A importância da resistência contra o “establishment” e de vozes lúcidas como a de Ailton Krenak

12 junho 2024 às 18h58

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Por Cynthia Pastor (editora do Jornal Opção Entorno)
Com o teatro lotado dentro e fora de jovens estudantes, professores, jornalistas e líderes indígenas, o CCBB Brasília recepcionou o encontro com o emblemático escritor, jornalista, ambientalista, pesquisador e líder indígena Ailton Krenak, um autor que exalta o pensamento dos povos originários, sua estrutura e cosmovisão.
Krenak é, sobretudo, um crítico ao sistema capitalista, ao eurocentrismo e ao colonialismo no processo de formação do povo brasileiro. Sua palestra abordou todas essas questões, que são temas recorrentes em suas obras. Muito embasado, ele se propõe a desmascarar as falhas intrínsecas do capitalismo, expondo seus impactos devastadores sobre a natureza e as culturas tradicionais, além de falar sobre a visão unilateral e distorcida da história, que sempre relegou as culturas indígenas à margem da narrativa “dominante”.
Afinal, o que é o colonialismo ainda presente em diversos aspectos da sociedade brasileira, senão um processo de dominação e exclusão, que vem moldando a identidade nacional com uma perspectiva eurocêntrica desde 1.500? Krenak nos convida a repensar a história e sua crítica e sabedoria são simplesmente contundentes! Desconstruir os mitos e reconhecer a profunda influência das culturas indígenas na formação do Brasil é uma de suas propostas.
Nascido em 1953, em Minas Gerais, sua família mudou-se para o estado do Paraná quando ele era adolescente. Por lá, formou-se como produtor gráfico e jornalista. Nos anos 80, Krenak, que é da etnia dos últimos “Botocudos do Leste” – também conhecidos por Aimorés ou Krén, para os Tupis –, passou a integrar e a se dedicar ao movimento indígena, fundando o Núcleo de Cultura Indígena, uma ONG, para promoção da cultura das etnias indígenas.
Sua participação na Assembleia Constituinte, em 1987, ganhou destaque nacional. Na época, em discurso na tribuna, ele protestou contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas. Na sequência, participou da fundação da União dos Povos Indígenas e da Aliança dos Povos da Floresta. Como pesquisador, compõe o corpo do Núcleo de Cultura Indígena e um outro núcleo de estudos latino-americanos. Durante a palestra no CCBB, o pensador fez questão de destacar que, após a Constituinte, para que se entenda, os próprios povos indígenas já pesquisavam suas estruturas e cultura, atuando nos territórios, e ele era um desses pesquisadores.
Da resistência indígena até o respeito à diversidade
Ideias para adiar o fim do mundo” é, provavelmente, o livro mais famoso. Em suas páginas, Krenak critica a ideia de humanidade como um conceito separado da natureza e destaca o conceito do “Antropoceno” e a resistência indígena, que vem da não aceitação de que todos somos iguais.
Ailton Krenak
Por sinal, neste aspecto específico, ele foi cirúrgico em bater nesta tecla durante a palestra, ao abordar questões como o “porquê” dos brancos quererem tanto invadir e levar saneamento para as áreas indígenas, se os indígenas já são povos que estão integrados à floresta há milênios. Ele lembrou: “A floresta não é o mundo das metrópoles que transpiram carências. Os povos indígenas se bastam na sua coletividade, sem a necessidade de equipamentos e instituições que os ocidentais julgam como indispensáveis. Gente, os Ianomâmis viveram séculos com autonomia nas florestas, mas essa conta só se torna complexa porque se vive na floresta porque se quer, mas aí chega a pressão no território, por meio de garimpeiros e madeireiras. Revisitar o modo de vida dos povos originários é, sobretudo, revisitar os bens da humanidade”.
As indagações no teatro lotado foram muitas e abarcaram desde a estrutura educacional brasileira sustentada em bases “jesuíticas” até a globalização e a importância das diferenças étnicas, culturais e de gênero. Krekak enfatizou: “Só muito recentemente se abriu uma crítica ao colonialismo europeu, que faz mal à diversidade e que nos põe todos em um ‘lugar comum’ e incapazes de imaginar outros mundos. E, desse modo, deixamos de ser plurais. Eu tenho a impressão de que o mundo aceitou a globalização e a gente vive imerso nessas ideias globalizantes como se fosse tudo um. Só que, neste planeta, é justamente a diversidade do não ter nada parecido um com o outro, que faz a diferença que produz vida em tudo. E foi muito importante para a minha formação a convivência com as diferenças. Será que nós somos mesmo homogêneos?”, questionou.
Por fim, ele pegou firme na veia nevrálgica da desigualdade, que é o resultado fatídico e que mais assola os países frutos do colonialismo, como é o caso do Brasil, ou Pindorama, seu nome verdadeiro dado pelos indígenas antes de se tornar a terra de Vera Cruz, em 1500. “Infelizmente não é todo mundo que dispõe do mínimo de cidadania. Não é porque alguém é pobre, que ele é menos cidadão que alguém que é rico, mas a humanidade pressiona para a desigualdade. Desigualdade econômica, desigualdade de condições de acesso. O ‘apagamento’ dos povos originários existe desde o período colonial e este é o perigo de sempre integrar os valores colonialistas”, alertou. “Veja o caso de Brasília: uma cidade planejada em cima do território que era das etnias Krahô, Kayapó e Xavante. Em que momento se levou em consideração a existência dessas etnias? Virou a capital de um país pela genialidade de um projeto, mas e os trabalhadores que vieram construir a cidade? Foram lançados nas ‘cidades satélites’, onde você já inclui o prejuízo na narrativa. Não adianta, então, produzir um livro contra o colonialismo e continuar usufruindo dos meios colonialistas”, finalizou o líder indígena.
Eu, realmente, fiquei no mais absoluto silêncio respeitoso e absorta na minha ignorância de quem teve uma formação ocidentalizada, jesuítica, católica e presa à “grade curricular eterna”, diante desta verdadeira aula de lucidez. Salve, Ailton Krenak e toda a sabedoria dos povos originários!