A conclusão do inquérito policial militar (IPM) que investigou a invasão do Palácio do Planalto nos atos golpistas de 8 de janeiro salta aos olhos como algo entre o cinismo e a desfaçatez.

É preciso antes ressaltar que o documento não tem peso a não ser nas próprias instâncias militares. Ele foi aberto em 11 de janeiro – portanto, três dias após a tentativa de golpe bolsonarista – para averiguar a atuação da tropa do Comando Militar do Planalto (CMP), que deveria ter protegido a sede do governo. Ou seja, a invasão das sedes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) não foi escopo da investigação.

O IPM foi conduzido pelo coronel Roberto Jullian da Silva Graça, que é chefe do Estado-Maior do CMP. É uma investigação chamada de pré-processual, elaborada para avaliar se há indícios de crime militar e quais seriam os possíveis responsáveis. A questão é que quem avalia é o próprio comando militar.

Ora, quem deveria ter requisitado uma proteção maior do Palácio do Planalto, como aponta o próprio relatório, seria o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que havia sido assumido pelo general da reserva Gonçalves Dias, o GDias, uma semana antes. Como em qualquer órgão, a transição de equipe em uma mudança de governo se dá de cima para baixo e não se faz de um dia para o outro. É um processo que demora semanas ou até meses.

Como haviam decorrido apenas sete dias desde a posse, estava ainda na parte operacional muita gente nomeada pelo bolsonarista-raiz Augusto Heleno, antecessor de GDias no GSI. Entre eles o general Carlos Feitosa Rodrigues, titular da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, e seu subordinado, coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, que chefiava o Departamento de Segurança Presidencial (DSeg).

Para ter noção de como foi produzido o tal IPM, nem mesmo o general Feitosa foi ouvido para a apuração dos fatos. Mas tanto sua secretaria como o Dseg foram responsabilizados.

De fato, se a apuração quiser isentar as tropas no sentido estrito – já que elas precisam de ordens para agir –, os 36 homens disponíveis eram mesmo insuficientes para conter da fatia da horda raivosa que, tendo tomado conta da Praça dos Três Poderes, investia contra o Planalto.

A desfaçatez/cinismo, no entanto, consiste em produzir o relatório isolando o fato em si. Os condutores da investigação se “esqueceram” de que, por mais de dois meses, as portas dos quartéis – que, por norma de segurança nacional das próprias Forças Armadas, deveriam estar totalmente desbloqueadas –serviram de incubadoras para o clamor golpista que resultou no ataque daquele dia.

Não existiria invasão do Planalto, nem de Congresso ou STF, não fosse a complacência dos generais e coronéis com os “patriotas”. Continuo imaginando se, em vez de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quem tivesse vencido as eleições fosse o atual ex-presidente e os militantes petistas resolvessem ocupar a mesma área militar. Quanto tempo durariam em frente ao quartel? Dez minutos ou cinco?

Se tem algo a que serve o IPM em questão é para se juntar aos motivos pelos quais é preciso fazer uma reforma curricular na formação militar. A sociedade civil não pode aceitar que a política afete o cerne de suas Forças Armadas. O que não se deve esperar é que o atual governo, tendo o general sem farda José Múcio no comando do Ministério da Defesa, tome essa iniciativa. Não tomará.