Lula não representa os brasileiros quando elogia a ditadura da Venezuela

30 maio 2023 às 22h23

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Não há como evitar contatos, sobretudo comerciais, com representantes de ditaduras — como Xi Jinping, da China, Vladimir Putin, da Rússia, Victor Orban, da Hungria (não tem o mesmo peso econômico dos outros três países), e Mohammad bin Salman, da Arábia Saudita.
Os Estados Unidos, uma democracia, negocia com China, Rússia, Hungria (talvez menos) e Arábia Saudita (espécie de meca do terrorismo radical —Al-Qaeda e Estado Islâmico surgiram lá). Por que o país de Joe Biden comercializa com tais ditaduras? Porque é incontornável. O presidente americano faz críticas à China, porém menos pela ditadura e mais por receio de a nação americana ser superada pelos asiáticos.
A Europa precisa do gás e do petróleo da Rússia e, pode-se dizer, Putin é, no momento, a Rússia. Até a poderosa Alemanha é uma espécie de refém do país de Púchkin e Tchékhov.
Aliada histórica dos Estados Unidos, a Arábia Saudita é uma espécie de “reguladora” do preço internacional do petróleo. O mundo precisa do país árabe (sunita) e, por isso, raramente critica a cruenta ditadura do príncipe Mohammad bin Salman (poucos se lembram do jornalista assassinado e esquartejado por forças sauditas, e no território de outro país, a Turquia de Recep Erdogan — com o qual quase todos negociam).

A China é uma “necessidade”. Todos precisam dela — o Brasil na linha de frente, pois é o principal mercado para os seus produtos. Quando Jair Bolsonaro era presidente, por ser de direita — até de extrema direita —, “deveria” ter rompido com a nação de Xi Jinping. Não o fez porque, se tentasse, seria derrubado pelos capitalistas — tanto os produtores de soja quanto os de ferro e aço.
A China é uma ditadura cruenta. Uma pessoa crítica é presa, desaparece, as famílias não são informadas dos motivos da prisão nem de seu paradeiro. Tempos depois, ela aparece, como se nada tivesse acontecido. Pode ser um jornalista, um artista plástico ou um grande empresário. A ditadura do país “de” Ai Weiwei (preso e incomunicável por um bom tempo) — ou melhor, seu poder de compra e, também, sua capacidade de financiar projetos em outros países — é globalmente bem-vinda.
Ditaduras, quanto mais fortes — se tiver bomba atômica, caso da China e da Rússia (Putin, sem energia nuclear, seria Putinho), ainda mais perigosas —, mais “bem-vindas” mundialmente.
Narrativa de Lula sobre Venezuela é falsa
Portanto, o ato de o presidente Lula da Silva receber o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, não é motivo de escândalo. Os Estados Unidos deixaram, algum dia, de fazer trocas comerciais com o país sul-americano? Nunca. O petróleo da Venezuela, um dos maiores produtores globais, é bem-vindo em todos os cantos do mundo.
O que é motivo de escândalo é a falta de compostura de Lula da Silva ao lidar com um ditador omitindo a verdade e robustecendo a mentira.
Nicolás Maduro é um ditador, com todas as letras. Seus adversários são perseguidos e muitos venezuelanos, passando fome, mudaram-se (e continuando mudando) para vários países, como Argentina e Brasil. Em Goiânia, inclusive na Feira Hippie — trabalhando como fretistas (um deles me disse, na porta da Estação Ferroviária de Goiânia, no domingo, 28, que, no seu país, era estudioso de questões jurídicas) —, há dezenas de venezuelanos. Muitos deles (inclusive indígenas) estão subempregados e outros se tornaram pedintes nos semáforos.
Dizer que Nicolás Maduro é um ditador, um líder da vanguarda do atraso, não tem a ver com narrativa da direita. Pelo contrário, é a verdade.
Há momentos em que um presidente da República não representa o país que, em tese, dirige. É o caso de Lula da Silva quando fala sobre a Venezuela. Tudo indica que não está emitindo “pareceres” como representante dos brasileiros, mas da esquerda petista. Mas ele é presidente do Brasil — não do PT, não de grêmio estudantil.
A política externa de Jair Bolsonaro era ruim — a rigor, praticamente não existia. A de Lula da Silva está se revelando ruim — tanto a respeito de sua posição em relação a guerra da Rússia contra a Ucrânia (não se pode omitir que o país está sendo massacrado) quanto em termos de seu amor incondicional pela ditadura de Nicolás Maduro.
O presidente brasileiro parece que, ao falar, está “dormindo”. O petista seria o “nosso” Rip van Winkle? Ele parece não perceber que, se mostra entusiasmo com o regime discricionário vizinho, Nicolás Maduro não mostra nenhum entusiasmo com a democracia.
O presidente do Brasil, que fala como se fosse ministro das Relações Exteriores, deveria acordar para os problemas do seu próprio país e, também, sintonizar-se com o que há de melhor em termos de diplomacia. Lula da Silva, político inteligente e perceptivo, não pode criar uma imagem ridícula para o país.
A grande vantagem pró-Lula da Silva é que não representa uma ameaça à democracia brasileira. Jair Bolsonaro tinha vocação para ditador — o que prova a chamada “minuta do golpe”. Ele não quis golpe? Quis. Quem não quis foram as Forças Armadas, que optaram pela democracia.