Livro de Ruy Castro mostra que racismo era quase inexistente nos meios literários do Rio nos anos 20

22 março 2020 às 00h00
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“Metrópole à Beira-Mar” resgata um Rio de Janeiro moderno que já exista nos anos 1920. Trata-se de uma pesquisa rigorosa
Chama-se “Metrópole à Beira-Mar — O Rio Moderno dos Anos 20” o livro recente do jornalista, biógrafo e escritor Ruy Castro. É da Companhia das Letras, saiu no fim de 2019 e tem 494 páginas.
Não é um livro leve como outros do autor, e não estou falando das biografias. Falo de “Chega de Saudade” (espécie de biografia da Bossa Nova), “Ela é Carioca”, “A Noite de Meu Bem”. São estes livros absolutamente saborosos, sobre nossa música, nossos artistas e seus lugares — principalmente o Rio de Janeiro, tal como existia antes, até a década de 1970, por aí.
O “Metrópole à Beira-Mar” deixa de ser leve não por deficiência autoral. Pelo contrário, é denso pela quantidade de informações que traz nas suas quase 500 páginas. O talento de Ruy Castro como escritor e pesquisador está intacto. Apenas são tantos os dados colhidos e transmitidos que ficamos a imaginar como conseguiu o escritor reunir tanta coisa e ordená-la de maneira digerível. Mas não pense o leitor que a leitura, por ser densa, desagrada. Pelo contrário, é extremamente aprazível, aborda os fatos da política, da guerra, das letras, da música, dos palcos, das rádios, dos hotéis, das praias, das academias naqueles anos de um século atrás. É um livro que, lido, não se passa adiante. Fica ali na estante, pois é certo que voltaremos a ele para buscar aquele detalhe que nos marcou, mas também que, entre tantos outros, não se fixou perfeitamente na memória.
O livro mostra bem o que o Rio de Janeiro foi. E o que é hoje o Rio, não é preciso mostrar — nós sabemos. Enfim, não é livro que se resenha, mas que se recomenda. Ruy é um grande escritor, um excepcional contador de histórias, desde que não fale de política atual. Aí perde o siso e o rumo e se deixa levar pela ideologia, coisa que nunca acontece em seus livros, só nos artigos (curtos) de jornal.
Os cariocas daqueles anos viam em carne e osso, pois acorriam ao Rio, as grandes figuras mundiais do meio artístico, cinematográfico, científico e literário, atraídos pela beleza natural da cidade e pela sua vibrante modernização, que se traduzia nas avenidas, nos hotéis, nos teatros, nos cinemas, nas tertúlias, nos jornais, na academia. Nas listas de passageiros dos navios que chegavam à cidade, constavam nomes como os do compositor e maestro alemão Richard Strauss, do maestro italiano Arturo Toscanini ou do escritor francês Anatole France. Ou dos tenores italianos Enrico Caruso ou Beniamino Gigli. Ou ainda dançarinos como os russos Anna Pavlova e Nijinsky, ou mesmo americana (naturalizada francesa) Josephine Baker. E até o maior dos físicos: o alemão Albert Einstein.
As letras ferviam nos jornais e nos livros, não raro em acirradas polêmicas. Foi a época de Coelho Neto, Afonso Celso, Lima Barreto, Medeiros e Albuquerque, João do Rio, José de Alencar, Ruy Barbosa, Euclydes da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda.
Os muitos jornais e revistas esbanjavam qualidade. “Correio da Manhã”, “Jornal do Brasil”, “Diário Carioca”, “A Manhã”, “A Noite”, “A Notícia”, “Jornal do Commercio”, “Gazeta de Notícias”, jornais que ficaram na história da imprensa brasileira, como ficaram as revistas “Fon-Fon”, “Eu Sei Tudo”, “O Cruzeiro”, “Para Todos”.

O leitor que pretender mergulhar num mundo hoje inexistente, onde se misturam jornalistas, cartunistas, artistas do porte de Di Cavalcanti ou Ismael Nery, músicos ou compositores clássicos, como Heitor Villa-Lobos, Bidu Sayão, Madalena Tagliaferro, ou populares, como Carmen Miranda e Francisco Alves e compositores como Pixinguinha e Sinhô, terá que ler o livro.
E, curioso, Ruy Castro nos mostra (e deve tê-lo feito desavisadamente, pois os escritores de esquerda não costumam admitir o fato) que o racismo era quase inexistente nos meios literários desse Rio de Janeiro dos anos 1920. O que equivale a dizer o mesmo do Brasil de então.
Viriato Corrêa e João do Rio, mulatos, eram proprietários de jornais. Assim como Machado de Assis (sim, morreu em 1908, mas próximo da década de 1920) e Lima Barreto (morreu em 1922), ou Irineu Marinho (pai de Roberto Marinho), dono do jornal “A Noite”.
O brasileiro nunca levou a sério o racismo. Que o diga quem visitou, no século passado, os EUA (antes de Kennedy e Lyndon Johnson) ou a África do Sul (durante o apartheid). Racismo, aqui, tem sido usado como ferramenta de desagregação social, e não se pode dizer que seja um sentimento de raiz.

Há no brasileiro mediano e que pensa se informando, uma concepção do homem cultural, e não do homem biológico, a despeito de décadas de desinformação ideológica exacerbando a luta contra o racismo a ponto de fazê-la uma luta de classes, e com isso fortalecendo o próprio racismo. O tempo aponta, desde a década tomada por Ruy Castro para mostrar um Rio de Janeiro fantástico, para a democracia racial desvelada por Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala” ou para o racismo cordial de Sérgio Buarque de Holanda. Não surtiram efeito as tentativas de provar um conflito racial desejadas por sociólogos menores, como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Ou por partidos marxistas, como o PT, em cujo governo uma ministra “Da Igualdade Racial” (Matilde Ribeiro) pregava a hostilidade dos pretos contra os brancos como meio de compensação das humilhações da escravatura. Nada disso adianta. Não no país onde Pelé é um símbolo nacional.