Não há dúvida, embora isto pouco se divulgue, de que o funcionalismo público brasileiro tem enorme vantagem sobre o funcionalismo privado. Basta falar da tal “estabilidade”, algo tão exorbitante quanto afrontoso. E do nível salarial, sempre alguns degraus acima do nível salarial do setor privado, onde se trabalha mais, de uma maneira geral. Segundo o Instituto Millenium, baseado em estudo feito em 2020, o funcionário público recebe – no geral – cerca de 110% a mais que o funcionário privado que executa as mesmas tarefas. Mais que o dobro, portanto. Os desníveis são mais gritantes no Legislativo e no Judiciário, onde aos salários se somam vantagens assistenciais várias, muitas delas verdadeiramente exorbitantes.

Não é de admirar que uma grande porcentagem de nossos jovens, em vez de desenvolver seu potencial em uma carreira empresarial, vá buscar as benesses que um concurso público pode proporcionar. Estudo realizado pela CNI-Confederação Nacional da Indústria, também de 2020, avaliou o peso do funcionalismo público de 70 países sobre o PIB-Produto Interno Bruto. Encontrou o Brasil na desconfortável 7ª posição, com um gasto de 13,7% do PIB com o funcionalismo público. Para que se tenha uma medida comparativa, o Chile consome 6,9% do PIB, o Peru 6,6% e a Colômbia 6,4%, com a mesma rubrica. Uma diferença gritante. Ressalte-se que a meritocracia não é um item presente na avaliação do funcionário público brasileiro, agravante razoável quando se critica a qualidade dos serviços públicos nacionais e o tratamento dispensado aos usuários, principalmente se mais humildes.

O desequilíbrio salarial dentro do funcionalismo também chama a atenção, com funcionários do Judiciário e do Legislativo percebendo salários bem maiores que seus colegas de setores socialmente até mais relevantes, como o Setor Saúde do Executivo.

Nota-se ainda um desnível acentuado entre os salários do Executivo, que são mais reduzidos a nível estadual e ainda mais a nível municipal, se comparados com o federal. De uma maneira geral, não parece haver, em comparação com outros países, um excesso notável na quantidade de funcionários públicos no Brasil.

O percentual de servidores públicos no total de empregados é cerca de 12% por aqui, muito próximo da média na América Latina. A diferença com relação aos nossos vizinhos está mesmo no nível salarial do servidor público, muito maior por aqui. Nos vizinhos, ao contrário do que ocorre no Brasil, não há diferença gritante entre o que ganha um funcionário público e o que ganha um trabalhador privado que executa funções equivalentes, como não há no Primeiro Mundo.

E não nos esqueçamos que a contratação de servidores pode ser uma ação de governo que em vez de vir em benefício da sociedade como um todo, pode servir como ferramenta eleitoreira ou ideológica, principalmente se não são muito transparentes os critérios de seleção. O quadro abaixo mostra como se comportaram os últimos governos no diminuir ou aumentar o quantitativo do funcionalismo nacional.


*Número de dezembro de 1989, último dado disponível da gestão de José Sarney.
**Número de abril de 2016, último mês completo de Dilma Rousseff na Presidência.
*Último dado disponível, de maio de 2022.
Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal (BEP) e Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do governo federal.


Como se observa, desde o final do regime militar houve um movimento de redução no número de funcionários públicos federais, por parte de todos os presidentes, exceto os petistas Lula e Dilma. Estes dois, no sentido inverso de todos os outros, contrataram desbragadamente. E como os critérios dessa ocorrência nunca foram muito claros, fica a impressão que não foi atendida a necessidade do serviço público em si, mas o interesse político e ideológico de aparelhamento da máquina pública, com os “intelectuais orgânicos” de que fala Gramsci, ou seja, de correligionários obedientes, dispostos a propagar o esquerdismo e não a dar o melhor de si para a sociedade que os paga.

Pelo menos no Setor Educação é muito visível o comportamento do funcionalismo dentro dessas premissas, em qualquer nível em que nos posicionemos. Por outro lado, dado a queda no nível de ensino brasileiro, os concursos públicos baixaram o nível de suas exigências, resultando em servidores menos qualificados, o que se reflete na qualidade do serviço público como um todo, e que fica mais visível nas carreiras superiores.

Exemplos não faltam. Na semana passada, uma juíza federal, que obrigatoriamente tem que conhecer para aplicar a legislação federal, resolver proibir o uso da bandeira nacional nos eventos políticos e até sua exibição no exterior das residências, até as eleições. Alegou que é um símbolo usado por uma das partes na disputa eleitoral. Seu uso configuraria “propaganda eleitoral” (de Bolsonaro, evidentemente). Não quero afirmar que a juíza aderiu ao ativismo judicial em voga. Mas sem dúvida, mostrou despreparo e desconhecimento da lei. Tivesse o mínimo conhecimento, ou mesmo a disposição de se informar, antes de deitar falação, veria que a Lei 5700, de 01/09/1971, que trata dos Símbolos Nacionais, em seu Artigo 10, fala: “Art. 10. A Bandeira Nacional pode ser usada em todas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular”.

De uma clareza meridiana, a lei dispensa interpretações. Ou a juíza não teve conhecimento dela, o que é ruim, ou teve e resolveu interpretá-la sem conseguir, o que é pior. Uma decisão de molde a envergonhar o judiciário, que felizmente, pelo TRE local, reagiu e anulou a confusa sentença da juíza.

As tentativas de correção das distorções que beneficiam o servidor público costumam fracassar. A classe tem grande poder de pressão sobre o Legislativo, está atuando junto a ele e conta com o apoio do Judiciário. É praticamente impossível, no atual quadro de fraqueza de deputados e senadores, aprovar qualquer medida que atinja, no mínimo que seja, os atuais servidores. E muito difícil até a aprovação de medidas que atinjam os futuros servidores. Até por isso, a Proposta de Emenda Constitucional PEC 32/2020, da Reforma Administrativa, tramita há dois anos no Congresso sem aprovação. E observe-se que ela mantém muitos privilégios do servidor público, como a horrível estabilidade (para várias classes funcionais). A maturidade política e social do Brasil ainda está longe de surgir no horizonte.