O Brasil enfrenta uma crise silenciosa, onde gravidez não desejada, tabus e desigualdade social se entrelaçam. A falta de uma educação sexual clara, o difícil acesso a contraceptivos, e a ausência de apoio à maternidade expõem a hipocrisia dessa sociedade. Afinal, ela prefere condenar as mulheres as consequências de um sistema falido do que enfrentar a realidade e discuti-la.

A atriz Klara Castanho foi estuprada e, em 2022, afirmou que engravidou e decidiu entregar o bebê para adoção. O caso expõe brutalmente as consequências de viver em uma sociedade onde não há direito à privacidade e à escolha. A exposição pública, e ilegal, de sua história, mostra como o sensacionalismo e a falta de empatia podem agravar ainda mais qualquer trauma.

Recentemente, a condenação de Adriana Kappaz, uma das responsáveis pela divulgação do caso, trouxe uma vitória importante no campo jurídico. Entretanto, prova que ainda falta muito no campo social. A penalização daqueles que violam os direitos das vítimas é fundamental, mas não suficiente.

Precisamos de uma mudança estrutural, onde a educação e a saúde reprodutiva sejam direitos fundamentais e não casos de exceção.

Desigualdade social

É evidente que a desigualdade social exacerba o problema. Mulheres ricas têm acesso a clínicas clandestinas, onde podem interromper uma gravidez indesejada em condições seguras, longe dos olhos do Estado e do julgamento público. Já as mulheres pobres, muitas vezes sem acesso à informação ou recursos, seguem adiante com gravidezes não planejadas, ou optam por recorrer a métodos perigosos.

A hipocrisia também se revela na forma como a sociedade trata o aborto. Até porque, a despenalização e regulamentação do aborto é um passo essencial para garantir a segurança e os direitos das mulheres. Ainda assim, seguirá enfrentando forte resistência de setores conservadores, que se recusam a discutir a questão de maneira pragmática.

Para esses grupos, o direito à vida do feto é absoluto. Infelizmente, não há a mesma preocupação com a vida e o futuro das mulheres que carregam essas gravidezes, ou sequer com essas crianças. E, ironicamente, quando mulheres mais pobres têm muitos filhos, a sociedade as trata como “irresponsáveis”, perpetuando o ciclo de miséria e exclusão.

Solução em mente

O caminho para uma solução passa por um diálogo amplo e diverso, onde as necessidades e os direitos das mulheres estejam em primeiro plano. A crise de desigualdade social no Brasil se reflete de maneira crua na forma como tratamos a gravidez não desejada. A criminalização do aborto e a falta de políticas públicas eficazes são sintomas de um sistema que precisa urgentemente de reformas.

Isso inclui a implementação de uma educação sexual ampla, que prepare jovens para tomarem decisões informadas sobre suas vidas sexuais e reprodutivas, o que tentaram fazer, mas as notícias falsas transformaram em “ideologia de gênero”. Ou então acesso a métodos contraceptivos eficazes e acessíveis, que previnam gravidezes indesejadas, mas para os cristãos, é pecado. E que tal um sistema de apoio à maternidade, que não condene as mulheres por serem mães, mas as ajude a criar seus filhos com dignidade? Aí também estão ultrapassando os limites, porque “bolsa família” é coisa de “quem não quer trabalhar”.

E até que esses tópicos deixem de ser tabu, a hipocrisia vai continuar bloqueando todos os caminhos possíveis para uma sociedade mais justa e igualitária.

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