letras que até 2050 haverá um volume 50% menor de água no Cerrado. Será que já deu para entender por que tivemos o dia mais seco do ano?