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Antes do fatídico 11 de setembro, a segurança nos aeroportos era, digamos, um tanto mais relaxada. Embarcar num avião lembrava entrar num elevador: sem grandes inspeções, sem a obrigatoriedade de descalçar, sem confiscos de frascos aparentemente perigosos. A leveza na alma era o suficiente — e, claro, qualquer perfume na mala.

Contudo, o mundo virou do avesso. A tragédia das Torres Gêmeas elevou os protocolos à categoria de dogmas. A segurança tornou-se quase uma religião. E essa ortodoxia se entranhou nos balcões de check-in. Protocolo é protocolo, mesmo que o passageiro em questão caminhe sobre quatro patas e ostente um colete onde se lê, em letras garrafais, “Cão de serviço. Não interaja”.

Algo parecido aconteceu com Teddy, um caso que merece ser contado.

Teddy é um cão de serviço, cuidadosamente treinado para acompanhar Alice, uma menina autista de 12 anos com dificuldades de comunicação verbal. Ele não é de latir, não demonstra familiaridade com estranhos abanando o rabo, e evita carinhos. É discreto, preciso, quase como se fosse invisível. 

Para Alice, ele representa um porto seguro. Para a TAP, entretanto, ele aparentava ser uma ameaça em potencial.

A saga se iniciou em 18 de abril de 2025, quando a família tentou, sem sucesso, embarcar para Portugal com Teddy na cabine. A documentação estava, em teoria, em perfeita ordem — ou, pelo menos, em ordem suficiente para as autoridades portuguesas. 

Mas não para a companhia aérea, que barrou a presença do cão ao lado da criança. O resultado? Alice seguiu viagem sem seu fiel companheiro de apoio emocional.

Desde então, Teddy permaneceu no Brasil. E Alice, em terras lusitanas, começou a manifestar sinais preocupantes de desregulação emocional. Crises, momentos de angústia, a ausência daquela figura que lhe trazia segurança. Um cão de serviço, por definição, deve servir junto. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu.

Uma nova tentativa ocorreu em 11 de maio. Outro revés. A mesma novela.

Na terceira tentativa, no sábado, 25 de maio, a família, desesperada, recorreu à Justiça. A irmã de Alice, incumbida de levar Teddy ao encontro da menina, chegou ao Aeroporto do Galeão munida de uma liminar judicial, autorizando o embarque do cão na cabine. Não poderia haver nada mais claro. Nada mais dentro da lei.

Mas a TAP, inacreditavelmente, cancelou o voo.

Sim, você leu corretamente, o voo. Não o embarque do cão. O voo em si. Aproximadamente trezentos passageiros foram afetados, conexões foram perdidas, férias foram adiadas, reuniões foram frustradas. Um prejuízo estimado em mais de R$ 3 milhões para a TAP.

 Tudo por causa de Teddy, que, diga-se de passagem, não morde, não se exalta, não causa transtornos. Estava ali, calmo, exibindo seu colete discreto. Talvez tenha até abanado o rabo. Discretamente, claro.

A companhia aérea justificou sua ação alegando que a passageira que acompanhava o animal — a irmã, e não a própria beneficiária do cão — não era a destinatária direta do serviço. Portanto, a resposta era não. Ignoraram a liminar. Ignoraram a função do cão. Ignoraram tudo.

É inegável que a segurança seja crucial. E sim, a TAP é tida como a companhia mais segura da Europa, segundo a Airline Ratings. No entanto, uma segurança que desconsidera decisões judiciais e transforma um cão em ameaça talvez necessite de uma reflexão aprofundada.

Afinal, Teddy é a personificação do cuidado silencioso. Sua missão é ser sombra, bússola emocional, presença constante. Se ele tivesse embarcado naquele fatídico 18 de abril, ninguém sequer saberia seu nome. E tudo estaria em perfeita ordem.

Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu. Ele virou manchete. Ganhou fama nas redes sociais. Tornou-se um cão judicializado.

E o mais irônico de tudo: a liminar foi realmente cumprida? A resposta é um sonoro não. O voo foi cancelado. E Teddy, que possuía autorização judicial para embarcar, continuou em solo.

Fica a lição. A TAP, que tanto se vangloria de seus altos índices de segurança, talvez devesse investir também em outra vertente: o bom senso a bordo. Porque há protocolos que protegem, e há aqueles que aprisionam. 

E entre uma interpretação equivocada de uma norma e um cão que salva vidas em silêncio, talvez valesse a pena lembrar: nem toda ameaça caminha sobre duas pernas.

Enquanto isso, Teddy segue aguardando. Em silêncio. Com seu colete. Sem conseguir entender por que, em pleno ano de 2025, a empatia ainda precisa de uma liminar para alçar voo.

*Ycarim Melgaço é doutor em Ciências Humanas, pós-Doutor em Economia e Gestão de Organizações. É colaborador do Jornal Opção.

Ycarim Melgaço | Foto: Jornal Opção