João Santana, responsável pelo marketing eleitoral das campanhas presidenciais petistas de 2006 a 2014, se identifica com a esquerda, mas tem uma visão crítica do governo Lula. Sua análise clara deveria provocar insights nos apoiadores do presidente. Paradoxalmente, João Santana corre o risco de ser considerado traidor por condenar a idolatria de lulistas aos erros do líder. 

Em entrevista à Folha de S.Paulo, João Santana apontou três equívocos da esquerda que valem a pena ser destacados. O primeiro, é o erro de deixar o bolsonarismo monopolizar a crítica ao presidente. Mesmo após o fim da campanha, ainda existe a concepção de que admoestar o presidente é tornar Bolsonaro mais forte. 

Como resultado, em 2026, as inevitáveis falhas do governo petista só encontrarão desaprovação e solução na direita, que se tornará o único referencial. Todo o outro campo estará comprometido com a defesa dos erros de Lula; mais ainda: se identificando com suas limitações. 

O que leva ao segundo conselho: o melhor que Lula pode fazer com Bolsonaro é superá-lo. Deixar para que a Justiça se encarregue de seu destino, pois a vitória política já se confirmou. “A coisa mais importante a se fazer é melhorar Lula, não piorar Bolsonaro. Piorar o péssimo? Não. [Precisamos] melhorar aquilo que já é bom. O Lula tem coisas boas, mas é uma pessoa naturalmente comodista e conciliadora em excesso.”

Por último, João Santana levanta uma reflexão crucial mas ainda pouco articulada na imprensa. Lula afirmou em 22 de novembro de 2022 que seu governo seria de transição. Transição para onde? O principal equívoco do presidente é a aparente incompreensão de um novo mundo e o apego às fórmulas do passado. 

Lula, esquecendo-se de seu compromisso de campanha e com Marina Silva (Rede), se esquece da transição para uma matriz energética limpa e agora debate a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Debate o carro popular, em vez de debater a mobilidade e o urbanismo modernos como os de países desenvolvidos. Debate o controle do Banco Central em um contexto de economia globalizada muito diferente daquele que encontrou em 2002

A culpa de tudo isso, João Santana não atribui à comunicação, como se tornou clichê repetir. “Fala-se muito que o governo tem problema de comunicação, mas acho que, na verdade, a comunicação sofre problemas de governo”, afirmou à Folha. Segundo ele, o protagonismo excessivo de um líder “quase narcísico” e a repetição retórica não são suficientes, como também não é suficiente vender doses de empatia e de institucionalidade. Outra máxima de João Santana: “Lula precisa tomar cuidado para que o discurso da miséria não vire a miséria do discurso”.

A comunicação faz sua parte, diz Santana, falta agora que o governo se mobilize para tocar os evangélicos, a Amazônia por uma nova abordagem, os liberais da economia, os militares e os produtores do agro. Lula discursa para estes grupos ora com rancor, ora com viés conciliador; mas produz poucas políticas para convencê-los.