Uma pergunta que nos persegue – e que por certo também atormenta o leitor – é: Por quê quase todas as nações da Europa, mesmo desprovidas dos abundantes recursos presentes em vários países Latino-Americanos, ostentam uma qualidade de vida muito mais elevada do que a nossa? 

Não só materialmente ficamos nós, latino-americanos, bem aquém daquelas nações, com um PIB per capita, na média, equivalente a menos da metade daquele ostentado por elas, também na média. Além disso, politicamente, experimentamos uma crônica doença que os europeus, com raríssimas exceções, já erradicaram: a instabilidade política. 

Não temos invernos rigorosos, sismos ou furacões. Nossas terras são férteis, de maneira geral. Recursos minerais são abundantes, água inclusive, salvo raros casos excepcionais. 

Temos fontes de energia renovável com que os europeus sequer sonham. Nosso subcontinente é populoso, com boa oferta de mão de obra, onde quer que se vá. Os horrores da guerra foram muito mais devastadores na Europa, e por duas vezes, no século passado, do que por aqui. A despeito disso tudo, os europeus (salvo raras exceções) têm superior qualidade de vida, e vivem essa vida progredindo lenta, mas firmemente, sem as idas e vindas, sem as apalpadelas, sem os retrocessos, as agitações, exacerbações, corrupções e conflitos políticos sempre presentes entre os latinos do Novo Mundo. O marxismo soviético, hoje execrado em toda parte, desapareceu da Europa e persiste em estado puro apenas em duas nações em todo o Globo, uma delas na América Latina: em Cuba.

E a doutrina marxista é tolerada e levada em conta, hoje, apenas em algumas nações da América Central e do Sul, justamente as latinas. Na América Latina se veem chefes do Executivo envolvidos com narcotráfico, ministros do Judiciário envolvidos em política e imprensa militante politicamente, em vez de informativa, coisas impensáveis na civilizada Europa. Por quê marcamos passo, enquanto os europeus marcham normalmente? Por quê nos entredevoramos, enquanto eles convivem? E estamos destinados, nós do Brasil, a nos vermos como o eterno país do futuro?  

Intentemos, leitor, uma resposta, ou até menos que isso, uma especulação:

O filósofo inglês Herbert Spencer escreveu, em 1857, um ensaio intitulado Do Progresso, sua Lei e sua Causa. Nesse trabalho, Spencer afirma que o progresso, seja ele astronômico, geológico, orgânico, social ou econômico, se traduz pela transformação de um estado de homogeneidade para um estado de heterogeneidade, e enunciou sua lei da transformação: toda causa produz mais de um efeito. E exemplificou: nas sociedades primitivas, a característica era a homogeneidade – todos os homens se igualavam no exercer as mesmas tarefas, e as necessárias para sua sobrevivência: todos eram guerreiros, pescadores, caçadores, construtores de seus abrigos, fabricantes de suas armas e ferramentas etc. Mas com o passar do tempo, algum se mostrou mais hábil, por exemplo, na fabricação das armas.

Logo houve quem, mais hábil nas caçadas, propusesse uma troca: a presa caçada por uma arma melhor que aquela que o próprio caçador produzia. Estava inventada a divisão do trabalho, e logo essa causa produziu vários efeitos: cada um passou a executar a tarefa em que melhor se houvesse e as trocas passaram a se generalizar. Ponto para a heterogeneidade. A linguagem, a princípio, constava apenas de interjeições – aos grunhidos se comunicavam os homens das cavernas. Mais tarde, surgiram os substantivos e os verbos, para bem depois as outras classes gramaticais. Outra marcha do homogêneo para o heterogêneo. O homem primitivo só ia aonde o levavam seus próprios pés. Todos se deslocavam igualmente. Até que se domesticou o cavalo, se inventaram as carroças, as carruagens, as embarcações, vindo posteriormente, com a máquina a vapor, os caminhos de ferro, seguidos de tantas outras invenções transportadoras. O transporte, antes homogêneo (todos andavam a pé) na sociedade passou a ser algo deveras e cada vez mais heterogêneo.

Enfim, a evolução do homem sobre a terra é uma história de passagem de uma situação de homogeneidade para uma de crescente e coerente heterogeneidade, em que uma causa produz variados efeitos, num desdobrar infinito de modificações. Essas modificações, evidentemente absorvidas pelo consciente e pelo inconsciente dos componentes da sociedade, constituem um aprendizado social, e vão se tornando parte de sua cultura, de sua civilização, ao longo do tempo. O homem se diferencia e se educa, se civiliza internamente e no convívio. Ao longo do tempo, dissemos, pois essas transformações, é claro, demandam tempo para se processarem. Essa passagem do homogêneo para o heterogêneo não é instantânea.

A história do homem data de milênios. Arrisquemos um corolário da teoria de Spencer: Então as sociedades, como os indivíduos, passam por uma infância e uma adolescência, antes de se tornarem adultas e maduras? As sociedades europeias, mais envelhecidas, avançaram mais em sua maturidade e civilização do que as mais novas, que elas conquistaram e colonizaram no Novo Mundo? É o que deixam entrever os fatos e a dissertação do filósofo. É verdade que as nações europeias, de uma maneira geral, iniciaram sua história conhecida, isto é, civilizada e com registros, há pelo menos um milênio.

Já o Novo Mundo, cuja história começa com os descobrimentos, tem metade disso, coisa de cinco séculos. E há cinco séculos a hoje civilizada Europa era de uma barbárie que até hoje horroriza. Ao que parece, reside aí a diferença entre as nações europeias, mais prósperas e afluentes, mais civilizadas, politicamente mais estáveis e respeitosas em seus debates e embates, sem grandes diferenças de concepção entre os grupos antagônicos no poder e na oposição, com eleitorado bastante informado e com bom nível de esclarecimento, o que redunda na eleição de representantes de elevado nível político e moral. 

E as latino-americanas, mais pobres, não só na economia, mas também no nível do debate político, ferrenhas adversárias e quase inimigas entre oposição e governo, com votantes em grande parte ignorantes do que se passa nessas nações e no mundo, logo escolhendo representados de baixo nível político e moral, e tendo nos postos mais elevados uma elite de má qualidade, insensível aos problemas nacionais e preocupada consigo própria e seus privilégios. Precisamos de mais aprendizado, logo de mais tempo para amadurecermos, deixa entrever a teoria de Spencer. Mas quanto tempo? Os quinhentos anos que separam a idade da história europeia da história latino-americana? Nem tanto, podemos arriscar dizer. Hoje, as informações ganharam velocidade nunca vista e a era digital trabalha na aproximação das civilizações. Mas, arriscamos também dizer, mais algumas décadas fluirão até que elevemos nosso nível social, econômico e político a nível próximo daquele em que se sentam hoje as nações da Europa, de maneira geral.

Pode-se dizer que os EUA e as nações da Oceania – o Novíssimo Mundo – contradizem esse corolário da teoria de Spencer que enunciamos. Afinal, são tão novas nações – ou mais – do que as que compõem a América Latina, e ostentam nível de vida econômico e político próximo ao das nações desenvolvidas da Europa. Mas esse fenômeno tem explicação lógica. Que fica para outro artigo, por não caber no atual.