Sol Nascente, que até 2019 era mais um bairro de Ceilândia (DF), é uma cidade com população de mais de 100 mil habitantes. Assim como todas as grandes cidades, Ceilândia tem dificuldades para cuidar de todos seus bairros. Por esse motivo, a comunidade de Sol Nascente sempre foi esquecida pelo poder público; ou melhor, é lembrada apenas em épocas de eleição. 

O conjunto habitacional conta atualmente com mais de 100 mil moradores e acaba de ganhar notoriedade por ultrapassar em população a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Agora, a região administrativa de Sol Nascente passa a ser, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior favela não somente do Brasil, mas da América Latina – título de que os moradores não gostam.

Porém, de acordo com o IBGE, favela é qualquer aglomerado subnormal, que contenha mais de 51 residências, que ocupam de forma desordenada e densa os terrenos e que não possui acessos a serviços públicos essenciais, como água potável, saneamento básico, coleta de lixo, baixa qualidade das casas e insegurança quanto ao status das propriedades. Ainda há a precariedade do sistema de saúde, transporte, escolas e creches.

Em visita à comunidade, este repórter pôde perceber que a definição do IBGE só não se encaixa na definição de favela quanto à construção das moradias. As favelas cariocas e paulistas, por exemplo, são construídas sobre encostas e morros. As residências da Região Administrativa Sol Nascente, pelo contrário, são levantadas em terrenos planos, já que o relevo coopera por ser uma planície. 

Por outro lado, no entanto, todas as outras definições se encaixam perfeitamente em relação à nova cidade. Andando pelas ruas, o que se vê são montes de lixos jogados nas portas dos comércios, das casas, e um mau cheiro terrível, de dar ânsia de vômito. Apesar de o conjunto ter sido formado em 1990, as ruas ainda são de chão batido, com muitos buracos. Como me disseram diversos moradores: “na seca, é só poeira e na chuva, é só lama.”

O jovem dono de uma casa de carne reclamou que não sabe mais a quem recorrer, pois ninguém resolve os problemas. Bem de frente ao seu comércio, existe uma dessas enormes pilhas de lixo. De acordo com o comerciante de alimentos, os políticos não pretendem fazer nada pela comunidade, pois se fizerem, não terão como mentir na próxima campanha eleitoral. Para ele, os agentes públicos usam a fragilidade das pessoas para se dar bem. 

Na cidade de mais de cem mil habitantes, existe apenas uma unidade básica de saúde e uma unidade de pronto atendimento. Dona Maria da Conceição, natural do estado do Piauí, reside na localidade há mais de 10 anos e protesta com revolta sobre a falta de mais unidades de saúde. “Esses políticos vêm aqui na época de eleição e prometem Deus e o mundo e o povo besta acredita. Eu mesma não acredito mais em nenhum deles. Se fizessem tudo que nos prometem nas campanhas, não faltaria nada, seria uma cidade de primeiro mundo”. Entretanto, mesmo morando em um local onde falta quase tudo, dona Maria não pensa em retornar ao Piauí nunca mais.

Passando por uma das avenidas, me deparei com um senhor já de idade avançada, levando suas duas netinhas para a escola. Quando indaguei sobre a qualidade do ensino e se há escolas suficientes, seu Sebastião foi enfático ao responder que não existe nenhum dos dois. “Perto da minha casa, só há uma escola e a qualidade do ensino é ruim, falta até merenda. Sem contar que a estrutura física é péssima”, queixa-se.

Chegando a um ponto de ônibus a céu aberto, onde a pessoa fica exposta ao sol, à poeira, à chuva e à lama, Edilene Dias esperava o coletivo a mais de 30 minutos. “É uma falta de respeito com a gente. Tive que andar 10 minutos a pé para chegar ao ponto e já estou aqui esse tempo todo tomando sol e poeira, além de chegar atrasada em meu compromisso, também vou chegar toda suja, isso se chegar”, desabafa.

Em frente à casa do senhor José Bonfim, havia mais um dos muitos lixões e alguns urubus se alimentando. Perguntei ao homem se é assim sempre, e ele me respondeu: “não, às vezes é pior. Em tempo de chuva, as fossas sépticas estouram e aí é que a coisa fica feia… e fedida”, ele disse, rindo. “É, meu filho, a gente sorri para não chorar”.

Encontrei também Matheus, um jovem de 16 anos, que lamentou a falta de um local dedicado a esportes e lazer próximo da sua casa. “O único local para a gente praticar esportes fica há mais de uma hora de bicicleta daqui. De ônibus, é mais complicado ainda, porque dá muitas voltas até chegar lá, isso desanima”, reclama. Matheus está falando do Centro Olímpico e Paralímpico.

Papeando em off com muitos moradores, observei que a maioria das pessoas vêm da região Nordeste do país, sobretudo Maranhão, Piauí e Bahia. Outro fato que constatei foi que praticamente todos vieram ao Sol Nascente em busca de uma vida melhor, de trabalho, emprego com carteira assinada. Para a maior parte desses indivíduos, o projeto não passou de uma ilusão. Foram obrigados a cair na informalidade.

Contudo, percebi que parece haver uma luz no fim do túnel. Há muitas obras de pavimentação pelas ruas e avenidas, como também a colocação das manilhas para a passagem da rede pluvial. Os moradores estão felizes porque, segundo eles, com a nova administração que veio quando o bairro foi elevado à condição de cidade, as coisas começaram a melhorar. “Esse novo administrador parece querer ser governador, está mostrando serviço”, disse um dos residentes. 

A favela Sol Nascente (ou região administrativa, como queira) está há somente 35km do Plano Piloto, da sede do GDF, do Senado Federal e do palácio do Planalto, onde jorra o dinheiro dos políticos. Lá, bilhões são distribuídos em vésperas de votação no legislativo, e aqui ainda podemos ver pessoas vivendo de forma sub humana. Tudo lhes falta. Infelizmente, essa não é a realidade somente da favela Sol Nascente – como ela, existem milhares.

Foto: Leoiran / Jornal Opção