Por conta de algumas tarefas, tenho passado temporadas em Portugal, desde 2019. Curioso da diferença cultural entre os povos, faço minhas observações, e as compartilho com o leitor que tenha a mesma curiosidade

É preciso deixar claro que Portugal não se alinha entre os países mais desenvolvidos e/ou ricos da Europa. Seu PIB per capita, em 2020 na casa dos 23.000 dólares, está abaixo da média da Zona do Euro, que é de 30.000 dólares, e só está melhor que o de alguns países que ainda lutam para se recuperar do atraso comunista imposto pela inclusão forçada na URSS ao fim da Segunda Guerra. É o caso da Bulgária (9.000 dólares) e da Romênia (11.000). Para ilustração, o PIB per capita dos EUA é de 54.000 dólares, o da Alemanha, de 45.000. O do Brasil, como o da Rússia, está na casa dos 11.000 dólares.

Um aspecto social de Portugal que chama a atenção, principalmente de nós brasileiros, é a segurança. A criminalidade é baixa, mesmo com a pouca ostensividade policial. A revista Economist, em parceria com as Universidades de Sidney e de Londres, publica anualmente sua classificação dos países pelo Índice Global da Paz. Em 2021, Portugal ficou na quarta posição, atrás apenas da Islândia, da Nova Zelândia e da Dinamarca entre os países mais pacíficos do mundo. O Brasil aparece no 128º lugar. São raras as notícias de crimes. Furtos e roubos, só de tempos em tempos surgem nas páginas de jornais. Pode-se sair a qualquer hora da noite sem ser incomodado sequer por um bêbado. O sentimento religioso está muito arraigado na sociedade portuguesa, faz parte de sua história e está presente na educação e nas festas tradicionais. 

Outro aspecto social, principalmente fora das cidades maiores, Lisboa e Porto, é a cortesia no trato com as pessoas, nos locais de atendimento público, sejam eles estabelecimentos privados ou repartições públicas. O funcionário português, em qualquer repartição, explica pacientemente, sem pressa, ao “utente”, o usuário, tudo o que ele deseja saber e se certifica de que ele compreendeu bem, antes de despachá-lo. É certo que a burocracia é grande e o tempo para solução de problemas no serviço público português é bem maior que no Brasil, mas o trato dispensado é cortês e educado. Não ouvi quem quer que seja, entre os empresários com que tenho tido contato, ou brasileiros que aqui vivem, falar em propinas.

No comércio em geral, com ênfase para a alimentação, chama a atenção a miríade de micro estabelecimentos, em geral familiares, que aqui existem. São muito comuns os pequenos restaurantes, onde se come muito bem e em que o dono serve as mesas e cuida do caixa enquanto a mulher cuida da cozinha, às vezes com um filho ou filha por único funcionário. Trabalha-se muito aqui, nas empresas privadas. Mesmo nos restaurantes maiores, uma ou duas pessoas se afanam em servir as mesas, enquanto no Brasil um estabelecimento do mesmo porte emprega para tanto pelo menos quatro serviçais. Pequenas mercearias, que também funcionam como cafés e servem bebidas e refeições ligeiras, costumam ser tocadas por uma única pessoa, o dono, em geral, que faz de tudo. E tudo é limpo, sem poluição em lugar algum.

Não pense o brasileiro que aqui vem pela primeira vez que não terá dificuldades com a língua. A entonação que os portugueses usam é diferente da nossa, o que faz com que fiquem ininteligíveis se falam muito depressa. Há além disso termos usados em Portugal que não se usam no Brasil, ou que têm aqui significado bem diferente. O português poderá lhe aconselhar: “Não pares na berma, ou terás uma coima!”, o que significa: “Não estacione no acostamento, porque vai pagar uma multa”. O português usa sempre a segunda pessoa e nunca a terceira, em suas frases. Além disso, nunca usa o gerúndio. O português nunca perguntará: “Você está vendo?”, mas: “Estás a ver?”. Um “arrebentamento de conduta” não significa um mau comportamento, mas um rompimento de adutora. Tantas são as diferenças, que os portugueses dizem que falamos brasileiro. Quem fala português são eles. Ainda no que respeita à comunicação: os portugueses são literais, e se atêm às palavras que ouvem. Nunca usam os subentendidos, de que nós abusamos. Exemplifico: Em conversa com um amigo português, eu contava a ele que ia à Espanha, de carro, e como o percurso era longo, eu o faria em duas etapas. “Durmo na estrada, e no outro dia chego a Guadalupe.” – eu disse. Ele olhou-me e indagou intrigado: “Na estrada? Por que não dormes em um hotel?”. No Banco, minha mulher dizia à gerente: “Eu queria fazer uma remessa.” Resposta-pergunta dela: “Querias? Não queres mais? Por que?”. E o proprietário de um restaurante que costumamos frequentar, que aguardava os fregueses sentado à porta, respondeu à pergunta de “Como está?”: com um “Sentado, ora pois.” Para um português pergunta-se como está passando. Sem o subentendido do simples “como está?”.  

A imprensa é muito civilizada aqui em Portugal, e as autoridades são tratadas com respeito. Não há agressividade, a arrogância e a grosseria que vemos na imprensa brasileira. As autoridades são comedidas, e até onde consigo perceber, corretas e não aproveitadoras. A Corte Constitucional portuguesa, que corresponde ao nosso Supremo Tribunal Federal, tem 13 ministros, dos quais 10 são de indicação da Assembleia da República e 3 do próprio tribunal. Há mandato, de nove anos. São os ministros escolhidos obrigatoriamente entre os juízes dos outros tribunais superiores ou do judiciário em geral. Nunca um advogado de quinta categoria pode chegar a juiz da Corte Constitucional, como pode acontecer no Brasil. Há um bom salário (6.100 euros, equivalendo a 39 mil reais) mas não existem vantagens adicionais. Carro oficial só para o Presidente e o Vice-presidente da Corte. Os demais ministros guiam seus próprios carros particulares. Para todo o serviço administrativo da Corte, existem apenas 17 veículos, alguns de 2004. Não há notícia de um ministro da Corte ter invadido a seara de outro poder ou ter adotado atitude que possa, sequer de longe, ter parentesco com militância política. 

A educação em Portugal é muito voltada para o básico, sendo obrigatória dos 6 aos 18 anos, e segue um modelo bem tradicional, de resultados. A alfabetização está acima dos 95%. Há avaliação de aproveitamento no básico, existe um vasto leque de ensino profissionalizante, permitindo ao jovem mais rápido acesso ao mercado de trabalho. O país tem um programa de combate às drogas que tem dado bons resultados (voltarei ao assunto, futuramente).

A convivência social, em resumo, neste pequeno país, é notável. O governo atual é socialista nos moldes europeus, isto é, democrático capitalista no setor privado e com um setor público reduzido e voltado apenas para a Segurança Interna e Externa, Saúde, Assistência Social e Educação. Há inclusive programa vigoroso de atração de capitais externos visando desenvolvimento tecnológico, aumento na oferta de emprego e na preservação de construções históricas. Os empresários, como provedores de empregos, são respeitados. Nem se imagina, por aqui, que um bando de sicários tipo MST possa invadir uma vinícola, ou uma plantação de oliveiras. O país, densamente povoado (sua superfície equivale à de Santa Catarina e tem quase o dobro da sua população),  encarna as cinco características europeias marcantes de que fala George Steiner: Tem seus cafés que lembram os pontos de referência dos pensadores dos séculos XIX e XX, tem nos nomes de seus logradouros a evocação histórica de sua cultura e sua história, é próximo dos principais centros europeus, tem em sua cultura as preciosas heranças de Atenas e de Jerusalém, e nela e em sua educação, cultiva as indagações filosóficas hegelianas da trajetória do homem. Portugal, na sua dimensão histórica enorme e na sua dimensão física modesta, encontrou seu modus vivendi social: equilibrado, respeitoso, civilizado.