Política de segurança só dará certo se criminalizar o bandido e não o policial
12 maio 2014 às 10h02
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Há um aforismo, de autoria incerta, mas que é certamente inteligente. É atribuído ora a George Bernard Shaw, ora ao jornalista americano Henry Louis Mencken: “Para cada problema complexo, existe uma solução clara, simples — e errada”. Houvesse essa solução clara e simples, mas acertada, e haveria menos problemas complicados no mundo.
Tomemos um dos problemas mais sérios do cotidiano brasileiro: o da segurança pública. É um problema complexo, agravado ao longo dos anos, pois descurou-se de enfrentá-lo, exceto com soluções simples, claras e erradas.
O problema é complexo porque envolve vários atores: as vítimas, os autores e o Estado nos setores policial, judiciário, prisional, de assistência social, de assistência médica, etc.
Além disso, envolve grande volume de recursos financeiros, para pessoal, construções e equipamentos. O problema é hoje generalizado, pois todos nós ou fomos vítimas de violência, ou tivemos pessoa muito próxima que o foi, nos últimos tempos. Pode-se dizer com segurança — sem trocadilho — que até meados dos anos 1980 havia razoável controle sobre o tráfico de entorpecentes, o crime organizado e os presídios. O nível de assassinatos estava em patamares razoáveis, pelas marcas dos organismos internacionais.
A globalização do tráfico de drogas, com crescente influência econômica e consequente organização do crime, encontrou um Brasil pouco preparado do ponto de vista legal e policial para seu enfrentamento.
Por um lado, a Constituição de 1988 dava exagerada importância à questão dos direitos humanos dos bandidos mais perigosos, e a legislação exacerbava a proteção aos menores e adolescentes mais pervertidos.
As brechas no Código Penal constituíam — e constituem — uma quase garantia de impunidade. Por outro lado, a ideologização da questão criminal, pelos sucessivos governos de esquerda, vitimizou os bandidos e tornou os organismos policiais fracos, desaparelhados, suspeitos e desestimulados.
Nossos vizinhos, grandes produtores de coca, foram tratados com tolerância e até amizade pelo governo brasileiro, que não exigiu deles medidas coercitivas quanto ao tráfico por nossas fronteiras.
Com esse caldo de cultura, era fatal que nos tornássemos um dos países mais violentos do mundo. Cinquenta mil assassinatos por ano equivalem a uma guerra; meio milhão de mortos em um quarto de século significam um genocídio. E é o que vivemos, sem que isso preocupasse — ou preocupe — esses sucessivos governos de esquerda, de Fernando Henrique Cardoso a Dilma Rousseff.
Uma solução simples e errada foi tomada em 2003: desarmar a população civil. Uma solução tão claramente errada que só poderia ser ideológica, pois não tinha qualquer base teórica ou prática, e era claramente atentatória às vítimas, vez que medidas semelhantes haviam fracassado em várias partes do mundo. Até hoje o governo persiste nela, apesar de ter se mostrado como agravante da situação criminal e ter sido repudiada pela grande maioria dos brasileiros em referendo realizado em 2005.
Outra medida simples e errada foi a experiência carioca das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). No fundo, nada mais foi do que um exercício do “jeitinho brasileiro”, um dos maiores males de nossa cultura, o cultivo da indolência e das soluções simplistas, obtidas ao abrigo da lei do menor esforço, e por isso mesmo erradas. Deslocar policiais para unidades implantadas nos morros, pura e simplesmente, mantida intocada a estrutura do crime organizado, não poderia resultar em queda da criminalidade, gritava o bom-senso.
Como o carioca adora o “jeitinho” e a mídia local vive da pirotecnia e das verbas públicas, fez-se um estardalhaço com as UPPs. Seriam a extinção do crime, o ovo de Colombo, a salvação da lavoura, o estalo de Vieira e tudo de bom que houvesse, bradava-se sem esperar os resultados. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, tornou-se herói carioca e depois nacional. Chegou a ser lembrado para Prêmio Nobel da Paz.
Continuei cético, bem como amigos que entendem de Segurança. Hoje, decorridos seis anos da implantação da primeira UPP, e implantadas mais algumas dezenas, o que ocorre no Rio de Janeiro? A criminalidade vem aumentando, o tráfico de drogas não se alterou e continua sendo o governo de fato das favelas. E as UPPs são atacadas diariamente por bandidos, que destroem suas instalações, emboscam e matam policiais. Vinte e cinco já morreram até agora, só no presente ano. A população é instigada (leia-se obrigada) a protestar contra as UPP. Em protesto contra elas, ônibus são incendiados quase todos os dias.
Sempre tive José Mariano Beltrame como honesto e de boas intenções, mas simplório, que não sabe onde tem o nariz. Provas disso ele mesmo dá constantemente. Agora mesmo, mostrando o quanto é ingênuo, lança sua precoce e ufanista biografia, justamente no momento em que as UPPs fracassam — e ele não tem como negar isso, pois os índices de criminalidade são maiores do que antes de sua implantação.
O binômio ideologia-governismo vem fazendo com que a mídia nacional, com as honrosas exceções de sempre, nos venda gato por lebre. O leitor, a menos que seja especialista em segurança, não deve saber que São Paulo tem um índice de assassinatos três vezes menor que o do Rio de Janeiro, executando uma política de segurança conservadora. Prende muito mais que o Estado carioca (e bem mais que a média brasileira), embora a imprensa não divulgue isso. Fazê-lo poderia desagradar os donos das verbas federais, sempre as mais polpudas. Aliás, a política de Segurança que resulta é a mais conservadora, pelo menos até que se tenha um nível salarial, educacional e cultural mais elevado.
É certo que a solução do nosso problema de Segurança vai demandar um esforço conjunto dos três poderes. Não há solução simples. É certo também que demandará tempo, como é certo que já deveria ter preocupado os governos e a solução deveria estar encaminhada.
Há muitos exemplos mundo afora de como lidar com a segurança pública, e deveriam ser estudados e adaptados a nossas condições.
Algumas verdades irrefutáveis já podem servir de balizamento para quem se dispuser a agir:
1) A legislação penal deve ser revista, visando, principalmente, evitar a impunidade e tornar mais ágeis os julgamentos. Só penas mais duras não resolvem.
2) A polícia necessita ser mais valorizada, preparada, equipada e dotada de capacidade preventiva e de inteligência.
3) Deve ser evitada a vitimização do bandido. Ele não é uma vítima, é um inimigo da sociedade.
4) Deve ser evitada a criminalização do policial. Ele não é um antagonista, mas um guardião da comunidade.
5) Deve ser ampliado e humanizado o sistema prisional. Penas devem ser cumpridas integralmente, mas com dignidade. O inferno não é punição terrestre.
De momento, enquanto não se muda a ideologia do governo, uma providência já é urgente, porque não tomá-la é agravar ainda mais um problema já na fronteira do caos. Falo dos policiais, hoje tão injustamente tratados. Injustamente, do ponto de vista funcional: ganham mal, não têm o preparo adequado nem condições de trabalho boas. Injustamente, do ponto de vista social: são inibidos em sua ação legal, são inculpados pesadamente nas mínimas faltas, são sempre suspeitos de excessos. Estão acuados.
Cito três exemplos apenas, recentes: nas manifestações de junho do ano passado, um PM paulista quase foi linchado por um bando de celerados, agredido com pedras, e bastante ferido, sacou sua arma mas não atirou. Um policial de qualquer país bem mais civilizado teria disparado sem hesitar. Nosso PM esteve a ponto de morrer pelo “politicamente correto”.
Também no Rio, ao apreender drogas e armas, uma equipe de policiais militares foi cercada por marginais, espancada, e teve a viatura destruída, sem reagir. Foi elogiada pelo secretário de Segurança pela covardia.
E em Brasília, no mês de fevereiro deste ano, policiais militares que impediam bandidos do MST de invadirem o prédio do Supremo Tribunal Federal, onde os ministros estavam reunidos, foram violentamente agredidos, sem quase reação. Dezenas ficaram feridos, ao contrário dos agressores, protegidos do governo federal, que saíram ilesos.
A boa imprensa começa a contestar esse tratamento injusto que recebem nossos policiais. O excelente jornalista Carlos Alberto Sardenberg publicou em “O Globo”, no dia 1º deste mês, esclarecedor artigo nesse sentido. E o também excelente jornalista Ruy Castro, com cujas ideias muitas vezes não concordo, escreveu no dia 30 do mês passado, na “Folha de S. Paulo”, um artigo que todos os brasileiros deveriam ler. É sobre o mesmo tema, a injustiça com nossos policiais, e tem o título de “Pessoas dentro da farda”. Fala das mortes dos policiais cariocas, que perecem praticamente anônimos, esquecidos daqueles que protegeram até o momento mesmo em que foram abatidos, deixando dependentes desamparados. Isso, enquanto outros indivíduos, até com ligações com traficantes, como o recentemente morto dançarino “DG”, recebem homenagens em seus enterros.
Diz Ruy Castro: “Nem sempre os jornais registram que o policial assassinado era jovem, recém-casado, filho exemplar, ou pai de filhos. Artistas da Globo não vão a seus enterros. Não se sabe de missas por suas almas, e, na verdade, ninguém está interessado. É se como não houvesse uma pessoa dentro da farda”. Acho que não é preciso dizer mais nada. l