Este 25 de dezembro foi um Natal pela metade. Não dá para comemorar de verdade nada que celebre a paz, a harmonia e a esperança para a humanidade – como simboliza, para os cristãos, a data do nascimento do Messias – com bombas cobrindo os céus da Terra Santa.

Ainda que judeus e palestinos não acreditem em Jesus como um deus, antes da guerra havia um respeito pela data pelos cristãos que moram na região, pela compreensão do que aquilo significa em termos de tradição e, também, pelo volume de recursos financeiros que o turismo traz todo fim de ano. O resultado da guerra: centros de peregrinação totalmente vazios, enquanto em outros anos dezenas de milhares de pessoas se acotovelavam em cada um deles a cada período do dia.

Em Belém, a cidade em que Cristo nasceu, conforme a Bíblia, e que fica na Cisjordânia, um protesto emblemático: a Igreja Evangélica Luterana da Natividade montou, no presépio local tradicional, o Menino Jesus vindo ao mundo entre escombros. Na manjedoura cercada por destruição, um boneco do Bebê coberto pelo característico lenço palestino, símbolo da resistência do povo. Quase 8 mil crianças morreram em Gaza, vítimas da guerra, em dois meses e meio.

Foi um Natal sem trégua dos homens de Benjamin Netanyahu à Faixa de Gaza. Segundo o governo palestino, pelo menos cem palestinos morreram com os bombardeios à caça dos terroristas. Israel não confirma nem desmente.

O governo de extrema direita de Bibi, como é chamado o primeiro-ministro israelense, está na berlinda. Se antes perigava cair por corrupção, agora é a guerra. E, como típico extremista, ele parece dobrar a aposta diante do caos. Qual é a mensagem de Natal de Bibi? De que a guerra em Gaza será longa.

Do outro lado do Atlântico, o 25 de Dezembro das pessoas em situação de rua de São Paulo foi como tem sido a data nas últimas décadas: com o padre Júlio Lancellotti e sua equipe coordenando um café da manhã, com direito a panetones para a população carente. Este ano, a ele se juntaram outros religiosos – o xeque e muçulmano Rodrigo Jalloul, que ladeou Lancellotti na ação, além de outros líderes católicos, evangélicos, de religiões afro e até uma bruxa.

Um ato saudado como magnânimo por grandíssima maioria de quem fez comentário nas redes sociais, mas que foi atacado por quem se denomina “conservador” ou “de direita”. “Se acabar com a pobreza, acaba com o falso bom samaritanismo do Lancellotti”, escreveu um desses. “Daqui a pouco aparece alguém dizendo que é bom viver nas ruas dependendo da boa vontade dos outros”, disse outro, com a bandeira do Brasil em vez de foto no perfil. “Esse padre não aguenta um dia longe das câmaras!”, exclamou um terceiro, com seu nome seguido pelas bandeiras da Ucrânia e de Israel no X/Twitter.

Jesus, Maria e José foram imigrantes e refugiados políticos. Logo ao nascer, relatam as Escrituras, sua família fugiu da perseguição do rei Herodes indo para o Egito. Durante sua vida, mesmo exaltado no mínimo como um grande profeta, teve muito pouco além de uma pedra para reclinar a cabeça, como a própria Bíblia cita. Ensinou as pessoas a dividirem o que tinham e a dar a outra face em vez de reagir com violência a uma agressão.

A extrema direita gosta de armas, justifica guerras e faz questão de exaltar o mais forte, o mais bem sucedido, o mais rico. Seus militantes fazem odes a uma suposta meritocracia vinda dos céus, que seria algo como “foi Deus quem me deu”.

A verdade é que o deus em que acreditam não é o mesmo Deus de amor e partilha que nasceu no Natal. Não tem como ser. Até porque, partindo-se do discurso extremista, Jesus era nada mais do que um bom moço fracassado que morreu na cruz.

Por isso causa tanto desconforto, para quem se liga à extrema direita, se deparar personagens como um Júlio Lancellotti ou uma família palestina que insiste em viver apesar das bombas que vêm dos céus. Eles são a lembrança de uma religiosidade e de uma esperança genuína que lhes causa vergonha e raiva, porque não lhes pertencem.