O STF, Roberto Jefferson e o terrível silêncio de Nunes Marques e André Mendonça

30 janeiro 2022 às 00h00

COMPARTILHAR
Jornalistas observam a ilegalidade da prisão de Jefferson e não dão um pio. Seja por covardia, seja porque cegos em sua ideologia
Roberto Jefferson, ex-deputado, ex-presidente de um partido político — o PTB —, o homem que denunciou o mensalão, já deixou claro, em várias ocasiões, que tem (como muitos outros brasileiros, aliás antipatia pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em especial, pelo ministro Alexandre de Moraes.
Por certo, em pensamento, ataca o ministro Alexandre Moraes várias vezes por dia. Em palavras, já o fez pelas redes sociais. Em atos, ao que se saiba, nunca o fez, até porque não há oportunidade. Neste Brasil, um ministro do Supremo é uma espécie de semideus do qual os mortais comuns não podem se aproximar.

Pois bem, Roberto Jefferson, por ter atacado o ministro pelas redes sociais, e pelas leis brasileiras, poderia ser investigado pela polícia, o inquérito desta deveria ser remetido ao Judiciário, com respaldo do Ministério Público, para que respondesse por injúria, calúnia ou difamação, se defendesse, e, se condenado, fosse submetido às chamadas cominações legais — entre as quais não se encontra a pena de prisão.
Mas aconteceu diferente do que prevê a lei: o ministro, assumindo ao mesmo tempo o papel de vítima, polícia, promotor, juiz, e reformador legal, sem consulta, pelo menos formal aos seus colegas da Suprema Corte, determinou a prisão temporária de Roberto Jefferson, em 13 de agosto do ano passado. Já lá se vão quase seis meses, e o político permanece preso. Um par de dias atrás teve sua prisão convertida em domiciliar, por motivo de saúde, mas está, de qualquer forma, sob prisão e portando tornozeleira eletrônica.
Roberto Jefferson tornou-se um preso político, pois o ato não se enquadra nas disposições legais brasileiras. Mas a decisão monocrática do ministro do STF, que por ser unipessoal nem por isso isenta a Suprema Corte, não é a única coisa a se estranhar na questão.

Há uma constelação de jornalistas brasileiros, encastelados nos maiores órgãos de divulgação, que bradam indignados quando qualquer manifestação é levada a cabo por apoiadores do presidente. Até cantar o Hino Nacional, dependendo do local e circunstância, é para eles um “ato antidemocrático”. Pois bem, esses jornalistas observam a ilegalidade da prisão de Jefferson e não dão um pio. Seja por covardia, seja porque cegos em sua ideologia, não vêm nada errado em prender, sem culpa formada, sem defesa e sem prazo, o político Roberto Jefferson.
Para essa turma, lugar de gente de direita é mesmo na cadeia — ou em lugar pior — bastando para tanto não pensar como eles. Não são todos os jornalistas, é claro. J.R. Guzzo, Augusto Nunes, Caio Copolla, Alexandre Garcia, Claudio Humberto e alguns poucos outros já escreveram sua indignação, numa prova de que ainda resta esclarecimento e dignidade no jornalismo brasileiro, mesmo que em apenas numa pequena tribo.
No Congresso, passou-se algo semelhante: por covardia, ideologia ou rabo preso, apenas um ou outro deputado ou senador ousou levantar a voz.
Ministros Nunes Marques e André Mendonça

Outro comentário: os demais ministros do STF se calaram, nada declararam a respeito dessa delicada questão. Não era de se esperar que oito deles, dentro da dezena que resta, excluindo Alexandre de Moraes, todos os oito indicados pelos governos anteriores, se manifestasse ou discordasse do colega. De se espantar seria o contrário. Mas duas interrogações não deixam de surgir, e bradar bem alto: algo a dizer, ministro Nunes Marques? Não vai fazer uma indagação em plenário, ministro André Mendonça?
O ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, que assumiu sua cadeira no Supremo em novembro do ano passado, parece até constrangido, intimidado, ali no STF. Um estranho no ninho. Tem primado pela discrição. Nenhum arroubo de ação até agora, nenhuma declaração contundente sobre qualquer tema, nenhuma audaciosa resolução monocrática, como é moda no Supremo, embora tenha oferecido dois votos surpreendentes: pela suspeição do juiz Sergio Moro e pelo desbloqueio dos bens de Lula da Silva. Contudo, nessa questão da prisão sem processo e sem prazo de Roberto Jefferson, quando milhares de bandidos da pior espécie recebem sua saída de Boas Festas e o preso político continua preso, esperava-se ao menos uma palavra de Nunes Marques. Mas, até agora nada: Nunes Marques, no que respeita ao assunto, é um copo d’água: incolor, inodoro e insípido.

E com o ministro André Mendonça, o que se passa, quando o assunto é essa prisão? Mendonça foi indicado por Bolsonaro em julho do ano passado para a cadeira do Supremo vaga pela aposentadoria compulsória de Marco Aurélio Mello. Fez parte do governo que Jefferson sempre defendeu.
Por razões políticas — e só por elas — teve que aguardar de julho até dezembro para se submeter à sabatina senatorial e ser votado pelo mesmo Senado, só assumindo sua cadeira no final do ano. Implicaram com ele no Senado e o deixaram preso por meses em sua enorme expectativa. Sabe, pois, muito bem, o que é aguardar com angústia por uma definição que não vem.
A espera de André Mendonça não foi tão aflitiva quanto é a de Roberto Jefferson, pois nada aflige mais que a privação da liberdade, mas o ministro pode avaliar o que é esperar por meses algo que lhe é devido e não lhe é entregue por picuinhas políticas.
Pode ao menos avaliar o que sente Jefferson no ansiar a liberdade, ainda mais portando saúde fragilizada. André Mendonça não é terrivelmente evangélico? Não foi essa uma das características que o fizeram escolhido pelo presidente para a cadeira do Supremo? O presidente disse que foi. E assim sendo, um dos atributos do evangélico, do cristão, é precisamente a assistência aos injustiçados, ainda mais se fracos, enfermos, idosos. Esse preceito é bíblico, é templário, é terrivelmente evangélico enfim.
Aos oito ministros do Supremo indicados pelos presidentes do esquerdismo-petismo não há como pedir que cobrem algo do colega Alexandre de Moraes. Nunes Marques está mergulhado em sua inconspicuidade. Mas o silêncio de André Mendonça é gritante. Sob todos os pontos de vista.