Aos que defendem a regulação dos discursos como solução para os dilemas crônicos de nossas instituições enraizadas na República, essa proposta está longe de oferecer uma solução aplicável à realidade brasileira — ou a qualquer outra. Em todas as épocas, lugares e povos, não funcionaria da maneira que se imagina. É de comum acordo que a liberdade de expressão é incômoda, principalmente a livre expressão de nossos inimigos políticos, mas, por amor cívico, deveria ser o direito que o povo mais odiaria amar, como disse Alexis de Tocqueville.

Em todas as democracias liberais, punem-se a calúnia e a difamação como ferramentas constitucionais que, é verdade, vêm sendo utilizadas de forma bastante abusiva nos últimos anos. Mas essa não é a questão discutida ou debatida. No entanto, é oportuno apontar brevemente que essas ferramentas deveriam ser tratadas sempre com moderação por parte das autoridades: políticos, membros do Judiciário e o funcionalismo público.

Quando nos referimos à liberdade de expressão, estamos falando da possibilidade de crítica sem fundamento aos Poderes constituídos. Estamos nos referindo à crítica sem uma reflexão profunda ou bem articulada… e até mesmo à crítica destemperada e agressiva. Tendo em vista que o poder que não teme a sociedade civil se fortalecerá até alcançar níveis abomináveis e insanos de totalitarismo.

Pode parecer uma visão radical, mas, aos que mandam estudar história, seria necessário estudar realmente a história e perceber que o Estado, sem um controle social firme, abole todos os direitos individuais, penaliza as minorias e termina por destruir a natureza criativa da humanidade.

John Stuart Mill (1806–1873) afirmou, em Da Liberdade Individual e Econômica, que, para garantir o bem-estar material da humanidade — base para todos os outros tipos de bem-estar — é essencial reconhecer a importância da liberdade de opinião e da liberdade de expressar opiniões. Ele apresentou quatro razões principais para isso:

  1. Uma opinião silenciada pode ser verdadeira. Se calamos uma ideia, podemos estar impedindo que uma verdade venha à tona. Acreditar que uma opinião deve ser calada é assumir que somos infalíveis, ou seja, que nunca erramos — o que é um erro por si só.
  2. Mesmo que a opinião esteja errada, ela pode conter parte da verdade. Muitas vezes, ideias consideradas equivocadas trazem elementos verdadeiros. Como raramente a opinião dominante sobre qualquer assunto é totalmente verdadeira, só o confronto entre ideias diferentes permite que a verdade completa seja descoberta.
  3. Se uma opinião verdadeira nunca é questionada, ela vira um preconceito. Mesmo que a ideia aceita seja totalmente correta, se ela não for debatida com seriedade, as pessoas acabarão acreditando nela de forma superficial, sem entender seus fundamentos. Isso transforma a verdade em algo repetido mecanicamente, sem reflexão.
  4. A verdade sem debate perde seu impacto. Quando uma doutrina não é desafiada, ela corre o risco de se tornar apenas uma crença formal, sem força real para influenciar o caráter ou a conduta das pessoas. Isso bloqueia o caminho para o surgimento de convicções genuínas, baseadas na razão e na experiência pessoal.

Nesse sentido, por virtude republicana, devemos entender a livre expressão como um direito inalienável. Ela é a única garantia que as minorias têm para se defender dos grandes e dos poderosos. É a única forma de garantir que a democracia funcione dentro de sua proposta original: a resolução de conflitos e demandas dos lados contrários. Assim, a disputa entre lados opostos é a própria democracia. Logo, a democracia é a crise — e depende dela para sobreviver.

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