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Se a ascensão econômica da China é algo não só surpreendente do ponto de vista econômico, como algo nunca visto em termos de superação da pobreza, por outro lado é um fenômeno pouco abordado pela imprensa brasileira, em seus detalhes e nos vetores que impulsionaram esse deslocamento.

Não é segredo para ninguém minimamente esclarecido e com um nível mediano de percepção que as redações brasileiras estão tomadas, em sua esmagadora maioria, pelos colunistas e comentaristas de esquerda.

Por um mecanismo que mereceria um estudo psicológico bem profundo, esses apreciadores do que eles próprios chamam de “progressismo”, verdadeiro absurdo semântico, admiram o que já se mostrou como o maior fracasso, e mais que isso, o maior desastre social e político da história: o comunismo soviético.

Mas tentam moldar sob essa ótica tudo o que produzem a título de informação. Desconhecimento histórico por falta de estudo e leitura? Dificuldade cognitiva por falha educacional? Seria bom saber.

O comunismo chegou à China há 76 anos, em 1949, com Mao Tsé-tung. Era um país extremamente pobre e assim permaneceu por mais quarenta anos.

O comunismo de Mao, exatamente nas pegadas do comunismo soviético, só trouxe sofrimento para os já sofridos chineses. O “Grande Salto para a Frente”, proposta de Mao em fins dos anos 1950 para o desenvolvimento agrário chinês pela força, resultou em cerca de 20 milhões de mortos de fome, em avaliação modesta.

Roberto Campos: o economista que ajustou a economia do Brasil na década de 1960 | Foto: Reprodução

Sua “Revolução Cultural”, uma caça às bruxas aos simpatizantes de um sistema mais liberal de governo, também causou milhões de mortes e resultou num país de economia paralisada pelo medo.

Em 1949, com Mao assumindo o comando, a população chinesa era de cerca de 550 milhões de habitantes, e seu PIB algo como 30 bilhões de dólares, implicando num miserável PIB per capita de 55 dólares, aproximadamente.

Em 1978, no início da modernização de Deng Xiaoping, a população era próxima dos 950 milhões e o PIB estava na casa dos 218 bilhões de dólares, com um PIB per capita de 230 dólares, ainda um país muito pobre (o PIB per capita do Brasil era então 1.730 dólares, quase oito vezes maior).

Em 2024, com 1,4 bilhão de habitantes e um PIB de cerca de 19 trilhões de dólares, o PIB per capita chega a 13.500 dólares (maior que o do Brasil, então em 9.500 dólares).

Em outras palavras, nos 30 anos de Mao, o PIB per capita cresceu cerca de 400%, e nos 50 anos da reforma de Deng cresceu quase 6.000 %. A esquerda, latino-americana principalmente, reverencia o fracassado Mao-Tsé-tung e praticamente ignora o extraordinário Deng Xiaoping.

Gerardo Mello Mourão poeta 1
Gerardo Mello Mourão: um dos maiores brasileiros | Foto: Reprodução

Na juventude, Deng (1904-1997) viveu alguns anos em Paris, mas voltou à China para participar ativamente, ao lado de Mao Tsé-tung da luta contra os japoneses, da criação do Partido Comunista e da luta contra os nacionalistas de Chiang-Kai-Shek.

Muito ativo intelectualmente, sempre escrevia e publicava estudos sobre política e economia.

Em 1952 era uma das figuras mais importantes ao lado de Mao, mas, com o passar do tempo e o envelhecimento do “velho timoneiro”, um pequeno grupo, que viria a ser chamado no futuro de “a gangue dos quatro”, chefiado pela mulher de Mao, Jiang Qing, e outros três membros do partido, em 1967 deflagraram a “Revolução Cultural” e colocaram Deng em desgraça, internando-o em um campo de concentração.

Chou Enlai conseguiu reabilitá-lo em 1971, mas em 1976, com a morte de Mao, Deng cai outra vez em desgraça.

Só uma personalidade extraordinariamente forte conseguiria superar as humilhações e dificuldades, físicas inclusive, que ele sofreu.

Deng Xiaoping e Lee Kuan Yew: o comunista e o capitalista eram amigos | Foto: Reprodução

Mas Deng, nos registros de inteligência dos EUA, é descrito como uma personalidade de baixa estatura (tinha 1,50m de altura), de alta inteligência, forte personalidade e grande discernimento.

É reabilitado outra vez, em 1977, agora para se tornar o líder principal da China e levá-la à sua extraordinária marcha de desenvolvimento, por caminhos pouco ortodoxos para um comunista, ainda que tenha para isso que usar toda sua persuasão.

Acabou por se tornar o artífice inconteste da nova China. Teve, mesmo antes de 1977, influência em importantes acontecimentos, que apontavam para uma nova atuação, longe da miopia econômica, da rigidez e da tirania que caracterizavam o comunismo soviético: foi pela neutralidade da China na Guerra Fria (o que ajudou a terminá-la) e arquitetou a visita do presidente americano Richard Nixon a Pequim em 1972, uma das atitudes mais representativas da superação das tensões que pareciam apontar para uma terceira guerra mundial.

Deng Xiaoping foi um verdadeiro estadista, dos que conseguem visualizar um caminho de prosperidade para a sua sociedade e de preservação da paz e da convivência internacional.

Quando falou de “reforma e abertura”, poucos acreditaram, mas estava disposto a mudar os caminhos de fechamento econômico e admitir empresários, mesmo estrangeiros, no território chinês. E o empreendedor local passou a ser bem-visto, algo impensável sob Mao Tsé-tung: “Ficar rico é glorioso” era um slogan seu.

Queria resultados contra a pobreza milenar do povo chinês: “Não importa a cor do gato, desde que cace os ratos”, foi seu ditado mais famoso.

E uma revelação importante para os leitores. Ela foi constatada e repassada pelo intelectual Gerardo Mello Mourão, escritor, poeta, jornalista e insuspeito na sua revelação, pois sempre foi homem de esquerda (o brasilianista Stanley Hilton, no livro “Suástica Sobre o Brasil”, ressalva que, na juventude, espionou para nazistas de Adolf Hitler e se integrou às fileiras do integralismo de Plínio Salgado).

Gerardo Mello Mourão (poeta admirado e elogiado por Ezra Pound) foi correspondente da “Folha de S. Paulo” em Pequim de 1980 a 1982, e conta o que lhe foi revelado quando na China: em 1978, Roberto Campos, que era embaixador em Londres, e um renomado economista conservador (foi responsável pelo sucesso econômico no governo Castelo Branco, juntamente com Octavio Gouveia de Bulhões), foi convidado por Deng Xiaoping para um encontro reservado na China.

Nesse encontro, após passar alguns dias percorrendo um roteiro sugerido por Deng, Roberto Campos entregou ao líder chinês um documento de 12 páginas, pois este lhe pedira um roteiro econômico para o desenvolvimento chinês.

Gerardo Mourão revela que Deng seguiu à risca o roteiro de Roberto Campos, após examiná-lo detidamente, com sua assessoria. Segundo o insuspeito Mourão, o extraordinário desenvolvimento chinês, com uma abertura para o mercado na até então rígida estrutura estatal chinesa, tem muito a ver com as ideias do economista capitalista brasileiro. Faz sentido, mas a esquerda brasileira esconde sob sete chaves esse fato. Natural. Desinformação é com ela mesma.   

Acrescento, por fim, que Deng Xiaoping também foi influenciado, em larga medida, pelo líder político da capitalista Singapura Lee Kuan Yew.

Portanto, o chinês que revolucionou a economia da China, ao abandonar as pouco realistas políticas econômicas do comunismo, foi grandemente influenciado por dois capitalistas.