Por um instante, imagine como seria se todo mundo pudesse falar – e falasse – tudo aquilo que lhe viesse à cabeça. Abaixo, alguns exemplos do que aconteceria por aí.

Um sujeito odeia o chefe e um dia, no trabalho, é cumprimentado por ele: “Olá, meu caro, tudo bem?”. Ao que o empregado responde: “Tudo bem não está, eu não vou com sua cara e detesto que seja meu chefe.”

O marido acorda de pá virada, com a mulher terminando de se maquiar e lhe perguntando: “Estou bonita?”. E ele, na lata: “Não, faz tempo que você não consegue ficar bonita, nem mesmo maquiada!”.

O político sobe na tribuna e confessa que ajudou, inclusive financeiramente, pessoas a se manifestarem em local proibido em favor da intervenção das Forças Armadas para que o presidente eleito não tomasse posse. “Eu deveria estar preso, eu ajudei a bancar quem estava lá. Mande me prender!”.

Os três exemplos seriam de deixar perplexo qualquer um que presenciasse a cena. A diferença é que os dois primeiros ocorreram, até onde se sabe, ou no campo do cinema ou, no máximo, no anonimato. O terceiro teve como palco o plenário da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). Era 10 de junho e o deputado Amauri Ribeiro (UB) respondia, de forma ríspida e irônica, ao colega deputado Mauro Rubem (PT).

Na manhã desta terça-feira, 29, o “pedido” do parlamentar foi parcialmente atendido. Ele foi alvo da 15ª fase da Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, que investiga os atos antidemocráticos que culminaram com a invasão dos prédios dos três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Goiânia e também em Piracanjuba, cidade da qual Amauri foi prefeito e que é sua base eleitoral. Seu advogado de defesa, o ex-senador Demóstenes Torres, disse que a polícia levou apenas o celular do deputado.

Político de perfil bastante ativo nas redes sociais, com até quatro postagens por dia no Instagram, ele preferiu o silêncio depois da operação. Os comentários nas publicações estão limitados. A última postagem ocorreu na segunda-feira. Era um recorte de entrevista a um podcast que curiosamente diria muito sobre a situação do dia seguinte. Amauri Ribeiro admitia ao âncora que não tinha papas na língua:

— Pago caro [pelo que falo], sim, tenho vários processos e de nenhum deles me envergonho, nenhum é por corrupção, roubo ou algo ilícito que eu tenha feito, mas sim por defender o que acredito e as pessoas que acredito que merecem essa defesa. Por falar o que precisa ser falado e muitos não têm coragem. (…) Não vou mudar. Eu trouxe para a política o que eu sou.

Aqui, o parlamentar apela para o terreno da liberdade de expressão irrestrita. A qual, como se pôde ver no começo deste texto, na prática não existe, porque a convivência em sociedade seria totalmente deteriorada se todos falassem o que quisessem. Mais além: a manifestação “pacífica” dos bolsonaristas contra o resultado das urnas é indissociável de um apelo por golpe de Estado. Pedir golpe ou dar apoio a algo do tipo é crime previsto pela Constituição.

O resumo da historieta dos “patriotas”: não se pode confundir liberdade de expressão com liberdade para cometimento de crimes. O que houve na porta dos quartéis por meses foi algo condenável, inclusive penalmente.

Portanto, mais do que falar o que não deveria de onde erroneamente achava que poderia – a tribuna do Legislativo –, Amauri Ribeiro, em seu arroubo discursivo de junho, acabou produzindo provas contra si mesmo, ancorado em uma suposta imunidade parlamentar, instrumento que não serve para dar guarida ao que ele proferiu, em transmissão ao vivo pela TV Assembleia.

Na política, como na vida – na política até menos do que na vida – não se pode dizer tudo. Pelo menos Amauri já reconheceu que paga caro pelo que diz.