Livro mostra que Cabral, seguindo orientação templária, não descobriu o Brasil por acaso

16 janeiro 2022 às 00h00

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D. Manuel se interessava pelas riquezas das Índias. A ordem dos Cavaleiros de Cristo se preocupava com a finalidade religiosa dos descobrimentos
Acabo de ler o livro de João Morgado, “Vera Cruz — A Vida Desconhecida de Pedro Álvares Cabral” (Clube do Autor, 507 páginas). Foi uma surpresa do amigo Barão Camilo de Fulwood, que se dá com o autor, e dele colheu uma amável dedicatória. Algumas palavras sobre João Morgado, para os brasileiros que ainda não travaram conhecimento com sua obra: português, Morgado que nasceu em Aldeia do Carvalho, na Covilhã, em 1965, foi jornalista, e é poeta e escritor. Apesar de ainda jovem, conquistou vários prêmios literários em Portugal e no Brasil, destacando-se o Prêmio Nacional de Conto Manoel da Fonseca, da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, em 2020, o Prêmio Literário Ferreira de Castro, da Câmara Municipal de Sintra, em 2019, e a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural do Brasil, em 2017. Publicou vários romances, entre eles Diário dos Imperfeitos, de 2012 e Diário dos Infiéis, de 2010, obras de muita aceitação em Portugal, adaptadas e encenadas em teatro, inclusive. A parte mais densa de sua obra está, contudo nos romances históricos. Escreveu sobre Camões O Livro do Império, e uma trilogia sobre os navegadores: Vera Cruz, a que me referi, sobre Pedro Álvares Cabral, com primeira edição em 2015, Índias, sobre Vasco da Gama, editado em 2016, e Fernão de Magalhães e a Ave-do-Paraíso, de 2019. Falemos do “Vera Cruz”.
Não é uma biografia, até porque é impossível biografar com um mínimo de precisão quem viveu há cinco séculos, e quando os registros não abundavam, como agora. Também não há testemunhas a inquirir nem imagens a consultar. Há que se completar com algo da imaginação, embora exigindo verossimilhança. É como diz João Morgado em sua Nota Final (página 505): ” Esta obra é uma biografia romanceada de Pedro Álvares Cabral e procura dar algum entendimento a pontos menos claros da vida desta personalidade marcante. Não sendo um ensaio histórico, está assente numa investigação de dois anos, preserva os dados históricos conhecidos e procura apresentá-los de forma aliciante para quem gosta de narrativas históricas…Apesar das limitações, esta narrativa tem uma base credível de factos entremeados com ficção, por forma a conseguir um retrato verossímil do que foi a vida de Pedro Álvares Cabral”.

O livro se insere, pois, no subgênero dos contos, novelas e romances históricos portugueses, o que, longe de depreciá-lo, o torna parte do que é, para um sem-número de leitores (e aí me incluo), o que há de melhor na rica literatura lusa. Segue a linha do que já se consagrou nas letras portuguesas com Alexandre Herculano (1810-1877), Luís Augusto Rebelo da Silva (1822-1871), Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931), Júlio Dantas (1876-1962), ou ainda Eça de Queirós (1845-1900), Almeida Garret (1799-1854) e Antero de Figueiredo (1866-1953).
O texto de João Morgado sobre Cabral e sua viagem ao Brasil, já por si cativante para os portugueses por focar parte importante dos descobrimentos e para os brasileiros por razões óbvias, ainda prende mais por levantar questões pouco reveladas, que ele busca aclarar, tanto quanto lhe permitem os registros da época e algumas deduções pertinentes por parte do autor. Um exemplo é sua dedução sobre a personalidade física e moral de Pedro Álvares Cabral, cujo afastamento da Corte após sua viagem acabou por lançá-lo na penumbra histórica.

Outro exemplo é a especulação sobre as verdadeiras razões da chegada de Cabral até a costa brasileira, algo um tanto inusitado, mesmo para a época. O destino de Cabral eram as Índias. Por que tanto afastamento para oeste? As explicações de Morgado são razoáveis. Os descobrimentos tinham duas finalidades, até certo ponto antagônicas, uma se sobrepondo a outra conforme a cobiça ou a religiosidade do monarca português reinante: as especiarias e a evangelização de novos povos. A ordem dos Cavaleiros de Cristo, remanescentes dos Templários, e de enorme importância em Portugal (eram templários o Infante D. Henrique e o próprio Pedro Álvares Cabral, entre outros) se preocupava imenso com o fim religioso dos descobrimentos, enquanto a D. Manuel interessavam as riquezas advindas das Índias. Mas Cabral, seguindo a orientação templária e de posse de uma rota já conhecida para o Brasil (a rota de Duarte Pacheco Pereira, de 1498) teria aportado aqui não por acaso. Esse prolongamento de viagem, à revelia do soberano português, teria ocasionado atrasos e prejuízos. Esse fato, somado a outro — a inimizade que Vasco da Gama, amigo do rei, devotava a Cabral — seria a explicação da indisposição de D. Manuel com Cabral, que não mais receberia missões de importância da Coroa Portuguesa. E, em que pese o tempo passado e a dificuldade das fontes de consulta, alguns fatos ficam bem aclarados, como a morte de Pero Vaz de Caminha, figura tão grata aos portugueses, e mais ainda, aos brasileiros.
E mais não digo, para não tirar do leitor brasileiro o prazer de, navegando no admirável livro de João Morgado, fazer também seus descobrimentos.