A última semana foi marcada por uma intensa agenda do presidente francês Emmanuel Macron no Brasil. Em três dias em terras tropicais, Macron esteve em Belém, no Pará; Rio de Janeiro; São Paulo e, por fim, em Brasília, no Palácio do Planalto, onde participou de uma reunião bilateral com o presidente Lula da Silva para a assinatura de diversos acordos.

Aliás, acordos firmados não faltaram nessa visita: 21 no total, incluindo uma declaração de Intenções Relativa ao Reforço da Cooperação na Luta contra o Garimpo Ilegal, uma carta de Intenções sobre a Cooperação em Saúde e um memorando de Entendimento sobre Modernização da Gestão Pública.

O clima amistoso entre Macron e Lula foi tão visível que rendeu até memes, comparando-os a um casal de cinema. O francês chegou a compartilhar um deles: um pôster do filme La La Land que mostra os dois líderes de mãos dadas. Na legenda do post, Macron escreveu: “Algumas pessoas compararam as imagens da minha visita ao Brasil com as de um casamento, e eu digo a elas: foi um casamento! A França ama o Brasil e o Brasil ama a França!”.

A agenda de Macron no Brasil e as dezenas de acordos firmados não poderiam oferecer melhor debate para a imprensa. Aliás, há inúmeros pontos a serem esmiuçados: como ficou nossa relação com o país europeu após essa visita? Qual será o efeito prático em curto, médio e longo prazo dos acordos fechados? Quais serão as contrapartidas? Enfim, os questionamentos os quais cabem à imprensa levantar são vários, mas foi outra questão que ganhou destaque em alguns sites.

Na última sexta-feira, 29, em matéria não assinada, o site Poder360, por exemplo, publicou o seguinte: “#LulaCorno: hashtag viraliza após fotos de Janja e Macron”. Nela, o veículo jornalístico diz que a hashtag em questão ficou entre os assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) em decorrência de uma imagem em que o presidente francês, durante a entrega de uma condecoração à primeira-dama Janja, a cumprimenta com dois beijos no rosto, um em cada lado da face.

Veja bem: o destaque não foi pela condecoração – a Ordem Nacional da Legião de Honra no grau de oficial, a mais alta honraria francesa -, mas sim o cumprimento. Os beijos na face são diplomáticos e tradicionais de Macron para todas as primeiras-damas as quais encontra (vide foto abaixo), mas parece ter ofuscado, para o site mencionado e para opositores do atual governo brasileiro, os lugares visitados e as alianças feitas.

Ex-presidente americano Donald Trump cumprimenta a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, enquanto Emmanuel Macron cumprimenta a ex-primeira-dama americana, Melania Trump, no museu Les Invalides, em Paris, em 2017 | Foto: Michel Euler/Reuters

Uma página intitulada “BolsonaristasPresente”, no X, por exemplo, compartilhou a imagem com a seguinte legenda: “Após fotos da Lua-de-mel na venda da Amazônia, a canja [sic] botou na bandeja e esfregou na cara”. Já outro, com o nome de Mr. Silva, disse: “Lá vai ele, com a cabeça infeitada, sem saber que sua amada, lhe traiu com o macron kkkk”, sic, sic e mais sic.

Sim, eu sei. É de estarrecer. Mas o show de misoginia não é novidade. Em 2019, durante uma crise diplomática com Macron, o ex-presidente Jair Bolsonaro reagiu a uma foto compartilhada por um internauta na qual a primeira-dama francesa era alvo de zombaria. A imagem mostrava uma montagem com Brigitte Macron e Michelle Bolsonaro, ex-primeira brasileira, com a legenda: “Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?”. Bolsonaro respondeu na publicação “Não humilha, cara kkkk”. O comentário foi apagado logo depois, mas como sabemos, o print é eterno.

Pelo exposto, conseguimos concluir que atacar primeiras-damas é uma saída fácil em situações nas quais não existe argumento ou capacidade cognitiva para tecer uma crítica válida. A lógica do raciocínio é mais ou menos semelhante à do estudante do 5º ano que escreve um palavrão na lousa e morre de rir disso: tem origem na vontade de ofender, de chocar, mas sendo limitado intelectualmente, o máximo que sai é isso. Um palavrão. Uma ofensa infantil.

Tomo a liberdade de encerrar este artigo com a lista de acordos firmados entre Brasil e França cuja abordagem e debate poderiam ter ocupado as linhas usadas por que aqueles que se empenharam a destacar a hashtag “#LulaCorno” por causa do cumprimento de Macron a Janja.

1) Novo Plano de Ação da Parceria Estratégica Brasil-França

2) Termo Aditivo ao Acordo de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal

3) Declaração de Intenções sobre a Retomada do Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica 

4) Carta de Intenções sobre a Cooperação entre o Parque Amazônico da Guiana e o Parque das Montanhas do Tumucumaque

5) Declaração de Intenções Relativa ao Reforço da Cooperação na Luta contra o Garimpo Ilegal

6) Declaração de Intenções sobre Diálogo para Transição e Segurança Energética e Minerais Estratégicos (DTSEM)

7) Declaração de Intenções sobre Matérias Primas Críticas

8) Memorando de Entendimento sobre Modernização da Gestão Pública

9) Declaração de Intenções em Matéria de Proteção e Defesa Civil

10) Memorando de Entendimento para a Cooperação em Projetos de Desenvolvimento Sustentável Regional

11) Memorando de Entendimento com o Ministério das Cidades

12) Carta de Intenções sobre a Cooperação em Saúde

13) Declaração de Intenção Destinada a Reforçar a Cooperação Franco-Brasileira a Fim de Garantir a Integridade do Espaço Informativo

14) Declaração de Intenções no Domínio da Formação de Profissionais de Educação Básica e da Promoção do Plurilinguismo

15) Carta de Intenções sobre a Cooperação Esportiva

16) Acordo de Segurança Relativo à Troca de Informações Classificadas e Protegidas

17) Memorando de Entendimento sobre Financiamento ao Desenvolvimento, Clima e Gênero

18) Protocolo de Intenções entre o BNDES e a AFD

19) Memorando de Entendimento para Cooperação Técnica EMBRAPA-CIRAD

20) Memorando de Entendimento para Cooperação Técnica EMBRAPA-IRD

21) Protocolo de de Intenções entre o Banco da Amazônia (BASA) e a AFD.