Turismo sem alma: o navio de cruzeiro é um shopping center com salva-vidas

12 setembro 2025 às 10h17

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Por que os navios de cruzeiro estão cada vez maiores?
A cada ano, surge um colosso ainda mais alto, mais largo, com um desfile interminável de piscinas, restaurantes e toboáguas. Quase uma obsessão pelo excesso, como se o oceano tivesse virado uma avenida para arranha-céus em constante expansão.
Essa história não é nova, claro. Em 1912, o Titanic, da White Star Line, já era aclamado como o maior e mais moderno navio do mundo. Um verdadeiro palácio flutuante que, ironicamente, se tornou símbolo da arrogância humana ao encontrar um iceberg pelo caminho.
Mais de um século depois, a narrativa se repete, agora em escala industrial. O Star of the Seas, da Royal Caribbean, supera o Titanic em quase cinco vezes.
Mas o título de “maior navio do mundo” já perdeu a aura de exclusividade: em 2024, a própria companhia havia lançado o Icon of the Seas, com 248.673 toneladas, exatamente o mesmo porte do Star.
Os dois navios-irmãos hoje compartilham o recorde — uma espécie de trono dividido no reino dos mares.
E a corrida não para: já está em construção o Legend of the Seas, também da Royal Caribbean, previsto para 2026, pronto para elevar ainda mais o campeonato particular do gigantismo.
A lógica? Fria como uma planilha. A Royal, sediada na Flórida mas registrada nas Bahamas (menos impostos, mais lucro), transformou o oceano em um negócio de alto rendimento. O cruzeiro deixou de ser viagem; virou produto. E dos mais rentáveis.
E um navio desses não é apenas transporte.
É a encarnação de um novo modelo: o urbanismo náutico.
A mesma lógica das cidades verticalizadas em terra — mais alto, mais denso, mais consumo, agora desliza sobre o mar. Hoje não se vende mais apenas uma travessia.
O que se vende é uma cidade inteira em constante movimento.
No Star of the Seas, e em seus irmãos igualmente descomunais, são mais de 40 restaurantes, toboáguas de vários andares, tirolesas suspensas, cassinos, spas, shoppings, lojas temáticas, shows da Broadway.
É uma espécie de Las Vegas em alto-mar, onde o passageiro pouco importa se está no Caribe, no Mediterrâneo ou no Atlântico: o verdadeiro destino é o próprio navio.
O abastecimento, por sua vez, lembra um supermercado atacadista. Toneladas de carne, milhares de frangos, 40 mil ovos por semana, incontáveis pães e frutas. Um resort cinco estrelas com a alma de um cargueiro de alimentos.
Um parque temático flutuante que precisa alimentar a máquina do consumo ininterruptamente, dia e noite.
Nos cruzeiros menores ainda havia algo de “vila flutuante”, uma certa intimidade comunitária. Agora, nos megacruzeiros, reina a impessoalidade das metrópoles: corredores infinitos, multidões homogêneas, uma espécie de condomínio global em alto-mar.
Em outras palavras, um shopping center com colete salva-vidas.
O resultado? A espetacularização do lazer. Um turismo que parece ter se desconectado do território, da paisagem e, talvez, da própria alma. Tudo é grandioso, tudo é espetacular — menos a autenticidade.
E o Caribe?
Ah, estava lá fora, sim.
Mas, entre o rodízio japonês, a fila da tirolesa e a foto na escadaria central, quem realmente teve tempo de notá-lo?