Após nove anos de discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) se aproxima de uma resolução para o impasse sobre a quantidade exata de maconha que um indivíduo pode portar para ser considerado um usuário, e a partir de qual quantidade será considerado um traficante. Porém, o consenso jurídico sobre a questão das drogas que se pretende alcançar não significa pacificação entre Judiciário e Legislativo, mas promete aprofundar seus atritos. 

Na quinta-feira, 20, ao julgar a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006), o ministro Toffoli negou provimento ao recurso extraordinário. O placar agora está em 5 votos pela descriminalização do usuário e 4 votos pelo entendimento da constitucionalidade do dispositivo que penaliza o consumidor. Faltam ainda se manifestar os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, que terão palavra final sobre a situação.  

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há hoje 6.354 processos parados, à espera da decisão do Supremo, que deverá balizar a atuação de policiais, juízes e membros do Ministério Público de todo o país. É, portanto, uma questão de interesse público. Entretanto, o Legislativo já tratou do tema em 2006, quando despenalizou o crime do consumo de drogas (que continua sendo crime, mas com penas alternativas como prestação de serviços comunitários). 

A demarcação exata da quantidade de drogas que define um traficante é nebulosa, conforme mostrou o ministro Alexandre de Moraes, quando afirmou que “uma pessoa com 35g de maconha pode ser considerada usuária de droga na capital, ou traficante no interior de São Paulo”. A ausência dessa demarcação pelo Legislativo é a principal justificativa para a entrada do Judiciário na questão. 

Porém, deixar de pautar algo é em si uma posição política. São legítimas as preocupações de Alexandre de Moraes quanto ao fato de que os pobres são medidos por balança mais cruel do que a que pesa os ricos portadores de drogas. Mas isso não muda o fato de que o Supremo não é uma comissão parlamentar. 

Se diz que a Câmara dos Deputados é conservadora, e por isso não assume o papel de indicar uma quantia “tolerável” de drogas. Mas o conservadorismo do Congresso é o conservadorismo da sociedade, que escolheu o parlamento. A recusa do Legislativo de definir melhor o artigo 28 não o isenta da responsabilidade sobre o tema, e a disposição do Judiciário em ser progressista não o faz responsável pela legislação. 

Algo neste sentido foi dito por Dias Toffoli na última quinta-feira. Para o ministro, a Corte só discute essa questão devido a uma disfuncionalidade dos poderes Legislativo e Executivo em enfrentar o tema com base na ciência. Ele citou, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que até hoje não emitiu parecer sobre o uso terapêutico do canabidiol (CBD). “Cabe ao Congresso empreender medidas necessárias ao avanço e o tratamento dos usuários com enfoque na saúde, e não na criminalização”, afirmou.

Uma evidência de que o debate está acontecendo na Casa errada são as defesas dos ministros por quantidades específicas da droga. Para os ministros Zanin e Nunes Marques, o limite é 25g; para André Mendonça, 10g; para Barroso, Gilmar, Rosa e Alexandre de Moraes, o limite é 60g. As quantias discrepantes foram definidas pelos ministros segundo suas próprias lógicas, pois o STF não é o ambiente ideal para negociar um entendimento mútuo. A Casa do diálogo é outra.

Edson Fachin foi o único que, mesmo aderindo pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, afirmou que cabe ao Congresso Nacional decidir a questão da quantidade. Ele tem razão: o Congresso é o local onde se deve buscar por uma convenção social. Apesar do que Toffoli afirmou (com razão) sobre a importância da ciência para guiar a decisão, a ciência não nos dará a diferença em gramas entre o tráfico e o consumo, pois esse número não existe. Ele deve ser convencionado por um Congresso que é conservador, como a sociedade que o elegeu.