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A Suíça, ah, a Suíça! Fala-se que seus habitantes inspiram ordem a cada suspiro, polindo o chão com uma pontualidade quase obsessiva e comprando o silêncio a peso de ouro. Uma terra de peculiaridades. 

É um país que exibe com orgulho um dos mais altos padrões de vida do mundo, mas que, ao mesmo tempo, representa um experimento social meticulosamente orquestrado, talvez até demais. 

Quase tudo ali parece funcionar com uma precisão assombrosa: os trens, invariavelmente, chegam no horário; cada vaca ostenta seu próprio nome; os prados exibem a perfeição de jardins domesticados; e o chocolate, ah, o chocolate, é tão impecável que chega a despertar suspeitas, como se estivesse ali para encobrir alguma transgressão. 

Existe um quê de ritualístico no dia a dia suíço, uma espécie de liturgia da eficiência, onde cada gesto se transforma em uma prece dedicada à previsibilidade. No entanto, essa virtude tão alardeada acaba se revelando uma forma de penitência coletiva. Na Suíça, o cidadão não se limita a obedecer às regras; ele as reverencia. 

É terminantemente proibido descartar o lixo fora do horário estabelecido, elevar o tom de voz em casa, utilizar o aspirador de pó aos domingos ou abrir garrafas após as dez da noite. A desordem é vista como um pecado contra o meio ambiente. O erro? Uma falha de caráter. A própria liberdade vem acompanhada de um manual de instruções detalhado e um preço de importação considerável. 

A neutralidade, por sua vez, é como uma marca registrada. A Suíça se mantém neutra como o ouro que protege: uma mera fachada. Por trás da beleza intocada dos Alpes, existem túneis onde o silêncio se torna mais precioso que qualquer som. 

Os bancos suíços, verdadeiros templos de aço e discrição, guardam não apenas fortunas colossais, mas também segredos sombrios: ouro proveniente do regime nazista; contas numeradas pertencentes a ditadores; subornos de corporações globais; dólares reciclados do tráfico. 

A geografia certamente contribuiu, mas foi a moral, ou a falta dela, que moldou esse sistema: a ética do sigilo é, sem dúvida, o principal produto nacional. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler poupou o país, aparentemente neutro, não por respeito, mas por puro interesse. 

Os cofres suíços abrigavam as reservas de ouro alemãs e grande parte dos bens artísticos roubados dos judeus. A Suíça não entrou na guerra; preferiu alugar seus cofres a quem pudesse pagar. É a neutralidade de quem não precisa sujar as mãos, basta lavá-las na neve intocada. 

É por isso que o buraco do queijo suíço é muito mais do que uma simples metáfora gastronômica: ele representa uma topografia moral complexa. Dentro desse buraco, cabem milhões depositados em contas secretas, toneladas de história abafada e uma fé inabalável na matemática bancária. 

Enquanto o mundo depositava sua crença na democracia, os suíços depositavam a deles na estabilidade das taxas de juros. O turista, é claro, não consegue enxergar nada disso. Ele se encanta com os Alpes, tira selfies ao lado de vaquinhas adoráveis e retorna para casa com a impressão de ter vivenciado um conto de fadas de precisão e civilidade. 

Mas a verdadeira Suíça se esconde por trás dos cartões-postais. Ela reside naquilo que não é mostrado. É a Suíça subterrânea dos cofres, dos contratos obscuros onde o luxo e o crime compartilham o mesmo travesseiro de seda. 

O país é uma verdadeira obra-prima da engenharia política: inventou a neutralidade como um produto de exportação e o segredo bancário como um dogma de fé. E, como toda religião, exige sacrifícios: não de mártires, mas de consciência. 

Enquanto o trem chega pontualmente às 10h04, o dinheiro continua sua jornada em horários invisíveis, cruzando fronteiras como se fossem pequenas rachaduras no queijo. 

Por isso, não existe ironia mais amarga do que a Suíça: um país que adoça o mundo com chocolate enquanto derrete a ética em banho-maria. No fundo, o verdadeiro produto nacional não é o relógio, nem o queijo, nem o leite em pó, é o silêncio. 

Seja bem-vindo à Suíça: o país onde tudo é tão perfeito que o erro precisa ser exportado, e onde o buraco do queijo é apenas o reflexo da alma financeira da Europa.