Neste espaço e em toda imprensa já se falou muito sobre o projeto de lei 1904, que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídoio simples, mas o que não se falou foi sobre um personagem importante que tem ficado de fora dos holofotes e esse lado da história choca tanto quanto todo o projeto e o nívei baixo como atua o Congresso Nacional. 

O Conselho Federal de Medicina tem se posicionado de forma a ignorar a própria medicina, a comprovação científica e as orientações de organismos internacionais de saúde. Trabalhando alinhadamente à extrema-direita, implantando diretrizes doutrinadas por esse viés político que age de forma sorrateira , tal qual a peste perniciosa, acautelada pela bancada evangélica na Câmara dos Deputados. 

A atuação política do CFM começou ainda no governo de Dilma Rousseff, quando a presidente lançou o programa mais médicos e isso desagradou o conselho classista, mas o governo precisava de profissionais para trabalhar no programa Saúde da Família, nos pontos mais isolados do país, onde médicos brasileiros não queriam trabalhar ganhando o salário oferecido pelo governo. A partir daí iniciou-se uma forte atuação anti-petista do conselho. 

Daqui para frente a história foi contada pela jornalista Ana Clara Costa, repórter da Revista Piauí e apresentadora do podcast Foro de Teresina, onde esse fato foi narrado. Vale a leitura para se entender o absurdo que tem sido a atuação desse conselho médico classista.

“Quando o Lula assumiu em 2023 começou um atrito direto entre o CFM e o Ministério da Saúde, primeiro porque o governo queira que o conselho tivesse uma postura mais dura em relação aos médicos que defendiam o movimento anti-vacina em razão da queda do índice de imunização do Brasil e o CFM se negou a isso. 

O problema começou sobretudo quando a minsitra Nísia Trindade derrubou uma portaria do Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde do governo Bolsonaro, que hoje é deputado federal pelo Rio de Janeiro, e essa portaria criava uma lista de burocracias absurdas para o médico cumprir em torno do aborto legal em caso de violência sexual. O médico tinha que avisar a polícia que se tratava que o aborto era decorrente de estupro, ele tinha que fazer uma série de relatórios para atestar que o caso era mesmo decorrente de estupro, guardar fragmentos do feto e ainda oferecer para mulher minutos antes do aborto a possibilidade de ver o feto em ultrassom, tudo isso está na portaria.

Na prática o que estava acontecendo no governo Bolsonaro é que foi se criando um ambiente de caça ao médico que realizasse o aborto. Você tinha o pessoal da Damares (ex-ministra dos Direitos Humanos de Bolsonaro e atual senadora pelo Distrito Federal), você tinha os evangélicos, todas essas alas estavam dentro do Ministério da Saúde fazendo ‘política pública’ e quando a Nísia Trindade assumiu ela derrubou essa portaria imediatamente. 

Essa portaria tinha como co-autor, o ginecologista Rafael Câmara, que era secretário do Pazuello naquela época. O Rafael é um personagem importante, porque ele é o relator do CFM dessa norma que proíbe os médicos de fazerem a assistolia fetal após as 22 semanas de gestação. Essa norma do CFM, que foi criada pelo Rafael e é o que está na origem do PL 1904, o PL do estuprador, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

A assistolia fetal consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto antes da retirada do útero. Ela é usada só em casos de gestação após as 22 semanas, porque a partir desse período o feto já tem possibilidade de sobreviver fora da barriga da mãe. Antes das 22 semanas o próprio parto prematuro já impede a vida do feto, já a partir das 22 semanas ele pode sobreviver, por isso que a assistolia é feita antes

O Rafael Câmara, que é militante anti-aborto e que é amigo da senadora Damares, elaborou essa norma e ela foi pautada no CFM e aprovada, inclusive senadores bolsonaristas estavam no CFM no dia da votação dessa norma ajudando a convencer conselheiros do CFM a aprová-la, senadores como a Damares, senador Jorge Seif (PL-SC) e senador Eduardo Girão (Novo-CE). Embora a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia indiquem a assistolia fetal para o aborto, o Rafael Câmara justificou o projeto dele com base em uma norma do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que não pratica esse procedimento,ou seja, o embasamento dele foi com base nos veterinários, não a OMS ou a Federação Internacional de Ginecologia. 

Isso foi aprovado no início deste ano e o Alexandre de Moraes (ministro do Supremo Tribunal Federal) entrou nessa história dizendo que o CFM não tinha a prerrogativa de determinar o que se deve ou não ser feito em caso de estupro. Ele ele deu uma decisão impedindo, em tese, que essa norma fosse viabilizada entre os médicos brasileiros, mas o o conselho que está super alinhado com o bolsonarismo, com a Damáres e com a bancada evangélica imediatamente acionou esses parlamentares e o assunto foi para a Câmara. 

Então assim, a insanidade é o seguinte. O CFM alinhado com a bancada bolsonarista está legislando sobre o aborto legal a partir de uma norma interna dele, que proibia de fazer esse procedimento, o que na prática proibia qualquer médico de fazer um aborto acima de 22 semanas, porque todo aborto a partir de 22 semanas precisa da assistolia. Então eles queriam legislar com base em uma norma técnica interna deles. 

Como a tentativa não teve sucesso, eles entraram no Congresso. O deputado Sóstenes Cavalcante abraçou a ideia, ampliando o absurdo para a pena de homicídio e a gente viu o que aconteceu”

José Iran Gallo, presidente do Conselho Federal de Medicina, que foi um dos entusiastas do tratamento precoce contra a COVID-19 e a favor do uso da cloroquina para a doença.

Depois disso tudo entendemos, de fato que o Conselho Federal de medicina é o grande protagonista da PL do estupro patricinada pelos deputados da extrema-direita e pela bancada envangélica.

Este Conselho Federal de Medicina é o mesmo que na época da pandêmia de Covid-19, comprou todas as maluquices difundidas pelo ex-presidente sobre tratamento precoce, cloroquina e anti-vacina. Na época o CFM publicou uma portartia dando autonomia para o médico prescrever cloroquina e tratamento precoce sem sofrer qualquer penalidade.

O grupo que regulamenta o exercício da profissão está nas mãos da insanidade e de um reacionarismo que já provou que mata e que no Brasil já matou 712.380 pessoas e que agora é fiador de barbáries esquecendo do qual brutal pode ser um estupro, fisica e psicologicamente.

É ruim ser generalista, mas dentro do CFM pode haver pessoas que em sã consciência veem que isso é insano, burro e violento. Porém isso mostra o quando o Conselho Federal de Medicina está à serviço do negacionismo, da desumanização e do obscurantismo da direita brasileira.

O assunto ainda tem mais absurdos que ao meu ver foram pouco comentados, mas que estarão analisados a partir deste domingo, 23, na coluna Realpolitk.

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