Paris em cartaz: o roubo do Louvre
21 outubro 2025 às 14h49

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Era um domingo qualquer em Paris. O outono parecia pintado à mão: o céu, de um azul quase impossível; a cidade, dourada; e as folhas, em queda lenta, como se o tempo também hesitasse em passar. Era 19 de outubro de 2025.
Era um domingo banal em Paris, desses que a gente vê e pensa que a vida imita a arte. Outono, sabe? Céu azul de propaganda, meio surreal. A cidade toda brilhando, um dourado que só Paris tem. As folhas caindo, uma por uma, bem devagar, como se o tempo estivesse meio indeciso, querendo ficar mais um pouco. Era 19 de outubro de 2025.
Em frente à pirâmide de vidro do Louvre, uma multidão de turistas, com seus smartphones, buscavam a foto perfeita, aquela imagem digna do Instagram, a eternidade sob filtro.
Mal sabiam eles que o verdadeiro espetáculo acontecia ali perto, a poucos passos. Ladrões haviam entrado no museu, executado seu plano e saído com a precisão de quem cumpre um cronograma.
Os turistas só perceberam quando veio a ordem: evacuar imediatamente o museu. Algo desconcertante. Alguns, sem entender, devem ter pensado: só pode ser uma bomba. Ou um atentado.
Na segunda-feira, Paris acordou sem fome de croissant. Nem vinho, nem queijo, nem o charme de sempre. Só se falava do roubo digno de streaming: o golpe milimétrico, o assalto que parecia ter sido dirigido por um algoritmo.
Antes de ser vitrine, o Louvre foi fortaleza, coração da monarquia e esconderijo do poder. Entre suas paredes, os reis ambicionavam a eternidade; do lado de fora, o povo ansiava pelo jantar.
De tanto medo da multidão, Luís XIV mudou-se para Versalhes, com seus jardins imponentes e seu perfume de distância, feitos para agradar Maria Antonieta. Essa parte da história aparece, quando muito, como legenda de maquete no interior do museu.
Nas plaquinhas douradas, fala-se de estilo, técnica, iluminação. Mas por trás do verniz explicativo ainda escorre um fio de sangue. Os pobres sempre conheceram o enredo, só não foram convidados à exposição.
E, convenhamos, tudo depende de quem escreve a história. Boa parte desse “acervo universal” nasceu de guerras, pilhagens e travessias disfarçadas de curiosidade científica.
Durante a campanha do Egito, Napoleão levou arqueólogos e soldados juntos, um mesmo uniforme para quem cava e para quem saqueia. Voltou com deuses, colunas, múmias e uma tese luminosa: roubar em nome do saber é civilizar.
E, veja só, o Louvre aprendeu uma velha lição: o roubo também faz parte de seu acervo. Poucos dos milhões de visitantes que cruzam suas galerias conhecem essa faceta.
O furto recente não foi revanche. Foi só mudança de época, agora o golpe vem em linguagem digital. Os ladrões de hoje são hackers de luxo; os antigos, assinavam tratados e proclamavam vitórias, enquanto levavam o Egito no bolso.
E Napoleão? Novamente deposto, sem exército, sem pedestal, sem moldura, talvez tenha enfim encontrado o que tanto procurava: a eternidade. Só que desta vez, sem coroas, nem colunas. Apenas como nota de rodapé, enquanto seu nome, de supetão, volta às manchetes globais.
Porque se todo império um dia cabe num boletim policial, alguns ganham de brinde as vitrines do noticiário. Falem mal, mas falem de mim: até os roubos, no Louvre, terminam virando evento mundial.
*Ycarim Melgaço é professor e escritor, também autor de “História das Viagens e do Turismo” (entre outros livros). Acompanhe em @ycarim no Instagram.
